Quem disse

Samuel de Assis tem recebido elogios pela sensibilidade que dá a Daniel, um arquiteto que perdeu o grande amor de sua vida e se apaixona por Michele (Alanis Guillen), na novela das nove, Mania de Você. Aos 42 anos, o ator conta que passou por um luto recente ao perder seu mentor e amigo, o dramaturgo e ator José Celso Martinez Corrêa, aos 86 anos, devido a complicações causadas após um incêndio no ano passado.

“Tem dias que aperta o luto. Do nada acordo morrendo de saudade dele”, conta ele, que acessou a emoção para construir seu atual personagem.

No Teatro Oficina, criado por Zé Celso, Samuel teve sua primeira grande oportunidade de trabalho na área após se mudar de Aracaju, Sergipe, para São Paulo, 24 anos atrás. Foi o dramaturgo que também lhe ensinou a se valorizar e se impor, algo que ele botou em prática e mudou sua sina.

“Ele dizia que todo o ator tem que se coroar onde quer que esteja. Ninguém coroa ninguém. Quem se coroa é o próprio ator”, relembra.

Samuel explica que ao começar sua trajetória no audiovisual só era convidado para fazer testes para bandidos e donos de morros. Criado em uma família de militares, o artista tinha pouco contato com esse universo do crime mais comum no Rio de Janeiro, e perdeu nove oportunidades de papéis consecutivas por conta disso.

“Na época estava na moda o cinema contar histórias do morro. Então, as pessoas me chamavam para fazer dono do morro, bandido… Eu nunca passava. Fiquei em nove testes entre mim e a outra pessoa. E nas nove vezes a outra pessoa pegou o papel. Entrei em crise! Comecei a me questionar como ator, algo que até então não tinha feito. Pensei pela primeira vez: ‘Será que é isso mesmo?’. Mas passei a fazer um trabalho contrário dentro de mim, eu confiava no meu ator e vi que precisava remodelar o Samuel. Precisava entender o meu lugar”, relembra.

“Entendi que não ia mais fazer teste para bandido… Fiz um teste para 5x Favela. Era para fazer um bandido, mas perguntei quem era o diretor e pedi para falar com ele. Era o Luciano Vidigal. Pedi para ele me chamar para fazer teste para outro personagem porque não iria passar no teste para o bandido porque não tinha estofo para isso. Fiz seis testes para 5x Favela e qual personagem que eu peguei? O policial. Eu sabia o que eu estava fazendo. Era o protagonista. Eu me coroei”, explica.

Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto
Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto

Ele precisou se empoderar novamente quando recebeu o convite para interpretar o seu primeiro protagonista em uma novela, o advogado Benjamin, da novela das sete Vai na Fé. Ele revela que se desesperou ao saber que seria casado com Lumiar, personagem de Carolina Dieckmann, que disputaria o seu amor com a protagonista Sol (Sheron Menezzes). Por conta do reflexo da sociedade racista, ele explica que não se sentia bonito o suficiente para fazer o papel do galã.

“A forma como eu era visto pelo mercado e pela sociedade era para fazer o bandido e não o galã”, diz. “Quando fui chamado para fazer o Ben, entrei em crise. Comecei a chorar de desespero. Liguei para o terapeuta pedindo ajuda. Falei que tinha acabado de passar para o papel de protagonista. Ele se surpreendeu porque era para eu estar feliz. Eu expliquei que era o mocinho da novela, o cara que ia ser disputado pela Carolina Dieckmann e Sheron Menezzes. Falei: ‘Imagina? Casado com a Carolina Dieckmann. Não vou conseguir fazer isso’. Ele respondeu: ‘Vai, sim. Você não chegou até aqui para isso’. Me obriguei a me levar para esse lugar (de aceitação)”, afirma.

Samuel encara cada personagem como uma possibilidade de mudar a realidade de pessoas que com ele, lidam com preconceitos. No seriado Rensga Hits!, que estreia a segunda temporada na TV Globo a partir de 10 de dezembro, ele dá vida a Kevin, um cantor que consegue ajudar seu parceiro amoroso Deivid Cafajeste (Alejandro Claveaux) amar livremente, sem medo de que sua orientação sexual atrapalhasse sua carreira.

