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Da força absoluta dos tempos coloniais ao poder neopentecostal da atualidade, passando pela defesa progressista da ordem social dos anos 80, religiões sempre exerceram influência capital no jogo político do Brasil. AP Photo/Leo Correa

História: como a religião e a política se misturam desde o século 16 no Brasil

Na história do Brasil, a religião sempre ocupou uma posição de destaque no cenário social e político. A Igreja Católica desempenhou um papel central na formação política e cultural do Brasil, influenciando a colonização, as normas morais e a própria estrutura do Estado. Durante séculos, essa influência esteve profundamente entrelaçada com o poder político, e a Igreja Católica se colocou como guardiã da ordem social e dos valores dominantes. Em momentos de transição, como na redemocratização dos anos 1980, a Igreja progressista se aliou a movimentos de esquerda, defendendo pautas de justiça social e direitos humanos.

No entanto, com o crescimento das igrejas neopentecostais, nos anos 1990, esse papel de influência religiosa no âmbito político mudou de direção, acompanhando o conservadorismo social em ascensão. As igrejas neopentecostais, com sua mensagem de prosperidade e seus núcleos de formação religiosa e política, agora desempenham um papel semelhante ao da Igreja Católica de outrora, porém adaptado a um novo cenário de disputa ideológica.

Hoje, embora o “jogo” continue o mesmo — onde religião e política se entrelaçam para moldar a sociedade — o momento é outro, marcado por uma intensa polarização. As igrejas neopentecostais focam em valores tradicionais e pessoais, conquistando setores que se sentem desassistidos pelas mudanças globais e pelas políticas progressistas.

Assim, enquanto a Igreja Católica influenciava pela centralidade, o movimento neopentecostal avança pela capilaridade e pela mídia, alcançando os cantos mais remotos do país e adaptando seu discurso a um Brasil profundamente transformado. A questão, hoje, é se essa nova dinâmica de poder religioso e político será capaz de coexistir com a diversidade e o respeito às diferenças ou se correrá o risco de se tornar, como em tempos passados, uma força de exclusão e controle.

A Expansão Neopentecostal e o Alinhamento com a Direita

O crescimento das igrejas neopentecostais tornou-se um fenômeno de massas. Aproveitando-se das transformações sociais e econômicas, bem como da ampliação do alcance da mídia no país, essas igrejas passaram a adquirir canais de televisão, emissoras de rádio e jornais, consolidando sua presença na mídia de uma maneira sem precedentes.

A Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, comprou a Rede Record, o que lhe proporcionou um meio poderoso para difundir sua mensagem e reforçar sua identidade. Essas igrejas não se limitavam a espaços de culto e evangelização, mas assumiram uma postura ativa na sociedade, mobilizando fiéis e construindo uma base social expressiva e engajada, em especial entre as classes populares e setores marginalizados.

O avanço midiático dos neopentecostais fortaleceu sua influência política, que se materializou com a formação da chamada “bancada evangélica” no Congresso Nacional, composta por políticos de diferentes partidos comprometidos com uma agenda conservadora em temas sociais, morais e culturais. Essa bancada, que ganhou corpo e relevância a partir dos anos 2000, tornou-se um dos blocos mais coesos do legislativo, defendendo pautas como a preservação dos valores familiares tradicionais, a oposição a direitos LGBTQIA+, o combate ao aborto e a defesa de uma educação moral e religiosa.

Com a chegada ao poder de governos e partidos de viés conservador, especialmente a partir dos anos 2010, o apoio neopentecostal a figuras políticas de direita se tornou ainda mais explícito. Esse alinhamento político-religioso representou uma mudança significativa no cenário nacional, pois as igrejas neopentecostais passaram a atuar como base de sustentação desses governos, promovendo uma narrativa que vinculava fé, ordem e prosperidade econômica.

A Universal e outras igrejas neopentecostais não apenas apoiavam candidatos que defendiam suas pautas morais e conservadoras, mas também eram agentes ativos de mobilização eleitoral, utilizando sua infraestrutura midiática e organizacional para influenciar o voto de milhões de fiéis, que viam nas lideranças religiosas orientações morais e políticas confiáveis.

