Valentina Herszage não para. Aos 26 anos, a atriz vem emendando uma série de trabalhos, entre TV, teatro e cinema -- sua grande paixão. Agora, por exemplo, em meio à divulgação intensa do filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que estreou dia 7 de novembro, ela se prepara para lançar As Polacas, longa de João Jardim, e para rodar mais um longa no próximo ano.
Converso com a artista no dia em que o filme de Salles chega aos cinemas brasileiros, com alta expectativa do público, uma série de prêmios internacionais e sendo o candidato do Brasil ao Oscar 2025. Nele, ela vive Vera Paiva, filha de Eunice e Rubens Paiva (Fernanda Torres e Selton Mello), e uma das personagens essenciais para retratar o contexto das famílias perseguidas pela ditadura militar.
A trama é uma adaptação do livro de memórias de Marcelo Rubens Paiva e narra a história de Eunice, mãe do escritor, que se reinventa como advogada e uma das maiores ativistas dos Direitos Humanos do Brasil após a morte do marido, torturado e assassinado pelo regime. Primogênita do casal e vítima de várias batidas policiais, Verinha é mandada para Londres, como tanto exilados políticos.
Já no As Polacas, que chega aos cinemas em 12 de dezembro, Valentina dá vida à uma imigrante do Leste Europeu, que chega ao Brasil no início do século 20, fugindo da guerra. Sem recursos, ela é explorada em uma rede prostituição que abrangia várias cidades. Ainda no começo deste ano, ela protagonizou O Mensageiro, da diretora Lúcia Murat, que também tem a ditadura militar como tema. Herszage interpreta uma jovem militante que é presa e torturada.
A sequência de dramas intensos condiz com os desejos da artista para a própria carreira, que é usar a arte para levantar debates sobre questões importantes. Apaixonada por cinema, ela vê na sétima arte uma forma lúdica de trazer à tona as feridas do nosso País.
É com essa mesma consciência e intenção, de usar a arte para dizer algo a mais, que ela tem se tornado um ícone fashion da nova geração de atores. Ao lançar o filme de Walter Salles no Festival de Veneza, por exemplo, escolheu um look sob medida do Alexandre Herchcovitch -- pois não tinha como não usar um designer brasileiro para estrear um filme que fala de Brasil.
Na conversa a seguir, ela reflete sobre as escolhas que tem feito para a carreira, conta bastidores inesquecíveis de Ainda Estou Aqui, fala de moda e também sobre como tem levado a vida entre tantos trabalhos. Fica também o alerta de spoiler, inevitáveis quando a atriz se aprofunda nos momentos mais marcantes dos longas divulgados este ano.
Como tem sido sua vida nessa maratona de divulgação do Ainda Estou Aqui?
Tem sido tudo muito emocionante, porque foi um filme, realmente, muito especial de fazer. O fato de a gente contar uma história real, de uma família incrível que acompanhou a gente no processo todo, mexe com a gente muito mais do que o normal. E eu amo divulgar filme! Acho que é uma das partes mais gostosas, poder colher esses frutos. Fernanda [Torres] e Selton [Mello] estão tão viajando o mundo para divulgar o longa, mas, poder lançar no Brasil é a melhor sensação de todas.
Inclusive, como foi sua experiência no Festival de Veneza?
Foi maravilhoso. Poder levar o cinema brasileiro para fora é bem bom. Estive no Festival de Veneza em 2015, com o filme Mate-me Por Favor da Anita Rocha da Silveira, eu tinha 17 anos; então, poder voltar agora, com 26, já com uma outra cabeça, sendo outra Valentina, já tendo passado por muitas coisas, foi o máximo. Na primeira vez era meu primeiro trabalho, então também foi uma emoção muito pessoal estar ali novamente e com o Walter [Salles] que, para mim, sempre foi um ídolo.
Qual reação você espera das pessoas depois que elas saírem da sala do cinema?
Tenho visto a torcida das pessoas muito antes de assistirem o filme. Acho que o brasileiro, nesse sentido, é o melhor torcedor que tem, para qualquer tipo de coisa, seja cinema, futebol, TV... Mas, espero que as pessoas de fato saiam emocionadas, como elas já estão -- e tenho certeza que sairão, porque é um filme muito bonito, muito respeitoso. Ele não te obriga a nada, simplesmente se apresenta e você vai se conectar com a história no momento em que bater para você. Eu sou suspeita, mas, no final, não tem um que reste sem ser emocionar!
