Valentina Herszage é a protagonista de O Mensageiro, novo filme da diretora Lúcia Murat e que aborda um dos momentos mais sombrios da história brasileira: a ditadura militar. A atriz de 26 anos interpreta uma jovem militante presa e torturada, e a trama foca também em um dos soldados que convivem com ela. “A minha geração é muito descolada deste período, mas meu bisavô foi preso em 1964 e minha avó ia visitá-lo na solitária com o filho bebê no colo”, conta.
Convidada para O Mensageiro, Valentina sofreu porque a princípio não conseguiria conciliar as filmagens com outro trabalho, mas confiou e seguiu o conselho de Andréa Beltrão. “Ela disse ‘fica tranquila, se o personagem for para ser seu, ele vai voltar’. Achei meio clichê, mas me deu uma acalmada”, lembra.
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Quando tudo se encaixou e Valentina chegou ao set, estava preparada para Vera. Viu Torre das Donzelas, o documentário de Susanna Lira com depoimentos de várias mulheres presas e torturadas na ditadura, entre elas a ex-presidente Dilma Rousseff. Também assistiu Fico te Devendo uma Carta sobre o Brasil, de Carol Benjamin, sobre três gerações da mesma família afetadas pelo regime militar.
“Meu bisavô era contra-almirante da Marinha e em, 1964, foi preso, ficou em Niterói [no estado do Rio]. Ouvi muito sobre como os militares invadiram a casa de minha avó para levar meu bisavô. Então esse lado da ditadura é algo que já tinha escutado pela via familiar”, pontua.
Vera passa praticamente todo o filme em uma cela. Seu contato com o mundo exterior é por Armando (Shi Menegat), um soldado que procura os pais da moça, vividos por Floriano Peixoto e Georgette Fadel, para dar a eles notícias da filha. Paralelamente, o rapaz começa a questionar se as Forças Armadas são seu lugar. O longa também aborda temas como machismo e o conservadorismo.
“Armando e Vera não sabem muito um do outro, a relação dos dois se dá muito no silêncio. Mas há uma empatia, uma conexão. Foi muito corajoso da Lúcia mostrar o lado deste soldado, é muito ousado escrever do ponto de vista dele”, diz Valentina.
Lúcia Murat
A diretora Lúcia Murat participou do movimento estudantil e da luta armada; passou três anos encarcerada e foi torturada. Décadas mais tarde, deu seu depoimento à Comissão da Verdade, que investigou as violações aos direitos humanos na ditadura. A fala foi reproduzida em O Mensageiro, em uma cena em que Vera conta em um tribunal militar tudo por que passou na cadeia.
“Lúcia é muito aberta e uma pessoa muito fácil de conversar. Demorei a entender que essa história que a Vera tinha acontecido com ela, porque Lúcia não se põe como vítima, ela fala de forma muito livre sobre o assunto”, lembra. “Conversamos muito sobre como eram os avisos de pessoas desaparecidas, como as coisas aconteciam e isso me ajudou", explica. “Eu, Valentina, jamais poderia passar pelo que ela passou. Era uma época em que os militantes tinham uma ‘junção’ naquilo que eles acreditavam que eu acho que hoje a gente não segura com tanta força”, avalia.
No set, a atriz apreciou o modo de Lúcia conduzir as filmagens. “Ela é uma diretora extremamente sincera, não faz rodeios, e eu como atriz acho isso extremamente prático”, pontua. “Ao mesmo tempo, é extremamente generosa, que troca muito”, afirma ela, que assume que se sentia angustiada em alguns momentos. "É um personagem muito forte. Foi pesado, eu não ia para casa tranquila", conta.
Cria do cinema
Valentina começou a atuar ainda criança, no curta-metragem Direita é a Mão que Você Escreve, e é sempre lembrada por Mate-me, Por Favor, Fez Homem-Onça e Raquel 1:1. Na televisão esteve em Hebe, Quanto Mais Vida Melhor e Elas por Elas. A atriz comemora a retomada do audiovisual nacional, mas acredita que ainda há muito a fazer.
“A gente veio de um governo que negava inclusive a pandemia, um governo que eu acredito tinha um projeto de emburrecer as pessoas”, frisa. “Pensando no audiovisual, muita coisa caminhou com a troca de governo, mas ainda tem lentidão, é preciso mais incentivos, mais políticas públicas. Já está mais fácil, por exemplo, no sentido de lançar filmes”, avalia.
A experiência nos sets de cinema fez nascer em Valentina o desejo de dirigir. “Comecei a escrever e quero produzir coisas minhas também”, adianta ela, que faz aulas de roteiro. Enquanto sua hora atrás das câmeras não chega, tem dois longas que chegam em breve aos cinemas.
O primeiro é As Polacas, de João Jardim, baseado na história de jovens imigrantes do Leste Europeu, em sua maioria judias, que no começo do século 20 chegaram ao Brasil fugindo da guerra na Europa. Sem recursos e, muitas vezes, sem família, elas eram exploradas em uma rede prostituição que abrangia várias cidades.
“É um filme bem pesado. Minha personagem é mãe de um menino pequeno, vem para cá atrás do marido, mas quando chega no país ele não está mais vivo”, conta. As Polacas estreia dia 14 de novembro, e o elenco tem ainda Caco Ciocler, que faz um cafetão, Erom Cordeiro e Ana Kutner.
Valentina estará com o segundo no Festival de Cinema de Veneza, que acontece entre os dias 28 de agosto e 7 de setembro. A cidade italiana verá a estreia de Ainda Estou Aqui, filme de Walter Salles estrelado por Fernanda Torres que concorre ao Leão de Ouro, prêmio mais importante do evento – a produção original do Globoplay será exibida ainda no Festival de Toronto, também em setembro.
O longa baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva que conta história verídica de sua mãe, Eunice Paiva (Fernanda). Mãe de cinco filhos, ela era casada com Rubens Paiva (Selton Mello), deputado cassado e exilado na ditadura militar, e que em 1971 foi preso, torturado e morto. Eunice passou então a lutar para que a verdade viesse à tona – Fernanda Montenegro faz a personagem na velhice quando a batalha é contra o Alzheimer.
Valentina vive Vera Paiva, filha de Eunice. “O Marcelo frequentou o set, os filhos da Veroca também, e o próprio Walter conviveu com a família”, diz. “É um momento especial, a volta dele à direção depois de 12 anos", afirma Valentina. Ainda Estou Aqui tem no elenco Marjorie Estiano, Dan Stulbach e Humberto Carrão, e estreia prevista para janeiro de 2025.;