A partir de 2018, essa dinâmica se intensificou com a eleição de líderes de direita, que encontraram nas igrejas neopentecostais uma base de apoio essencial para governar. A influência dessas igrejas se estendeu para além do legislativo, alcançando também o executivo em várias esferas do poder. Lideranças neopentecostais passaram a ocupar cargos e secretarias estratégicas, em especial nas áreas de educação e direitos humanos, onde promoviam pautas contrárias a políticas de gênero, diversidade sexual.

A lógica organizacional dessas igrejas, centrada no empreendedorismo, na eficiência empresarial e na promoção da prosperidade, tornou-se um modelo de sucesso que inspira e sustenta sua influência política. A capacidade dessas igrejas de mobilizar recursos, adquirir veículos de comunicação e manter uma presença constante na vida de seus fiéis confere-lhes uma legitimidade que transcende o espaço religioso, tornando-as agentes relevantes de transformação social e política. Essa influência, consolidada ao longo de quatro décadas, posicionou o neopentecostalismo como uma das principais forças conservadoras do Brasil, com um impacto duradouro sobre a cultura política e as políticas públicas.

É importante destacar que, neste cenário, muitas tradições religiosas e espirituais têm sido desrespeitadas e marginalizadas, especialmente o espiritismo e as religiões de matriz africana, que historicamente têm sido alvo de preconceito e violência. Essas tradições, que integram de maneira profunda a cultura e a espiritualidade brasileira, merecem o mesmo respeito e proteção que outras religiões. O tratamento equitativo de todas as crenças é fundamental para que a democracia seja inclusiva, e o Estado deve zelar para que cada prática religiosa, independentemente de sua origem, seja respeitada e protegida.

Religião, Política e os Desafios da Democracia Brasileira

Apesar das controvérsias e da forte orientação conservadora, o movimento neopentecostal tem exercido uma influência expressiva sobre a classe trabalhadora brasileira, alcançando setores da sociedade que, historicamente, eram mobilizados por movimentos progressistas da Igreja Católica.

Com uma estrutura organizada e uma linguagem acessível, essas igrejas neopentecostais têm criado um ambiente acolhedor para trabalhadores em busca de apoio espiritual e social. Ao oferecer uma mensagem que combina prosperidade, esperança e um senso de pertencimento, essas igrejas se mostram mais eficazes em atingir as necessidades emocionais e materiais de seus fiéis, muitas vezes superando o impacto dos movimentos católicos progressistas que, ao se aliarem à esquerda, têm encontrado desafios em manter a mesma proximidade com essas comunidades.

O risco atual é que a religião continue a ser uma ferramenta de exclusão e controle, impondo uma visão única que compromete o princípio democrático de respeito às minorias. Para que o Brasil se mantenha como uma sociedade inclusiva e pluralista, será fundamental resgatar o diálogo e a tolerância entre diferentes setores religiosos e ideológicos, garantindo que a liberdade de crença não comprometa a diversidade e os direitos fundamentais que sustentam uma democracia saudável.

Acima de tudo, é essencial que o país busque fugir dos extremismos e do ódio ao outro que é e pensa diferente, valorizando uma convivência baseada no respeito mútuo e na compreensão das diferenças, elementos indispensáveis para a coesão social e o fortalecimento democrático.

Para que o Brasil alcance uma democracia plena e respeite seu caráter laico, é essencial que o Estado se fortaleça e se torne eficiente na implementação de políticas públicas estruturantes e universais, capazes de atender às necessidades da população de maneira equitativa. Somente um Estado atuante e independente pode superar a dependência histórica das influências religiosas na esfera pública, promovendo direitos e garantias que alcancem a todos, sem discriminação ou preferência.

Ao construir políticas que realmente respondam aos problemas da população — como saúde, educação, segurança, saneamento básico e habitação — o Estado não apenas reafirma sua autonomia, mas também evita que setores religiosos substituam o poder público como principais agentes de apoio social.

Um Estado laico e verdadeiramente democrático é aquele que coloca o bem-estar dos cidadãos em primeiro lugar, garantindo que suas ações estejam orientadas pela ciência, justiça social e pela igualdade de oportunidades, sem deixar sua população à mercê de influências ideológicas que possam limitar o acesso aos direitos fundamentais.

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