Você falou da admiração que tem pelo Walter. Como foi a experiência de filmar com ele e com tantos monstros do audiovisual?
O Walter é realmente um ser humano muito generoso, muito educado e ele tem o poder de fazer cada um que está naquele filme se sentir especial e isso é algo que me chamou muita atenção na direção dele. Ainda Estou Aqui tem muitas participações e atores conhecidos ou não, que às vezes têm uma cena pequena, e eu vi a maneira que ele recebia essas participações no set, dando à cada um a importância desse filme. Ele faz isso de um jeito muito lindo. Com Walter não tem essa de escolher a batalha, ele vai escolher todas. Foi uma experiência muito admirável.
E com Fernanda Torres e Selton Mello?
A Fernanda... Eu sou totalmente viciada na Fernanda! Já tinha feito a série Fim, então tive esse primeiro contato com ela e já fiquei apaixonada. Agora fazendo a filha dela a convivência foi outra, muito intensa, e ela é uma pessoa muito acessível e muito que nem a gente. Ela pode ficar falando da coisa mais intelectual do mundo ou da coisa mais bagaceira de todas, ela compra tudo -- e eu acho isso incrível. O Selton e os filmes dele também são uma referência para todos e ele é um lorde, uma pessoa muito amorosa. Realmente só tenho elogios, de verdade.
Tem algum momento marcante e que você sempre lembra do set?
Nossa, tem alguns! Eu e Fernanda somos os duas crocheteiras e a gente ficava, entre cenas, fazendo crochê e fofocando, como duas senhoras. [Fazer crochê] é uma maneira muito legal de se manter na concentração da personagem, sem a distração do celular. Uma coisa muito interessante desse processo, e muito inesquecível, foi que a gente fez as preparações com a Amanda Gabriel dentro da casa do filme. A casa é uma personagem, você se conecta a ela de uma maneira muito incrível e muito peculiar, até parece que todos nós já estivemos ali. Como as preparações foram lá, a gente de fato criou uma intimidade com aquele ambiente e acho que isso vai me marcar para sempre.
Durante todo esse processo, teve algum momento em que você soube que esse filme 'aconteceria'?
Desde do início. Desde o primeiro momento em que fui convidada para o elenco, ao momento em que fui com o Walter conhecer a casa. Assim que começamos as filmagens, fomos para Londres gravar as imagens da Veroca -- aquelas cenas em 8mm foram filmadas em Londres mesmo, não fizemos em estúdio -- e aquilo ali para mim já foi tão incrível. Esse é o nível de comprometimento que o Walter tem com a verdade. Quando descobri que as Fernandas fariam a Eunice, também... Tudo me indicou desde o início que seria um grande filme. Até por ser um grande livro, né? Eu já tinha lido o Ainda Estou Aqui e acho que é um dos melhores livros que a gente tem.
A produção do cinema nacional, ainda bem, é imensa, mas poucos filmes conseguem furar a bolha internacional. Por que você acha que esse conseguiu?
É um conjunto de coisas. O Walter é um diretor que é muito bem posicionado internacionalmente, já dirigiu um filme norte-americano; é um elenco muito cativante, com pessoas muito queridas pelo público; é baseado num livro que marcou muito e também tem o fato de ser um filme histórico -- estamos falando da ditadura militar, muitas coisas se refletem no Brasil de hoje.
Outro filme recente seu, O Mensageiro, também fala sobre a ditadura. Por que é tão importante para você contar essas histórias?
De verdade, acredito num cinema que converse com a gente e que possa falar sobre política, sobre educação e sobre história. Sinto a minha geração muito descolada da história do Brasil, das coisas que aconteceram. Realmente o Brasil não é um país para iniciantes. Acredito na lógica de ter que olhar para trás para poder pensar um País melhor e mais diversos, com liberdade de expressão e que aceite a cultura incrível que a gente tem. Então, fazer esses filmes é uma maneira lúdica de atingir qualquer pessoa, de qualquer lugar e de qualquer geração.
Em todos os filmes que falamos até aqui, você faz personagens intensas e com panos de fundo muito intensos e dramáticos, como a ditadura militar e uma guerra. Como é sua preparação para isso e também para não cair na repetição entre personagens?
