Isabel Teixeira, de 50 anos, está emendando sua quarta novela na Globo e, atualmente, interpreta Violeta em Volta por Cima, novela que ocupa a faixa das 19h. A TV entrou "tarde" no seu currículo, em 2019, quando fez uma participação em Amor de Mãe, mas, ao que tudo indica, essa relação tem tudo para se tornar longa. Com papéis de destaque em Pantanal e Elas por Elas, a atriz vive pela primeira vez a experiência de atuar em uma trama totalmente aberta, ou seja, que pode mudar conforme as reações do público.
“Pantanal foi uma obra fechada. Amor de Mãe, eu fiz uma participação, não tinha noção do todo e nem da máquina. Elas por Elas foi uma obra semi-aberta, então até o capítulo 100, a gente fez um remake. Agora, é a minha formatura, porque [Volta por Cima] é uma obra totalmente aberta. Estou amando”, declara Isabel em entrevista exclusiva. A TV pode ser uma novidade, mas o teatro já é um amor antigo e, agora, além de gravar no Rio de Janeiro, a atriz pode ser vista em cartaz em São Paulo, no teatro Tucarena, com o espetáculo Jandira - Em Busca do Bonde Perdido.
A peça tem como ponto de partida as memórias Jandira Martini, atriz que também se dividiu entre o teatro e a TV e morreu em janeiro deste ano. A direção é de Marcos Caruso, que trabalhou com Isabel em Elas por Elas e a inspirou a conciliar os palcos com a tela. “São meus dois amores, então fica leve o ir e vir. Estou fazendo isso desde julho e me sinto energizada, não me sinto cansada”, conta a atriz, que ganhou destaque na televisão após o sucesso de Maria Bruaca em Pantanal. A personagem se popularizou e ganhou um olhar mais atento do público no remake.
“O mundo de 1990 é muito diferente do de 2022. O mundo está revendo palavras, você tem que ficar atento no que você fala, não tem? E isso é maravilhoso, porque isso faz com que a gente tenha um estado de atenção e de reconstrução de sinapses”, destaca Isabel. “No Brasil, a gente ainda tem Marias Bruacas que precisam se libertar de um casamento opressor. A gente aprendeu a nomear abuso moral e abuso patrimonial", completa.
Em meio ao auge de sua personagem, a artista revelou em uma entrevista dada em 2022 que fez dois abortos e teve seus filhos, Diego e Flora, quando quis se tornar mãe. Isabel conta que não imaginava a repercussão que sua declaração ia ter e chegou à conclusão de que faltou ela ressaltar que vem de outra geração. “A minha ignorância foi sobre desconhecer que isso é um tabu. Eu não sabia, juro. A minha mãe não me explicou que era um tabu, eu fui descobrir depois.”
Filha de Alexandra Corrêa e do cantor Renato Teixeira, Isabel contou que sua mãe sempre foi uma mulher à frente do seu tempo e que precisou se desdobrar para criá-la: “Minha mãe me criou sozinha. Ela errou muito, mas às claras: ‘Estou errando, e agora? O que a gente faz?’. Antes da vida sexual começar, eu já era hiperinformada. Sou de uma geração que tem a aids como um diagnóstico mortal. Minha mãe tinha muito medo e muita responsabilidade sobre mim”.
A relação com o pai foi distante fisicamente, mas com a tecnologia eles encontraram uma forma de se aproximar. “Eu ia para casa dele raramente. E aí constitui-se outra família. Nesse sentido, rola um distanciamento provocado por um sistema da sociedade. E meu pai ainda morava longe, viajava muito, então eu convivi muito pouco, nunca morei com ele. Mas a gente fez uma ponte”, explica Isabel, que falava frequentemente com Renato por telefone. Hoje, eles passam horas em chamadas de vídeo. “A gente adora conversar e o lance dele é a palavra, eu sou filha de poeta, tenho a palavra dele no meu ouvido.”
Você está em cartaz em São Paulo e gravando uma novela no Rio. Como é conciliar isso?
Com a ponte aérea e com um exercício psicológico! (Risos) Eu penso que o Rio é um bairro de São Paulo e São Paulo é um bairro do Rio. Então, para eu ir trabalhar, demora um pouco para eu chegar lá, mas nada diferente do trabalhador brasileiro, porque tem gente que demora três horas para chegar ao trabalho. Eu demoro quatro. É um bate-volta. Fico de segunda a quinta no Rio e de sexta a domingo em São Paulo. Já me acostumei com isso, mas foi um exercício de disciplina. Fico imaginando se eu fosse uma comissária de bordo, eu viajaria mais do que isso. Fico brincando comigo mesma para conseguir fazer isso de forma mais leve, e dá certo.
