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pilha de livros com notas de dólar entre suas páginas
Pesquisadores enfrentam desagradável situação de serem ricos demais para ter descontos, e pobres demais para pagar as taxas de publicação em acesso aberto de grandes editoras científicas. designer491/Unlimphotos

Rumos da divulgação científica: desafio dos custos de publicação para os pesquisadores brasileiros

Na semana em que completa um ano de vida, o The Conversation Brasil começa a publicar uma série de artigos que discutem a essência do nosso trabalho: os rumos da divulgação científica. Nesses tempos em que a mentira e as informações falsas viraram ferramenta de sucesso no universo das redes sociais, uma divulgação científica que seja ao mesmo tempo acurada e eficiente, capaz de transmitir conhecimento para camadas mais amplas da população, é fundamental para frear o flerte com a ignorância e o autoritarismo que parece cada vez mais ameaçador na sociedade contemporânea. No nosso primeiro artigo dessa série, publicamos uma análise de Alicia Kowaltowski, da USP, e Leandro Tessler, da Unicamp, sobre os altos custos cobrados por algumas publicações científicas renomadas para que pesquisadores possam publicar seus trabalhos - uma distorção que compromete o crescimento da divulgação do conhecimento no mundo.


Cientistas devem divulgar os achados de suas pesquisas, para que possam ser aplicados em benefício da sociedade, e para que outros cientistas possam revisá-los e confirmá-los, elaborar novas ideias e fazer novas descobertas com base nas anteriores. Revistas contendo coleções de trabalhos científicos existem desde 1665, quando foi fundada a Philosophical Transactions da Royal Society britânica - que, incrivelmente, continua ativa. Hoje, estima-se que há em torno de 100 mil periódicos científicos, que publicam mais de 3 milhões de artigos novos por ano. Número que vem crescendo ano a ano, levando muitos cientistas a afirmar que é hora de publicar menos e com mais qualidade, evitando desgastar o importante sistema de revisão e avaliação por pares.

Outro problema é o custo das publicações. Criados com o intuito de disseminar a ciência, os periódicos não costumam pagar os cientistas produtores do conteúdo, nem aos revisores especialistas que avaliam sua qualidade. Mas organizar e disponibilizar publicações científicas envolve despesas, custo que historicamente era repassado aos leitores, na forma da compra da revista impressa, seja por indivíduos ou, com o tempo, por bibliotecas e instituições.

O cenário mudou com a ascensão da internet. Em lugar de revistas em papel, a literatura científica passou a ser principalmente online, mas ainda com acesso individual ou institucional. No caso do Brasil, grande parte destas assinaturas são coordenadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Muitas revistas se tornaram tão importantes e mundialmente requisitadas que suas assinaturas viraram uma significativa fonte de renda para as sociedades científicas que as editam.

Mas os ganhos com a venda de periódicos não ficam restritos às sociedades científicas. Importantes revistas atualmente são editadas por empresas privadas, como a Nature - fundada em 1869 pela editora MacMillan, que em 2015 se fundiu com a Springer e virou a Springer Nature, hoje responsável pela publicação de mais de 3.000 revistas científicas. Outras grandes empresas também surgiram e se expandiram enormemente neste período, incluindo Elsevier, Wiley, Taylor & Francis e, mais recentemente, a MDPI, todas publicando centenas de milhares de trabalhos científicos por ano. Juntas, empresas privadas com fins lucrativos controlam cerca de 90% do mercado editorial científico atual.

Além de envolver oligopólios, o mercado editorial científico consiste um nicho muito especial que não obedece às leis usuais de mercado. Autores de artigos científicos não são pagos. Pelo contrário, produzem e avaliam como revisores os artigos gratuitamente. Além disso, as instituições para as quais trabalham compram o direito de ler esses artigos. Como cada artigo é publicado apenas em uma revista, não há concorrência direta entre os periódicos, e as assinaturas não obedecem à lei de oferta e procura.

Com isso, as editoras científicas puderam estabelecer práticas altamente rentáveis, com margens de lucro estimadas em mais de 30%, muito além da média de outros setores da economia. Elas também passaram a cobrar preços de assinaturas considerados abusivos por muitos. Como diversas instituições não podiam mais cobrir estes custos crescentes, parte significativa do conhecimento científico produzido passou a ficar inacessível, escondido por trás de paywalls.

Bem comum da Humanidade

A percepção de que o conhecimento científico é um bem comum da Humanidade, junto com a de que o mercado editorial estava impondo preços abusivos de assinaturas, levou ao surgimento de movimentos buscando mecanismos de publicação em acesso aberto, sem paywalls. Movimentos que ganharam tração em 2018, com a iniciativa de agências de fomento à pesquisa predominantemente europeias conhecida como Plano S, que visava obrigar pesquisadores que recebem financiamento destas agências a publicar seus trabalhos apenas em periódicos de acesso aberto.

O problema é que, com o foco em obter acesso aberto universal imediato, o Plano S não conseguiu mudar a característica principal do mercado editorial científico atual: a dominação das empresas com fins lucrativos. Estas empresas então passaram a cobrar os autores pelas publicações, alegando necessidade de cobrir os custos editoriais. E também passaram a cobrar cada vez mais caro por este trabalho, aumentando estas taxas três vezes mais que a inflação. O modelo de negócios do acesso aberto apenas trocou a cobrança de valores abusivos nas assinaturas pela cobrança de valores abusivos diretamente dos cientistas autores, que passaram a pagar para publicar suas pesquisas.

O resultado é que um movimento originalmente visando ampliar o acesso à ciência agora está dificultando a publicação de trabalhos, principalmente para grupos que não têm recursos para pagar essas taxas, que podem passar de US$ 10 mil por artigo. Embora muito se fale de descontos para países em desenvolvimento para manter a equidade na publicação e acesso à ciência, estes descontos geralmente se restringem a nações de baixa renda, com quase nenhuma produção científica.

Assim, os cientistas brasileiros agora se encontram na desagradável situação de serem ricos demais para ter descontos, e pobres demais para pagar as taxas de publicação. O resultado é que muitos de nós estamos tendo que escolher onde publicar nosso trabalho pensando não só na qualidade da revisão e visibilidade dos resultados, mas também nos preços. Outros de nós também estamos passando pelo desagradável processo de implorar por descontos individuais. Os autores deste texto já foram ameaçados de processo legal por não pagar as taxas em meio a essas negociações.

A comunidade científica precisa urgentemente discutir como melhorar os mecanismos de divulgação suas descobertas. Podemos, com mais tempo, mudar a forma que comunicamos nossos achados, usando ferramentas alternativas às revistas associadas a empresas que visam lucro.

Uma opção é fortalecer os repositórios públicos de preprints (manuscritos divulgados online antes da revisão por pares) como o ArXiv, doando nosso tempo como revisores de qualidade e geradores de dados para repositórios de baixo custo. Também podemos, como comunidade, decidir por publicar menos manuscritos. E, quando o fizermos, focar em revistas editadas por sociedades científicas, em que qualquer lucro será reinvestido em interesses da própria pesquisa. O amplo acesso ao conhecimento que nossa sociedade merece ter só ocorrerá se nós, cientistas, reconquistarmos o controle sobre os mecanismos de publicação científica.

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