“O problema do cara era não conseguir se assumir, mas mesmo sendo assim, a gente combinou que ia fazer o público esquecer que era um casal gay. A gente queria falar sobre liberdade e amor. A cena que mais viralizou é da frase que coloquei da Nina Simone: ‘liberdade é não ter medo’. Meu personagem diz que deseja que o Deivid seja um cara livre, mas que enquanto ele não fosse livre ele não poderia ficar com ele por mais que o amasse. Ele tinha demorado muito para se assumir, não dava para voltar para o armário. Isso viralizou porque estava falando de liberdade. Quem não se identifica com isso? Todo mundo deseja ser livre. Eles viraram o casal da série. Mas a gente precisou se coroar”, analisa Samuel.

Solteiro e reservado no âmbito pessoal, Samuel iniciou o processo para realizar o grande sonho da sua vida com liberdade: o de ser pai. Ele está na fila de adoção como um pai solo. “Esperei relacionamentos acontecerem para virar pai, mas não aconteceu, estou solteiro e vou ficar esperando? Me dei conta que não precisava esperar outra pessoa para realizar um desejo que é meu. Esse é o único sonho que ainda não realizei na vida: o de ser pai.”

Enquanto isso, ele realiza outros projetos. Antes de voltar ao teatro com o espetáculo E vocês, quem são?, o sergipano lança o Carnaval do Samuka. “Sempre fui do Carnaval. Eu me fantasio desde os dois anos de idade. Quando cheguei ao Rio de Janeiro e queria ser homem do Carnaval, vi que a gente estava perdendo um pouco a ancestralidade carnavalesca. Resolvi fazer esse Carnaval. A gente vai falar de quem abriu as portas para quem trouxe esse Carnaval que temos hoje com ensaio fotográfico, fantasias e feijoada. É um projeto que desejo que cresça e vire uma tradição não só no Rio, mas em outros estados. É sobre novamente me coroar como o homem do Carnaval”, adianta.

Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto
Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto

Você tem vindo uma de sequência de trabalhos. O que te fez dar o sim para Daniel?
Tive 20 dias de folga após Vai na Fé porque forcei mesmo já que sabia que ia fazer Mania de Você. Disse sim por vários motivos: por ser uma novela das nove, por eu ser fã do João (João Emanuel Carneiro, autor) e por ser um convite irrecusável. Foi a primeira vez na vida que eu nem fiz teste! Foi também muito louco porque foi a primeira vez que eu disse sim para um personagem que eu sabia praticamente nada. A única coisa que eu sabia é que viúvo e arquiteto do resort onde a novela se passa. Por muito tempo só soube isso do personagem. Então, foi uma surpresa boa. Fiquei muito feliz de contracenar com a Alanis (Alanis Guillen). A gente está construindo uma parceria lindíssima. A gente se dá muito bem e se diverte muito.

O Daniel é um homem que enfrenta um luto, a perda de um grande amor. Como foi a construção deste personagem para acessar uma dor tão específica?
A novela tem mudado muito. Ficou um pouco mais rápido o encantamento do Daniel pela Michele, então diminuiu o tempo de luto dele. A priori, ele entrava na novela e a mulher, que era o grande amor da vida dele, tinha acabado de morrer. Tinha sido a única mulher da vida dele. Eles começaram a se relacionar quando crianças. Então, construí o Daniel como um cara que está bem, apesar dos pesares, mas que tem a dor em ondas. Tem dias que pesa mais… Me inspirei muito no próprio texto do João, na frase do Daniel, que diz “o luto é uma coisa muito louca, ele vem em ondas. O desespero passa rápido, mas a dor da saudade não passa nunca”. Não me lembro de ter vivido um luto tão grande assim por alguém da família, nem de um amor. A última dor de uma perda foi o Zé Celso. Tem dias que aperta o luto. Do nada acordo morrendo de saudade dele.