Geralmente, as gravações de novelas são de segunda a sábado. Como você tem muita proximidade com o teatro, é algo que você conversa antes de aceitar um projeto?
Foi um acordo. Como eu tinha acabado de fazer uma [novela], eu achava que conseguiria ficar um pouco em São Paulo e fazer meus projetos de teatro, que na época eram três. Quando veio o convite, na primeira mensagem que me mandaram com algumas linhas sobre a personagem, eu falei 'eu vou fazer'. E aí a gente combinou para eu conciliar essas duas coisas e, para mim, está sendo muito bom exercer a minha vida teatral ao mesmo tempo que eu faço TV. São meus dois amores, então fica leve o ir e vir. Estou fazendo isso desde julho e me sinto energizada, não me sinto cansada. Claro que tenho uma vida hiperdisciplinada e gravo muito na Globo de segunda a quinta.
"Está sendo muito bom exercer a minha vida teatral ao mesmo tempo que eu faço TV. São meus dois amores, então fica leve o ir e vir"
Nessa peça, você traz à tona as memórias da Jandira, que foi uma pessoa muito dedicada ao teatro. Em que ponto você se identifica com isso e como essa peça soma em tudo isso que você está vivendo?
Soma em tudo que eu estou vivendo agora porque a Jandira também foi uma operária do teatro. Ela era uma escritora, dramaturga, diretora e atriz. Fazia teatro e televisão ao mesmo tempo. Inclusive, o Caruso durante o Elas por Elas, que a gente fez junto, todo fim de semana vinha para São Paulo fazer peça. Fui olhando que ele nunca estava cansado, ele estava sempre feliz, porque é revigorante estar com nossos dois amores ao mesmo tempo. Eu mantenho o contato com essa multidisciplinaridade da Jandira. Eu escrevo, eu dirijo, eu faço teatro, eu faço televisão, temos isso em comum. A peça é sobre um ponto específico da memória da Jandira, que abre para memória geral da vida inteira dela, só que não é uma um diário autobiográfico, é uma construção dramatúrgica, porque a Jandira tinha total noção do que é uma escrita para teatro. Ela era uma mestra no que ela fazia.
E como foi ser dirigida pelo Caruso, que era um grande amigo da Jandira?
Eu fui dirigida por muitas pessoas e eu adoro a relação da atriz com com a direção. Todos os diretores que passaram pela minha vida me transformaram de alguma maneira, mas o Caruso é um auge para mim de um encontro com um diretor, de verdade. Tudo que eu faço aqui [no teatro] é um desenho composto por nós dois, algo proposto por ele e que eu fui realizando e colocando a alma. Isso também é uma escrita. O Caruso tem total noção de composição, ritmo e dos ingredientes para fazer isso aqui e é aí que eu que eu me realizo. A gente está trabalhando com coisas que a gente tem instrumentalização para fazer. Ele acompanha a peça diariamente. Ele está em Lisboa, mas me liga antes e depois. Ele está muito perto de mim. Faço essa peça sozinha, mas eu nunca estive tão bem acompanhada, pelo texto e por ele.
Na TV, você conseguiu se aproximar do público com a Maria Bruaca. Você imaginava que seria esse sucesso todo e que as pessoas iam se identificar tanto com essa personagem?
Não. Eu sabia que era uma personagem incrível, porque Pantanal é uma obra fechada, então eu sabia a curva dramatúrgica da personagem. Eu assisti a novela quando ela passou e, quando eu recebi o convite, eu assisti novamente. O trabalho da Ângela Leal, que fez a primeira Maria Bruaca, é impressionante. Era o final da pandemia [quando reassisti], estava em casa ainda. Lembro de sentar no chão da cozinha e chorar por causa dela, porque na época que eu assisti à Pantanal eu não me lembrava muito da Maria Bruaca, porque o mundo era outro e a novela veio como uma grande novidade. Era outro tempo. Inclusive, eu nunca tinha visto o Pantanal, eu só conhecia o Pantanal da novela, porque ele era um grande personagem da novela. E tinha uma coisa daqueles banhos de rio, do corpo da mulher em evidência, algo que o Papinha nem trouxe pro Pantanal novo, mas era tudo muito transgressor. E a minha personagem foi exatamente escrita do mesmo jeito, foram poucas as modificações.
