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Por SporTV.com — São Paulo

Marcos Guerra
Grande Círculo recebe Renan Dal Zotto

Grande Círculo recebe Renan Dal Zotto

De ídolo da Geração de Prata do vôlei a técnico da seleção brasileira masculina. É longa a trajetória de Renan dal Zotto no vôlei. Uma história de conquistas, drama familiar e polêmicas dentro de quadra e nos bastidores do esporte. O treinador foi o entrevistado de Milton Leite e seus convidados no programa Grande Círculo deste sábado e abriu o jogo sobre diferentes momentos de sua carreira.

Os preparativos para a Olimpíada foram um dos temas principais da conversa. A pouco mais de sete meses para os Jogos, Renan não antecipa nomes para o time, que já está garantido em Tóquio 2020. No entanto, a dupla de ponteiros Lucarelli e Leal pode ser a aposta.

- Lucarelli foi uma surpresa fantástica, porque era o nosso principal finalizador. Ele entendeu a função que deveria ter na seleção brasileira. No começo do ano, Leal e Lucarelli não estavam jogando juntos. Aí o Lucarelli começou a treinar que nem maluco e evoluiu muito no passe. O Leal também evoluiu no passe.

A dupla Leal e Lucarelli foi testada neste ano e pode ser a aposta para Tóquio 2020 — Foto: FIVB

Os dois ponteiros têm como ponto forte o ataque. Para não fragilizar a defesa, Renan optou inicialmente por escalar um ponteiro passador juto com Lucarelli ou Leal. Maurício Borges e Douglas Souza exerceram essa função. Só que a dupla Lucarelli e Leal cresceu no passe e pode até ser titular em Tóquio 2020, aumentando o leque de opções ofensivas. A chegada de Leal, aliás, foi mais um tema do programa.

- O Leal (cubano por nascimento) se naturalizou por serviços prestados. Entrou com um processo na Justiça pedindo a cidadania brasileira por serviços prestados à frente do Cruzeiro. Ele foi muito corajoso. Ele falou: “Renan, não quero folga não, quero vestir essa camisa.” “Então você vai sair da Itália (onde joga) e vai encontrar a gente na Polônia (para a Liga das Nações)”. Ele estava no aeroporto umas seis horas esperando a seleção brasileira, com a camisa já. Teve zero resistência (dos outros jogadores). O que demorou um pouquinho foi para ele se adaptar ao nosso sistema de jogo, porque ele foi criado para ser um finalizador, e na seleção brasileira ele é também um finalizador. Ele precisa cobrir, precisa passar, precisa defender. Isso demorou um pouquinho de tempo.

Confira outros tópicos da entrevista de Renan ao Grande Círculo, que é apresentado por Milton Leite e contou com a participação dos jornalistas Marcos Uchôa, Cida Santos e Luiz Carlos Júnior, dos comentaristas Carlão e Marco Freitas, além da sambista Teresa Cristina.

Renan participou do programa Grande Círculo — Foto: José Carlos Lima

"Uma grande besteira que fiz"

Em quase três anos à frente da seleção brasileira masculina, um episódio marcou Renan. Em uma partida do Mundial, contra a Rússia, o técnico soltou uma bola no meio da quadra durante um ponto do tie-break. Tomou uma suspensão e uma multa da Federação Internacional de Vôlei (FIVB). Ele se arrepende até hoje do momento de nervos à flor da pele e pediu desculpas.

- Tem algumas coisas que a gente se arrepende na vida. Foi uma grande besteira que eu fiz. Fiquei extremamente envergonhado. Meu primeiro grande erro foi ter pego a bola, porque o William errou o saque. A bola veio para mim, e fiquei com ela na mão. E soltei a bola na quina da quadra. Foi ridículo. Na hora o árbitro foi até o boleiro, achou que o boleiro que tinha jogado sem querer a bola. Foi para julgamento. Fui lá, pedi dez mil desculpas. Falei: “O que posso fazer? Estou arrependido. Foi uma coisa que não atrapalhou o jogo.” “Mas você fez, é como se tivesse pego um carro e passado o sinal vermelho”. Falei: “Tudo bem, posso ter pego um carro e passado o sinal vermelho, mas não bati o carro em ninguém, não atropelei ninguém. Não atrapalhou em nada. Mas foi um erro.” Fui julgado. Acabei tomando uma multa bem pesada. Fui eu que paguei, mas daria o dobro para ter tido a sanidade de não fazer isso. Depois um site italiano me escreveu dizendo que conhecia a minha história, mas tem um garoto que é boleiro e que tomou a culpa na hora do jogo. Falei: “Por favor, me localiza esse garoto.” Aí mandei camisa para ele, pedi desculpa. A vida é isso, a gente comete erros e acertos.