Você começou no teatro. Qual a importância que o Zé Celso teve na sua carreira?
1000%! Ele moldou o meu ator. Toda a minha escola e inspiração vem do Zé Celso. Quando conheci o Zé, estava fazendo EAD (Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo) e estudando o Teatro Oficina. Estava entrando em cartaz Sertões e fui assistir com a turma. Quando cheguei lá, fiquei paralisado com aquela loucura toda. E ele me tirou da plateia e fiquei metade do espetáculo de mãos dadas com ele para cima e para baixo. No final, ele falou: 'Você é ator? Vem trabalhar aqui que a gente está precisando de gente como você?'. Falei: 'Deixa eu terminar a EAD que eu venho'. E ele: 'Que nada! Teatro não se aprende na escola, se aprende fazendo'. Essa foi a primeira grande lição que ele me deu na vida, das milhões que ele me deu. Exatamente um ano depois, entrei para o Oficina e fiz Sertões.

Como era a relação de vocês?
Tinha acabado de chegar de Aracaju, era um menino ainda, e ele me forjou como ator. Eu era muito cru. Eu me agarrava a todo e qualquer conselho. Mas tive muitas brigas com o Zé no primeiro ano de Sertões e era um máximo. Imagina, eu estava batendo boca com Zé Celso. Isso me empoderava. Ao mesmo tempo, eu ficava pensando: 'Quem sou eu para brigar com esse homem? Que bagagem eu tenho?. Mas eu brigava porque ele me permita esse lugar. Ele dizia que todo o ator tem que se coroar onde quer que esteja. Ninguém coroa ninguém. Quem se coroa é o próprio ator. Levei isso a ferro e fogo. Ele empoderava os atores dele e depois, quando a gente estava se achando o melhor ator do mundo, destruía com 'está horrível'. Fiquei cinco anos lá. O Oficina foi como um rito e todo o rito a gente tem que saber a hora de entrar, como se comportar e a hora de sair. Ele falava que eu nunca mais ia sair de lá e eu dizia que ia porque queria voos muito maiores. Mas só saí em 2007, quando me senti pronto. O Oficina sempre vai ser meu alicerce.

Você em um primeiro momento disse ao Zé Celso que precisava terminar a Escola de Arte Dramática (EAD). Você sentia essa necessidade de se validar enquanto ator antes de começar a atuar mesmo?
Tinha porque quando saí de casa, com 17 para 18 anos, eu falei para o meu pai que estava indo para São Paulo para estudar teatro. No final de 2001, passei na EAD. Na minha cabeça, eu estava validando a relação com o meu pai, provando para ele que era coisa séria, que eu não estava vivendo de 'oba oba'. Eu estava estudando na USP. Então, se eu saísse da EAD, na minha cabeça, eu ia decepcionar o meu pai.

E foi tranquilo falar para o seu pai?
Foi porque eu já estava no Oficina, ganhando o meu dinheiro… Eu já tinha feito os dois anos, que são o técnico. Então, para a minha formação, a EAD já tinha contribuído. O terceiro e quarto ano eram só de montagens e no Oficina eu já estava fazendo isso.

Voltando para a sua infância, como foi a sua criação por esse pai que era coronel da Polícia Militar? Ele era carinhoso, mas era rígido também?
Eu vivi as duas coisas. Ele foi amolecendo com o tempo. Meus pais tiveram a gente bem novos. Sou o terceiro filho do meu pai e o caçula da minha mãe. Quando nasci, meu pai tinha 38 anos. Imagina o desespero. Quando a gente era bem pequeno era muito rígido. Era daquele tipo 'vai se sentar a mesa de meio-dia a meio-dia e quinze. Se não sentou, vai ficar sem almoçar'. A gente tinha hora para tudo e era muito regrado. Eu seguia tudo. Morria de medo do meu pai quando era criança. Ele falava que era isso mesmo, que tinha que ter medo e ter respeito. Ele tinha o cinto preto e o cinto marrom, o Zé Pretinho e o Zé Moreninho, que era o que a gente apanhava. Com o tempo ele foi amolecendo e hoje nem se lembra disso. Mesmo com toda essa rigidez, meu pai foi um excelente palhaço. Tudo o que faço de comédia, aprendi com ele. Ele era engraçadíssimo. Ele sempre teve essa dualidade.