"O trabalho da Ângela Leal, que fez a primeira Maria Bruaca, é impressionante. Lembro de sentar no chão da cozinha e chorar por causa dela"
Então você sabia o que aconteceria com a Maria Bruaca, diferente da Ângela, já que a primeira versão foi uma obra aberta, certo?
O Benedito [Ruy Barbosa] escreveu vendo, parece que ele entregava os capítulos super em cima da hora, então a Ângela escreveu essa personagem também. Depois, eu fiquei sabendo de algumas coisas. A relação dela com o Alcides não estava na sinopse, foi aparecendo pelo jeito que o Ângelo Antônio e ela começaram a fazer aquelas cenas e Benedito foi tendo a ideia, então ela também escreve a personagem. Eu fiz várias homenagens pra ela e a Ângela percebia. Eu fiz a Maria Bruaca sempre com um copinho. Eu me inspirei numa bisavó minha que passava o dia inteiro com um copinho com água e limão falando que era pra saúde dela. Meu pai morava com ela. Quando ele tinha uns 14 anos, foi jogar futebol na praia e, quando voltou, foi na geladeira e pegou o “suco de limão” da vó Paula. Ele virou o copo e desmaiou, porque era pinga (risos). Coloquei isso na Maria Bruaca, porque a da Ângela fumava escondido. Ela que inventou isso. Eu sou ex-fumante e super adepta ao antitabagismo e aí eu fiz a pinguinha.
Você citou que a personagem não mudou, então por que acha que ela teve tanto destaque nesta atual versão?
Foi o mundo que mudou. O mundo de 1990 é muito diferente do de 2022. O mundo está revendo palavras, você tem que ficar atento no que você fala, não tem? E isso é maravilhoso, porque isso faz com que a gente tenha um estado de atenção e de reconstrução de sinapses. A gente já aprendeu que quando a gente erra, a gente tem que falar: 'Opa, errei'. E não esconder embaixo do tapete teu erro, porque a gente está mudando enquanto sociedade. Acho que o mundo mudou e, para mim, foi revelador, porque aprendi com a obra que o mundo estava em transformação. No Brasil, a gente ainda tem Marias Bruacas que precisam se libertar de um casamento opressor. A gente aprendeu a nomear abuso moral — que não deixa marca, mas marca a alma —, abuso patrimonial — tem um momento da novela que se fala disso —, além da poesia do reencontro consigo mesma. A salvação da Maria Bruaca estava nela mesma.
Você comentou que é preciso ficar atento ao que se fala hoje em dia, mas você não tem receio de se posicionar. Em uma entrevista, por exemplo, você contou que já fez dois abortos. Quando falou sobre o assunto, você teve medo de como poderia repercutir?
Não, porque eu não tinha essa consciência. Vamos trocar a palavra 'medo' por 'atenção'. A gente tem que ficar atento ao que a gente fala e ao contexto que a gente está falando, porque hoje você pode pegar uma frase que eu falei e colocar num outro contexto e eu tenho que estar esperta também. Olha quanto requer da nossa inteligência o estar presente. Eu não tinha noção nenhuma da repulsa que isso poderia causar. Hoje, dou essa resposta de outra maneira. Quando eu dei essa entrevista, eu não sabia o alcance que ela teria. Eu não desdigo ela, eu reafirmo ela. A resposta que eu fui tendo disso me fez ver e não reagir. Somos um país onde, nesse assunto, há vários pontos de vista. Eu fiquei a fim de ouvir os pontos de vista. Tem o religioso, tem o que quer que o aborto seja legalizado, tem vários. Gostaria que o nosso país fosse uma grande mesa de diálogo e não de discussão, onde a gente falasse sobre isso e onde a gente também, conjuntamente, visse um ponto limite, que a gente não poderia ultrapassar, chamado crime. A gente não pode aceitar uma menina que foi estuprada e ficou grávida seja obrigada a ter este filho. Isso é um crime. Dei um ponto de vista meu que, agora, eu percebo que tinha uma ignorância e a ignorância tem cura e essa cura é o diálogo.