Cada preparação é muito específica, pessoal e preciosa. Gosto muito de fazer um trabalho de pesquisa de referência de imagem -- tenho uma sala aqui na minha casa que tem uma parede branca e eu vou fazendo murais -- gosto também de uma coisa quase sinestésica e às vezes nem tão explicado, de alguma música, alguma imagem, um livro, alguma expressão... No caso d'As Polacas, que se passa no início do século 20, tem toda uma outra maneira de agir, de falar, os conceitos eram outros, as visões eram outras, então acho que é a melhor maneira, como qualquer trabalho, é estudar a fundo aquilo que a gente vai fazer. É assim que eu faço.
“Eu sou muito boa em não fazer nada. Gosto do momento do ócio”
Você tem alguma algum rotina de despressurização após tanta intensidade no set?
Olha, acho que pela minha profissão eu tenho muita dificuldade de ter uma rotina, mas a cada fim de trabalho tento estabelecer uma rotina -- até que surge algo que de repente eu tenho que estar lá de segunda a sábado, 11 horas por dia, e eu jogo tudo para cima (risos). Eu sou muito boa também em não fazer nada. Quando não tenho nada para fazer, eu me jogo no sofá, faço um crochê, faço uma tapeçaria ou qualquer outra coisa que me tire da cabeça -- porque, quando estou atuando, estou tempo inteiro na cabeça (tem que decorar o texto, tem que estudar cena, assistir a cena...) Gosto do momento do ócio.
Mas, imediatamente depois de uma sequência mais pesada, quando chega em casa, consegue se desconectar daquilo?
Acho que eu ainda estou aprendendo, porque eu realmente levo. Durante As Polacas, a gente teve várias sequências de agressão, de estupro e de abuso e eu sou muito comprometida, vivo aquele projeto 100%, então ainda é um mistério para mim como me desapegar desse lado. Mas, acredito que é voltando para as coisas que eu gosto de fazer e me acalmam de alguma maneira, que me desconectam. Assistir a outros filmes e ir ao teatro também ajuda. Qualquer coisa que puxe minha atenção para outros tipos de beleza.
Entre o que viu recentemente, o que recomenda?
Assisti ao filme Manas, da Mariana Brennand, no Festival do Rio, e fui completamente arrebatada. Não sei se já entrou em circuito, mas sei que eles estão indo para vários festivais. Espero que as pessoas possam ir ao cinema assisti-lo, porque é belíssimo.
E seus trabalhos? Você gosta de se reassitir?
Gosto! A cada vez que os vejo é uma sensação diferente. Ainda Estou Aqui, por exemplo, já assisti quatro vezes e estou doida para assistir de novo, porque a cada vez que assisto, alguma coisa que às vezes eu não tinha percebido me atravessa. Como a minha personagem também fica um bom tempo fora, existe um filme novo ali para mim, também. Claro, eu li o roteiro e tudo mais, mas assistir ao que eles fizeram enquanto eu estava fora também é muito emocionante. Esse filme é uma joia, acho que todo mundo vai querer assistir de novo.
Ele não é um filme que tem altos e baixos ou cenas programadas para causar emoção. O longa é muito sutil em tudo. Para você como espectadora, qual a parte que mais te emociona?
Olha, eu acho que por já saber da história -- como eu acho que muita gente vai ao cinema já tendo lido o livro ou pelo menos pesquisado a história dessa família e desse pai --, o momento em que eu desabo é no último olhar do Selton antes de entrar no carro, porque acho que uma coisa que ele faz e que eu acho genial é que no momento em que ele está sendo levado, ele não deixa claro se acha que vai voltar, então ele está super tranquilo porque ele vai só dar um depoimento, ou se ele já está se despedindo. Nossa, fico arrepiada só de pensar que ele deixa essa possibilidade para a gente. Eu sei o que vai acontecer, então ali eu já fui embora. Em algum lugar aquele cara sabe que aquilo ali e o que farão com ele é grave ou talvez é um cara que não tinha a mínima noção de que não voltaria para o jantar. Ele não entrega exatamente o que está sentindo e eu adoro isso no cinema, sou fã do mistério. Essa dúvida no sentimento é o torna o ator tão interessante; acho até um pouco arrogante quando o ator define demais o que o personagem sente, porque na vida, na maioria das vezes a gente não sabe definir bem o que a gente sente.
Voltando à divulgação dos filmes. Como é que você prepara o seu guarda-roupa para tantos tapetes vermelhos?