"Morria de medo do meu pai quando era criança. Mesmo com toda essa rigidez, meu pai foi um excelente palhaço. Tudo o que faço de comédia, aprendi com ele"

Como se desenvolveu esse lado artístico?
Foi uma catarse que tive quando fiz uma peça em um grupo de jovens do Centro Espírita que a minha madrasta me levava. Eu tinha 12 anos. Quando acabou a peça, a galera levantou e aplaudiu, comecei a chorar muito. Chamaram meu pai e madrasta. Quiseram saber o que tinha acontecido e eu respondi que estava apenas feliz. Neste dia falei para o meu pai que era isso o que eu queria fazer da vida, teatro. A partir daí, esperei ansiosamente até eu fazer 18 anos para poder ir embora de casa. Na minha época, não tinha teatro em Aracaju. Ele pensou que fosse coisa de criança e com o tempo passaria, mas para a surpresa dele, não passou. Mesmo assim, ele nunca me disse não. Sempre me apoiou. Quando fui para São Paulo, inclusive, ele me ajudou durante muitos anos. Meu pai é meu tudo, meu braço esquerdo e direito.

Essa mudança para São Paulo como foi?
Muito difícil. Eu de Aracaju, em 2000. Nesses 24 anos, Aracaju evoluiu 50. Hoje eu me perco lá. Nem sei como andar por lá. Cresceu absurdamente e está ainda mais linda. Mas eu vinha de lá, era filho de coronel, vivia numa bolha… Se ver sozinho em uma cidade como São Paulo foi muito difícil. Passei de tudo, de fome a desespero de pensar se devia continuar ali. Deixando bem claro que passei fome por orgulho… Se meu pai souber que passei fome, ele me mata (risos). Eu não queria mais pedir dinheiro para ele. Já estava ali há dois anos labutando. Eu não tinha dúvida de que um dia eu ia viver da minha profissão. Eu me desesperei porque não tinha trabalho, dinheiro etc… Mas nunca tive dúvidas. Então, na minha cabeça, todas essas dificuldades eram bagagens, a minha base sendo formada. Acredito que os atores precisam ter base, bagagem de vida. Esse é o nosso material de trabalho.

Quantos anos você demorou para realmente viver da arte?
Cheguei em São Paulo em 2000. Foi muita perna de pau na porta de concessionária, muita animação de festa, teatro infantil nas escolas e periferia… Vivia do teatro, mas bem mal e com a ajuda do meu pai. Consegui começar a viver sem a ajuda dele já quando saí do Oficina. Passei fome quando estava no Oficina. A gente chegou a ter momentos com um grande patrocínio da Petrobras, de ter salário e conseguir pagar bonitinho o aluguel, mas também teve uma época em que a gente fez Sertões sem um real. Um falava: 'Meu pai mandou comida para mim'. Todo mundo ia para a casa dessa pessoa comer. A gente divida comida. Conseguir colocar a cabeça no travesseiro tranquilamente foi só depois disso.

Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto
Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto

E como estava o mercado quando você saiu do Oficina?
Encontrei vários desafios. Quando saí do Oficina, me mudei para o Rio de Janeiro. Estava com burnout. Tive até meningite viral e quase morri. Eu fazia muitas coisas para ganhar dinheiro. Eu sabia que se eu seguisse em São Paulo, o Zé não ia me deixar sair do Oficina. Fui para o Rio e foi aí, pela primeira vez, que comecei a enfrentar as dificuldades do mercado de trabalho. Estava começando do zero novamente em um lugar que ninguém me conhecia. Fui atrás de testes para cinema e televisão. Dei uma grande sorte. Cheguei no Ano Novo e em março fui contratado pela Globo para fazer Ciranda de Pedra. Foi um personagem que não ficou na trama, mas eu tinha o contrato por seis meses e meio. Aquilo segurou a minha onda por um tempo. Na época estava na moda o cinema contar histórias do morro. Então, as pessoas me chamavam para fazer dono do morro, bandido… Eu nunca passava. Fiquei em nove testes entre mim e a outra pessoa. E nas nove vezes a outra pessoa pegou o papel. Entrei em crise! Comecei a me questionar como ator, algo que até então não tinha feito. Pensei pela primeira vez: “Será que é isso mesmo?”. Mas passei a fazer um trabalho contrário, eu confiava no meu ator e vi que precisava remodelar o Samuel. Precisava entender o meu lugar. Eu era um nordestino recém-chegado e muito jovem. Entendi que o meu lugar não era daquele personagem de dono do morro. Eu não tinha o conhecimento para fazer esse cara. Talvez se me chamassem para fazer um policial, seria mais fácil por estar mais próximo da minha realidade. Minha família inteira é militar. Entendi que não ia mais fazer teste para bandido. Eu não tinha estofo para criar aquele personagem, algo que hoje eu tenho. Entendi isso.

O mercado entendeu também?
Não… Continuavam me chamando para fazer dono de morro porque eu era preto e preto só fazia bandido nesta época. Mas quando me chamavam, eu pedi para me darem a oportunidade para outro personagem que não fosse o bandido. Um ano depois, fiz um teste para 5x Favela. Era para fazer um bandido, mas perguntei quem era o diretor e pedi para falar com ele. Era o Luciano Vidigal. Pedi para ele me chamar para fazer teste para outro personagem porque não iria passar no teste para o bandido porque não tinha estofo para aqui. Fiz seis testes para 5x Favela e qual personagem que eu peguei? O policial. Eu sabia o que eu estava fazendo. Era o protagonista. Eu me coroei. Durante o ensaio, fiz teste para o filme do Chico Xavier. Era o meu lugar, eu era espírita ainda na época… Rezei e falei 'Chico, dá uma ajuda aí que eu quero fazer esse filme'. E peguei esse personagem, que era um cara normal, não era um bandido. Ele era o sobrinho que traía o Chico. Fiz os dois filmes simultaneamente, mas o primeiro teste foi o do Chico. Mudou a minha vida. Estava eu e Ângelo Antônio, além do Daniel Filho dirigindo.

E daí veio o streaming com 3%, Cidade Invisível e Lov3… Você fez um caminho inverso, se tornou grande primeiro no streaming antes de ir para TV. Por que resolveu se abrir a mais trabalhos na TV enquanto os atores das telinhas fazem o caminho inverso?
Queria outro público, ter a oportunidade de fazer de outra forma a minha profissão. Tinha muito claro que eu queria passar por todas as áreas. Quando entrei para o streaming em 2017, tinha 15 anos de carreira no teatro. Amei e comecei a fazer uma série atrás da outra. Teve um momento em que fui o único ator no Brasil a estar no ar em todos os streamings simultaneamente. Estava com série na Netflix, Amazon, no Space, HBO… Quando me vi neste lugar pensei: “Agora quero um novo desafio”. Faltava fazer novela. Eu queria viver essa experiência com um personagem fixo e como protagonista. Queria essa rotina de gravar todo dia. E veio com tudo (risos).