Quando você fala em ignorância, é sobre não imaginar como sua declaração ia repercutir?
Da proporção e de que eu deveria ter contextualizado de uma outra maneira e não soltado desse jeito, porque tem pessoa que fica ferida. E como dizer isso pra todo mundo sem tirar o meu ponto de vista? Acredito que tenha que ter um diálogo e uma educação sobre isso. Eu sou de uma geração X e isso tem que estar contextualizado. A minha ignorância foi sobre a proporção que isso teria e sobre desconhecer que isso é um tabu. Eu não sabia, juro. A minha mãe não me explicou que era um tabu, eu fui descobrir depois que é um tabu, além de ser proibido.
Na sua casa então, isso nunca foi um tabu?
Não, nunca foi. Minha mãe me criou sozinha. Ela errou muito, mas às claras. ‘Estou errando, e agora? O que a gente faz?’ Antes da vida sexual começar, eu já era hiperinformada. Sou de uma geração que tem a aids como um diagnóstico mortal. Minha mãe tinha muito medo e muita responsabilidade sobre mim. Eu tive informação e a ignorância é de agora, porque não sabia que era tabu. Minha mãe falava abertamente sobre isso e muitas outras coisas comigo, inclusive. Minha formação foi muito liberta nesse sentido. [Minha mãe era] uma mulher da década de 70 muito corajosa. A gente está em evolução. Na época, em que não existia lei de guarda compartilhada, por exemplo, e existia aquela coisa do “ela é divorciada”. Ser divorciada era uma coisa que não caia bem. E minha mãe é de uma geração que batalhou. Para a gente alugar casa, quando eu tinha sete ou oito anos, era um terror, porque ela era desquitada, sabe? Não tinha fiador.
E o seu contato com o seu pai nesse tempo?
Foi distante. Eu ia para casa dele raramente. E aí constitui-se outra família. Nesse sentido, rola um distanciamento provocado por um sistema da sociedade. E meu pai ainda morava longe, viajava muito, então eu convivi muito pouco, nunca morei com ele. Mas a gente fez uma ponte. A gente falou durante anos por telefone e numa época que o telefone era um bem, as pessoas deixavam no testamento (risos). Falar com meu pai no telefone era um evento e a gente falava muito. Depois, a tecnologia foi evoluindo e a gente nunca deixou de se falar. A gente fez essa ponte e essa ponte foi tecnologicamente evoluindo. Hoje, a gente se fala por vídeo. Na pandemia, meu pai passava o dia comigo só na conversa. A gente adora conversar e o lance dele é a palavra, eu sou filha de poeta, tenho a palavra dele no meu ouvido. Ele fez uma música para mim que chama Uva e Vinho, Trigo e Pão. Ele fala que somos dois canoeiros e que essa canoa ninguém afunda e acho que a gente fez isso o que ele falou na música.
"Eu convivi muito pouco com o meu pai (o cantor Renato Teixeira), mas a gente fez uma ponte. Sou filha de poeta, tenho a palavra dele no meu ouvido"
Nos últimos anos você tem emendado trabalhos muito diferentes. Da Maria Bruaca, você foi fazer uma vilã em Elas por Elas e, agora, está em Volta por Cima. O que a Violeta traz de novo para sua carreira?
Tem uma coisa que eu fico pirando. Pantanal foi uma obra fechada. Amor de Mãe, eu fiz uma participação, eu não tinha noção do todo e nem da máquina. Eu comecei a sacar que a máquina era legal pelo olho da Adriana Esteves, que ama o que faz. Elas por Elas foi uma obra semi-aberta, então assim até o capítulo 100, a gente fez um remake. Tive um híbrido entre a obra aberta e fechada. Agora, é a minha formatura, porque é uma obra totalmente aberta. Estou amando. Na obra aberta, o caminho se faz quando você dá o passo, ele não existe diante de antemão. Quando a novela vai pro ar, tudo pode mudar. O barato, para mim, está sendo essa construção. Isso faz com que eu abra vários vetores para essa personagem, existe a contraventora, a fora da lei, a criminosa, a mulher oprimida em um sistema fechado cheio de hierarquias, a apaixonada pelo Osmar, olha quanta camada, e muita coisa ainda vai acontecer. A contravenção do Jogo do Bicho é muito complexa no Rio de Janeiro, Vale o Escrito [série do Globoplay] está aí pra gente aprender.