Renan Dal Zotto é o atual técnico da seleção brasileira masculina — Foto: Divulgação / FIVB

Bernardinho insubstituível

Renan contou que negou por duas vezes o convite para assumir o cargo de técnico da seleção no lugar de Bernardinho depois da Rio 2016. O terceiro convite, porém, teve o peso do incentivo de José Roberto Guimarães. O tricampeão olímpico convenceu Renan a se tornar o comandante do Brasil, com a difícil missão de substituir Bernardinho.

- Uma das primeiras perguntas durante a coletiva foi esta: “Como é substituir o Bernardo? Como vai fazer?” Falei: “O Bernardo, vamos deixar claro, que ele é insubstituível.” Ninguém vai substituir o Bernardo. Não tem como. O que foi feito é uma história muito bacana, ímpar. A gente vai no máximo tentar dar continuidade a esse processo de crescimento do voleibol. O Brasil estava 13 ou 14 anos como líder do ranking mundial, sem sair sequer uma semana. Hoje a gente fala com muito orgulho: “Estamos há 16 anos”. Isso nos enche de alegria. A gente sabe que não vai conseguir vencer tudo, mas tem que estar sempre lá. Por isso que é o primeiro do ranking. É uma coisa que nos alimenta esse desafio. Você estar ali dentro é uma coisa maior que a gente, de buscar, de executar as coisas da melhor maneira possível.

Viagem ao fundo do mar

As histórias da Geração de Prata, vice-campeã olímpica de Los Angeles 1984, também foram recordadas no Grande Círculo. Renan detalhou a criação do saque viagem, o jeito de sacar que é utilizado até hoje, saltando para passar a bola, como um ataque.

- A gente foi fazer um amistoso na China em 78, e só existiam esses dois tipos de saque: o saque de tênis, por cima, que era o americano, e o japonês, de lado. Na praia, o pessoal dava um saque tirando o pé do chão. Em 78 vi um chinês dando um saque que parecia esse do vôlei de praia, rodando, de gancho, forte. Ele tirava o pé do chão. Olhei aquilo e falei: “Vale? Não tem que estar com os dois pés no chão para sacar? E pode cair na quadra?” A regra não diz nada. Pode. Então vamos começar a fazer de frente. Comecei a brincar no Sogipa, de Porto Alegre. Era só treino. Não me atrevia a dar na seleção de jeito nenhum. Aí em um Campeonato Gaúcho, não lembro se em 79 ou em 80, estava jogando uma final, fui ao saque e pedi ao treinador para dar o saque viagem. Lembro que foram 12 pontos de saque seguidos. Na época a bola vinha a 40 km/h e estava vindo o dobro. Foi um negócio. Eu lembro, muito jovem, sendo carregado no ombro. Maior barato. Comecei a dar na seleção. Imediatamente o William e o Montanaro também. Aí a primeira vez que eu dei em uma competição internacional foi em 82.

Renan, sentado da direita para a esquerda, fez parte da Geração de Prata — Foto: Agência Estado

Problemas internos da Geração de Prata

De desconhecidos, os jogadores da Geração de Prata rapidamente foram alçados ao status de estrelas. O vôlei ganhou reconhecimento nacional, passou a ser televisionado e a lotar ginásios e até mesmo estádios de futebol, como o Maracanã. Uma fama que acabou abalando a relação dos jogadores.

- Esse foi um grande aprendizado. Tivemos problemas internos. Isso acabou vindo a público. Problemas que hoje seriam facilmente contornados por profissionais que estão dentro de um staff técnico. Lá era tudo em cima do Bebeto, que era jovem, tinha 34 anos. Foi um grande aprendizado para a gente aquilo ali. A gente viu que não valia a pena. Muitas coisas novas aconteceram. Patrocínios particulares, durante a competição. Hoje, o atleta, a seleção, é totalmente blindado.

Drama familiar

Renan também abriu o coração para falar sobre um drama familiar que o afastou do vôlei por alguns anos, logo no começo de sua carreira como treinador. Seu filho mais velho, Gianluca, foi diagnosticado ainda criança com leucemia linfoide aguda de alto risco.

- Era meu terceiro ano como treinador, eu estava no Chapecó. Meu filho tinha dois anos. Aí em janeiro de 96, ele apareceu com umas manchinhas roxas. O Gianluca hoje está com 26 anos. Eu fiquei encucado com aquilo, pedi para o médico fazer os exames, aí foi diagnosticado com leucemia. Na época a gente sabia que era uma doença com poucas chances de cura, então para a gente era o fim. Foram quase três anos de um tratamento muito intenso, foram 40 e tantas transfusões de sangue, 25 internações. Por duas vezes o médico chamou a gente e falou: “Vocês sempre souberam que a doença é muito grave. Daqui para frente, pratique a vossa fé”. Foi quando eu parei. Não estava dando para ser treinador. Não dava para conciliar. Foi quando eu falei que deu, que iria cuidar da minha família e morar em Florianópolis. Hoje ele está bem - disse Renan, que depois da alta de Gianluca teve com a esposa Annalisa Blando o segundo filho, Enzo.

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