"Não existia a possibilidade para eu acreditar que eu era uma homem bonito. O racismo me treinou para acreditar nisso"

Assim como o protagonista de Vai na Fé, veio ali o rótulo de galã. Recentemente você falou que não conseguia se enxergar bonito. Como assim?
Quando levei milhões de “nãos” no cinema nacional, era porque a forma como eu era visto pelo mercado e pela sociedade era para fazer o bandido e não o galã. Então, era um reflexo de como eu estava vendo a forma como a sociedade me via. Eles me viam como bandido e só. Eu pensei: “Eu não tenho a energia desse bandido e não sou bonito… Então não vou ser chamado para fazer nada”. Na minha cabeça passou isso. Até hoje é meio isso. A sociedade racista que a gente vive fala isso para a gente o tempo todo. Por exemplo, em Mania de Você, temos duas protagonistas, uma branca e uma preta. As duas eram para ser dúbias, quando você não sabe se é boazinha ou má. O público aceita a branca, mas não aceita a preta. O público não dá a oportunidade de gente preta ser dúbia. Gente preta tem que ser bandido ou mocinho. A gente preto no Brasil não tem a possibilidade de errar. Então, o racismo me treinou para acreditar nisso. Não existia a possibilidade para eu acreditar que eu era um homem bonito.

Quando você mudou essa visão?
Após entrar para o Candomblé. Eu me senti pertencente e vi uma possibilidade de lugar ao sol. Quando fiz o meu santo, um dos aprendizados que tive foi esse, 'você precisa aceitar o seu lugar'. Eu sabia no fundo que o meu lugar era esse de um homem bonito, sim! Mas eu tinha sido treinado para achar que eu não tinha esse direito. Minha feitura me ensinou que eu precisava me coroar neste lugar também. Passei a fazer uns caras mais bonitos no streaming e veio a possibilidade de fazer o teste para o protagonista de Vai na Fé. Eu passei, mas mesmo assim, entrei em crise quando chegou o resultado. Comecei a chorar de desespero. Liguei para o terapeuta pedindo ajuda. Falei que tinha acabado de passar para o papel de protagonista. Ele se surpreendeu porque era para eu estar feliz. Eu expliquei que era o mocinho da novela, o cara que ia ser disputado pela Carolina Dieckmann e Sheron Menezzes. Falei: 'Imagina? Casado com a Carolina Dieckmann. Não vou conseguir fazer isso'. Ele respondeu: 'Vai, sim. Você não chegou até aqui para isso'. Me obriguei a me levar para esse lugar. Quando entrou o público, ele me certifica de que eu estava no caminho certo. Precisei do aval do público.

Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto
Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto

Daí veio apelido de Brigadeirão...
Sim. Graças a Deus. Tem gente que me incomoda de ser chamado assim. Quem em sã consciência vai se sentir incomodado de ser chamado de Brigadeirão no Brasil? (risos).

"Sou um homem machista em desconstrução. Somos machistas, racistas… No fundo, no fundo, ainda somos todos, mas a nossa geração é a da desconstrução"

Você está com 42 anos. A criação da sua geração foi bem diferente da que temos como ideal hoje em dia. Muitas coisas não são hoje aceitáveis mais na sociedade, como alguns gestos e hábitos machistas. Como se deu a sua desconstrução como homem para chegar a este lugar deste ser atual e sensível?
Uma série de fatores. Não tem como culpar os nossos pais por isso porque eles tiveram essa educação também. Quando meus pais se separaram, eu tinha dois anos, fui morar com o meu pai, mas tinha em paralelo a isso uma criação por várias mulheres. Eu tinha a minha mãe, madrasta, minhas duas irmãs, minha madrinha, que foi uma figura muito presente, outra madrinha posteriormente, tias, primas… Minha vida sempre foi rodeada por muitas mulheres. Uma família vizinha, que chamo até hoje de painho e mainha, também era matriarcal. Fui um cara instruído por mulheres e isso faz uma diferença gigantesca. Além disso, a arte me ajudou. Trabalhar a sensibilidade aflora a nossa sensibilidade para a vida. A terceira coisa foi a religião. Apesar do candomblé ser extremamente patriarcal, a minha mãe de santo é uma mulher. O quarto e último fator, que não é menos importante que os demais, é a terapia. Sempre fiz muita terapia e privilegiei mulheres. Não tinha como não abrir a cabeça e fugir deste lugar do esquerdo-macho. Digo tudo isso enfatizando que ainda sou um homem machista em desconstrução. Somos machistas, racistas… No fundo, no fundo, ainda somos todos, mas somos em desconstrução. Talvez nossos filhos possam dizer com certeza, “não sou machista” ou “não sou racista”. Mas a nossa geração é a da desconstrução.

Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto
Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto

Além da novela, tem a série Rensga Hits com a nova temporada. É um personagem que viveu na primeira temporada uma relação com um homem que ainda tinha medo de se assumir e prejudicar sua carreira. Você, como um homem poliamoroso, enfrentou esse medo também?
Não lembro de ter falado que sou poliamor, não! Não acredite muito nisso. Quando estou em um relacionamento sou bem monogâmico. O que digo sempre é: O que interessa para a sociedade com quem eu me deito na cama? Por que interessa quem estou comendo ou não? Não é da conta de ninguém. A gente tem milhões de coisas para falar e discutir. Tem tanta coisa mais interessante para falar. Não é que eu não goste de me definir, eu simplesmente não aceito falar sobre isso. Ponto e acabou. As pessoas falam em entrevistas: 'Você não se define porque é um cara livre…'. Respondo: 'O que é um cara livre? Em que momento falei isso? Não precisa jogar indireta. Quer saber se sou hétero ou viado? Quem estou comendo? Você não vai saber porque não te interessa'. E não é por ser grosseiro é porque não interessa. Imagina se chego aqui e pergunto quem você está pegando?

"O que interessa para a sociedade com quem eu me deito na cama? Não é da conta de ninguém"

Não estou pegando ninguém, não (risos). Mas qual a sensação de poder contar essa história do Kevid (Kevin Costa e Deivid Cafajeste) com liberdade? Por anos na dramaturgia os casais gays não podiam nem se beijar. Agora vemos uma torcida por esse casal…
Quando a Renata Corrêa (autora) me fez esse convite para fazer esse personagem, a primeira coisa que eu quis saber era quem ia fazer o Deivid. Eu disse que só podia aceitar se eu soubesse quem era. Não dava para fazer esse tipo de personagem com alguém que eu não tinha nenhum tipo de intimidade. Daí ela falou que surgiu a possibilidade de ser o Alejandro. Eu falei, 'a oportunidade, não, é o Alejandro. Vou ligar para ele agora e ele vai aceitar para a gente fazer isso juntos'. A gente já era amigo há 15 anos quando fomos gravar Rensga. A gente praticamente ajudou a fechar o elenco. Nós dois aceitamos, convencemos a Alice (Alice Wegmann, protagonista) e a Deborah (Deborah Secco). Mas a primeira preocupação que a gente tinha era falar de amor. O problema do cara era não conseguir se assumir, mas mesmo sendo assim, a gente combinou que ia fazer o público esquecer que era um casal gay. Queríamos falar sobre liberdade e amor. A cena que mais viralizou é da frase que coloquei da Nina Simone, 'liberdade é não ter medo'. Meu personagem diz que deseja que o Deivid seja um cara livre, mas que enquanto ele não fosse livre ele não poderia ficar com ele por mais que ele o amasse porque não poderia voltar na vida… Ele tinha demorado muito para se assumir. Não dava para voltar para o armário. Isso viralizou porque estava falando de liberdade. Quem não se identifica com isso? Todo mundo deseja ser livre. Eles viraram o casal da série. Mas a gente precisou se coroar.

E em Vai na Fé?
Quando criei um casal com a Sheron, era a primeira vez na TV brasileira que se tinha o casal preto como protagonista sem um casal branco para validar. Sempre que tinha um casal preto, tinha um casal branco do lado. Em Vai na Fé só tinha um casal protagonista e era preto. Foi a primeira vez na TV brasileira. Quando aceitei fazer a novela, fiz um acordo: 'Se existir alguma possibilidade do Ben não terminar com a Sol, não me interessa fazer'. Eu não queria de novo repetir a trama do homem preto que larga a mulher preta para ficar com a branca. A Rosane (Rosane Svartman, autora) e o Paulinho (Paulo Silvestrini, diretor) falaram 'A gente não consegue dar essa garantia porque é uma obra aberta'. Respondi: É uma obra aberta, a gente pode mudar milhões de coisas, mas isso a gente não precisa mudar. Ele tem que terminar a novela com ela'. Comprei briga com gente grande, mas precisava falar aquilo porque só isso ia fazer o público se ver e se identificar. E rolou…

Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto
Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto

Existe uma preocupação em contar histórias por um ângulo diferente…
Dizem que eu sempre tenho cunho políticos nos meus personagens. Claro! Não preciso ser gay para defender a causa. Botar um casal preto como protagonista é fazer política. Eu estar vivo aos 42 anos é um ato político. Não é todo homem preto que chega aos 42 anos, assim como não é todo trans… São pouquíssimos! A gente, o preto, o gay, o trans, é uma ameaça para a sociedade, que mata a gente. Então, eu aos 42 anos estar vivo neste país como um homem bem-sucedido é um ato político.

"Não preciso ser gay para defender a causa. Botar um casal preto como protagonista é fazer política. Eu estar vivo aos 42 anos é um ato político"

E um homem que quer ser pai. Você entrou no processo de adoção. Quando surgiu esse desejo pela paternidade em uma sociedade em que os homens não são criados para ter esses sonhos?
Os homens da minha geração foram criados para não falar sobre seus desejos e sentimentos. É uma sociedade que pensa que a mulher foi criada para parir e para amar. Como fui criado por um clã feminino, sempre fui esse cara de falar dos meus sentimentos. Tenho o sonho de ser pai desde a adolescência. Tenho seis afilhados e ajudo a criar todos eles. Se eu estiver em uma festa e uma criança me der bola, vou passar a festa dando atenção para ela. Sempre fui paternal. Claro que esperei relacionamentos acontecerem para virar pai, mas não aconteceu, estou solteiro e vou ficar esperando? Me dei conta que não precisava esperar outra pessoa para realizar um desejo que é meu. Esse é o único sonho que ainda não realizei na vida: o de ser pai.

Mas está em processo para realizá-lo…
É um caminho muito complexo e árduo, mas se Deus quiser, será em breve.

No gancho do seu espetáculo E vocês, quem são?, te pergunto: e você, quem é?
Sou esse cara em desconstrução, em tratamento das minhas emoções e sentimentos. Também sou um sonhador que labuta esse lugar de viver bem da sua arte e de luta pelos seus de forma política neste mundo para toda a minha classe artística, meus irmãos pretos e de santo.

Você retoma esse espetáculo quando?
Parei neste ano por causa da novela. Vou esperar a novela acabar no final de março e volto em turnê. É um espetáculo que pretendo fazer a vida toda.

Antes disso tem o Carnaval do Samuka. O que você pode contar deste projeto?
Resolvi fazer esse projeto porque sempre fui um homem do Carnaval. Eu me fantasio desde os dois anos de idade. Quando cheguei ao Rio de Janeiro e queria ser homem do Carnaval, assim como fui em Salvador, onde fui criado, e em São Paulo, durante os anos que vivi ali, vi que a gente estava perdendo um pouco a ancestralidade carnavalesca. A gente tem o Carnaval da Sabrina, da Paolla, da Dede (Deborah Secco), mas é sempre mulher, a maioria branca… Cadê os homens pretos? Resolvi fazer esse Carnaval. Já que sou destaque da Beija-Flor, criei esse Carnaval defendendo o homem neste lugar, cultuando a ancestralidade do Carnaval, criado por nossa gente preta. O tema será a Folia dos Orixás para casar com o tem da Beija-Flor, Laíla de Todos os Santos, Laíla de Todos os Sambas. A gente vai falar de quem abriu as portas para quem trouxe esse Carnaval que temos hoje com ensaio fotográfico, fantasias e feijoada. É um projeto que desejo que cresça e vire uma tradição não só no Rio, mas em outros estados. É sobre novamente me coroar como o homem do Carnaval.

Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto
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Samuel de Assis — Foto: Pablo Grotto
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