Alcançar o status de unicórnio – quando uma empresa atinge valor de mercado de US$ 1 bilhão –, sempre foi conhecido como uma das maiores conquistas para uma startup. A mudança na maré dos investimentos de capital de risco, no entanto, parece ter alterado as prioridades no ecossistema de inovação. O crescimento a qualquer custo deu lugar à expansão sustentável. Por isso, a tendência atual é comemorar a chegada ao breakeven. Mas o que é o ponto de equilíbrio, celebrado nos últimos meses, por empresas como Raízs, Omie, Loft, CloudWalk e Conta Simples?
“Em 2021, quando o capital estava ‘de graça’, ninguém queria estar em breakeven. O desejo era ter capital para investir e crescer. É algo situacional: quando o capital está caro e escasso, o breakeven traz tranquilidade. Em 2023 e agora em 2024, ele simboliza que uma startup não precisa depender dos rumores do mercado”, pontua Vitor Asseituno, cofundador e presidente da healthtech Sami, que está em busca do marco.
Uma empresa chega ao breakeven quando equilibra os valores de custos e de receitas, saindo do negativo. Por causa da natureza escalável e inovadora dos produtos e serviços oferecidos pelas startups, é comum que elas queimem muito caixa no início da operação. Não se trata de dinheiro jogado fora ou má gestão financeira, mas de investimento em crescimento e aquisição de clientes. É natural que seja um período em que as despesas e os custos são maiores que a receita.
Com a queda no volume de dinheiro investido em startups nos últimos anos – quase 57% a menos em 2023, segundo a plataforma de dados Distrito – as empresas têm precisado avaliar o planejamento e cortar custos para parar em pé com as próprias pernas e não ser tão dependentes do capital dos investidores. Os anúncios de chegada ao ponto de equilíbrio ou dos planos para atingi-lo são consequência de movimentos de reestruturação das empresas, simbolizado nos últimos anos pelas ondas de demissões em massa.
“Não é fácil nem simples. Muitas vezes, para chegar ao breakeven, é preciso cortar o time. O mercado interpreta de forma errada, mas é algo necessário para diminuir a taxa de queima de caixa até levantar uma próxima rodada ou crescer de forma orgânica em ritmo menos acelerado”, comenta Cassio Spina, fundador da Anjos do Brasil e sócio da boutique Alya Ventures.
Enquanto em um negócio tradicional, depois do equilíbrio, vêm o lucro e o reinvestimento na própria operação se necessário, nas empresas de base tecnológica, a flutuação é comum. Atinge-se o equilíbrio em um momento como o atual e, quando a conjuntura melhora e os aportes voltam a ser frequentes, volta-se a investir — e a queimar caixa — com mais força.
A Raízs, foodtech de entrega de cestas de alimentos orgânicos, já havia atingido o breakeven com seis meses de operação em 2017, mas adotou a estratégia de crescer três vezes ao ano, o que demandava investimento pesado em pessoas, produto e marketing. Assim, deixou o equilíbrio. Em dezembro de 2022, o plano mudou. “Entendemos que o caminho era apontar pro breakeven porque o mercado mostrava que o acesso a capital seria mais difícil e por não acreditar na fábula do equilíbrio tardio e fácil”, destaca Tomás Abrahão, CEO e fundador da startup.
A reestruturação contou com redução de equipe, ajustes nos custos de mídia, diminuição dos custos de aquisição de cliente (CAC), foco na retenção dos usuários e infraestrutura de tecnologia mais enxuta. O ponto de equilíbrio chegou cinco meses depois. Desde então, a receita cresceu 35%.
Abrahão acredita que o breakeven é uma vantagem competitiva. “Não jogamos mais contra o tempo como a concorrência. Provamos que conseguimos gerar caixa dentro da nossa estrutura, que não funcionamos com capital dos outros. Assim, abrimos portas para outros players para contratos e parcerias”, opina.
Livia Brando, sócia da gestora VOX Capital, afirma que os investidores valorizam a capacidade de recalcular a rota dos fundadores e seus times. “Não queremos empresas que atingem o breakeven e andam de lado. Existem momentos em que é importante operar abaixo do radar, mas condições melhores existem para desengavetar projetos. O empreendedor precisa ter a capacidade de gerir e mudar a estratégia da empresa de acordo com a necessidade.”
Se no papel parece simples, na prática pode ser mais difícil. Quando a Sami captou uma rodada Série B de R$ 90 milhões em junho de 2023, Asseituno declarou que o cheque foi levantado para complementar o caixa e chegar ao ponto de equilíbrio até 2024, o que não aconteceu. Em 2022, a startup demitiu 15% dos funcionários, cerca de 75 pessoas. De acordo com o cofundador, a healthtech já reduziu o gasto mensal em torno de 55%.
“Em uma escala de 1 a 10, estamos na metade do caminho. Evoluímos bastante nesse tema”, diz. Asseituno pontua, porém, que caso a startup faça uma nova captação para investimento em expansão, o equilíbrio pode voltar a ficar mais longe. Operando no setor de planos de saúde para empresas e microempreendedores, a Sami atende mais de 20 mil vidas.
Brando acrescenta que 2024 deve, como o ano anterior, ser desafiador para captações, com startups de todos os estágios lidando com menos apetite dos investidores. Desenhar um plano factível para o breakeven é indicado para atrair o capital. “Não existe uma receita de bolo, uma hora certa para o ponto de equilíbrio. Cabe a decisão estratégica e uma análise muito específica de cada startup”, finaliza.