Até um tempo atrás, eu sempre fui com meu armário e com o armário da minha mãe (que eu acho superestilosa), mas agora para essa maratona sigo uma parceria com a [stylist] Rita Lazzarotti, que acho uma mulher fenomenal. A gente troca muito sobre qual é o meu estilo, o que desejo e também a imagem que quero passar, de acordo com o projeto que estou divulgando. Temos um dresscode para o Ainda Estou Aqui: discreto e elegante. Para Veneza, por exemplo, mandei muitas referências de atrizes francesas que são referência para mim e ela foi trazendo outras ideias, com um toque de modernidade, a partir do que vou falando. Fui com uma roupa sob medida do Alexandre Herchcovitch, pois é um filme que fala sobre o Brasil e um momento cultural explosivo por aqui, então um designer brasileiro.
"Poder ser eu mesma num tapete vermelho é muito gostoso e gratificante"
Qual é sua relação com a moda?
Minha mãe foi por muitos anos professora de moda de uma universidade aqui no Rio de Janeiro, então eu tenho essa referência dentro de casa e sempre apreciei muito o figurino nos filmes. Enquanto atriz, vivo muito em função de guarda-roupas, cabelos, que não são meus e aí poder ser eu mesma num tapete vermelho é muito gostoso e muito gratificante, também. Uso a moda como ferramenta de uma maneira natural. Tenho construído uma trajetória no cinema, principalmente num cinema político/histórico, então penso em como me colocar nesses lançamentos de uma maneira que seja melhor para essa história, para esse filme, para essa divulgação. Acho uma mistura também muito deliciosa de fazer. Estou amando ver os looks da Fernanda Torres pelo mundo! A maneira muito chique e discreta, mas também não, de colocar a marca dela ali.
Ainda Estou Aqui e O Mensageiro se passam durante o regime militar. As Polacas num contexto de guerra. Em comum, os três mostram consequências devastadoras de tempos ultraconservadores. Estando tão imersa nessas histórias, como você enxerga a onda de conservadorismo que vivemos agora?
Uma arma muito poderosa contra isso tudo é a cultura. Contar essas histórias é principalmente dar nome, sobrenome e rosto às vítimas, o cinema tem esse poder. Afinal, os culpados nunca foram julgados, né? Através dos filmes conseguimos dizer, de uma forma lúdica, que isso não é aceitável.
Você falou em entrevistas anteriores que seu bisavô foi preso durante a ditadura. Como sua família recebeu esses filmes, tendo vivido tudo isso na pele?
Meu bisavô foi preso em 1964, ele era almirante da Marinha e foi contra o golpe. Minha avó vai assistir o Ainda Estou Aqui no próximo sábado [a entrevista foi feita numa quinta-feira] e eu estou pensando em ir com ela, porque acho que vai ser muito muito forte. Ela já me descreveu uma cena muito parecida com o filme: ela estava em casa com a irmã dela, os militares entraram e levaram o pai dela. Ele foi preso em Niterói, o filme acontece no Rio.
Assim como a família Paiva, a família dela foi pega totalmente desavisada. Olha que legal para minha avó poder assistir a uma história que dá nome ao que ela viveu. Meu bisavô foi solto depois, mas é uma captura psicológica dessa coisa. Minha família é muito cinéfila, meus pais assistiam a todo tipo de filme e quando eu cresci, eles viam um filme por dia, sem exceção, então tudo isso é muito feliz para todos nós.
Não tem como não perguntar do Oscar! Como estão suas expectativas para isso?
É uma torcida grande, principalmente para ver o nosso cinema, que é tão rico, lá fora, poder celebrar nossa cultura lá fora. Mas acho que é o que a Fernanda tem dito em entrevistas: realmente o nosso Oscar é ter feito esse filme. Hoje eu acordei super emocionada de pensar 'caramba, eu faço parte de um momento histórico do Brasil' e ver as pessoas torcendo, animadas, querendo assistir... Essa torcida pelo Oscar, ela existe, não vou mentir, mas nossa torcida é na verdade para que esse filme perdure, que as pessoas se identifiquem.
"É uma torcida grande, principalmente para ver o nosso cinema, que é tão rico, lá fora"
Se acontecer, já pensa no seu look?
Nossa, imagina? (risos) Nem sei se eu iria, né? Não entendo nada, não sei quantas pessoas vão, como é que vai ser, mas certamente seria um momento muito incrível a escolha esse look, acho que a gente se divertiria horrores, com certeza!