Para alguns empreendedores negros, não bastou apenas começar um negócio. Eles optaram por fortalecer também todo o ecossistema de empreendedorismo do segmento em que escolheram atuar, trabalhando em soluções para que outros profissionais pretos também possam ascender.
A motivação desses gestores está justificada nos números. De acordo com um levantamento do Sebrae divulgado nesta segunda-feira (20), Dia da Consciência Negra, os empreendedores negros correspondem a 52% dos donos de negócios no país — algo equivalente a 15,2 milhões de pessoas. No entanto, mesmo sendo maioria, eles são os que têm o menor volume de faturamento (77,6% deles recebem até dois salários-mínimos por mês) e o menor nível de escolaridade (45,1% têm somente até o ensino fundamental).
Os dados, que foram mapeados com base na PNAD do terceiro trimestre de 2023, reforçam como os desafios de empreender ainda são grandes para pretos e pardos, que também enfrentam problemas com empregabilidade. No Brasil, em 2022, 49,7% dos negros com negócios em estágios iniciais começaram a empreender por necessidade, de acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), também do Sebrae. Por causa dessas circunstâncias, esse público ainda é carente de produtos e serviços específicos para seus negócios, e isso acaba atraindo o foco de gestores negros para sua própria comunidade, explica Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME).
"A somatória de pretos e pardos, que compõem a população negra, é majoritária no nosso país. Se você não olhar para essa população como economicamente ativa, com uma série de possibilidades e oportunidades, isso se torna não estratégico", avalia a gestora. "A população negra tem inúmeras necessidades, algumas delas muito específicas, e com isso podem surgir inúmeras oportunidades de negócio", acrescenta.
Além do aspecto comercial, o movimento que tem promovido a oferta de soluções de empreendedores negros para empreendedores negros ocorre como um ato estratégico de solidariedade e empoderamento, diz Adriana Barbosa, CEO da PretaHub e fundadora da Feira Preta. De acordo com a especialista, as ações têm o objetivo de criar um ciclo de sucesso entre os afroempreendedores.
"Essa escolha representa o reconhecimento da nossa luta compartilhada", afirma Barbosa. "Escolhemos apoiar outros negócios da nossa comunidade por diversas razões relacionadas às complexidades que vivemos e buscamos promover o empoderamento econômico interno, criando uma rede de suporte financeiro para superar barreiras históricas."
Assim como os negócios fundados pelas duas gestoras, outros empreendimentos criados por pessoas negras no Brasil já têm mirado a necessidade de sanar lacunas relacionadas às dores específicas de profissionais pretos e pardos, e atuado em prol do fortalecimento da comunidade de diversas formas e em variados segmentos. Confira cinco deles:
Conta Black
A fintech Conta Black foi fundada em novembro de 2017 por Sérgio All e Fernanda Ribeiro, com a proposta de ser um hub de serviços financeiros e de consumo, alocado em uma conta digital para o público que ainda não tem facilidade de acesso a serviços bancários. A conta digital disponibiliza ferramentas para transferências, pagamentos de boleto e microcrédito, entre outros.
O negócio teve início com capital próprio, tendo recebido investimento-anjo recentemente, e nasceu após Sérgio All ter passado por dificuldades para acessar crédito para compra de equipamentos necessários para seu empreendimento. Desde a criação do banco digital, os serviços idealizados e ofertados pela Conta Black já beneficiaram 5 mil profissionais, segundo dados da fintech.
Livraria Africanidades
A Livraria Africanidades foi idealizada há 10 anos pela empreendedora Ketty Valencio. Oriunda do interior de São Paulo, a gestora é formada em Biblioteconomia e na infância não teve acesso a livros infantis que valorizassem a população negra. Mesmo com o passar do tempo, na graduação, percebeu que ainda era predominante a ausência de histórias não brancas na Literatura.
Assim, com o propósito de dar visibilidade a produções literárias e escritores negros, ela iniciou seu empreendimento no formato de e-commerce. Em 2017, a livraria ganhou um espaço físico na capital paulista, onde, além das vendas dos livros, ocorrem rodas de conversas, oficinas e encontros. O acervo tem 210 títulos escritos por autores negros, o que representa 95% de todos os livros à venda.
Inventivos
Com o propósito de ser uma plataforma de formação e conexão entre empreendedores, a Inventivos foi criada pelos empresários Monique Evelle e Lucas Santana, em agosto de 2020, durante a pandemia de Covid-19. O negócio atua com B2C e B2B, e é gerido por uma equipe majoritariamente negra, ofertando cursos, mentorias e, mais recentemente, aportes financeiros para negócios em estágio inicial.
De acordo com a startup, os afroempreendedores fazem parte de 75% do público atendido e, desde a criação da Inventivos, 200 mil pessoas já foram impactadas pelos serviços ofertados. No segundo semestre deste ano, a empresa destinou R$ 3 milhões para negócios focados em ESG e em Creator Economy, com foco nas regiões Norte e Nordeste e em empreendimentos liderados por grupos sub-representados no ecossistema de startups.
EmpregueAfro
Criada em 2004, a EmpregueAfro é uma consultoria de Recursos Humanos focada em diversidade racial. O negócio foi idealizado por Patrícia Santos, com base em sua própria experiência profissional no setor, diante da falta de profissionais negros nas companhias em que trabalhava até então. Com uma equipe predominantemente negra, a EmpregueAfro atua com diversos serviços de gestão de pessoas, como treinamento para as empresas em temáticas raciais, recrutamento e seleção de profissionais negros e programas de mentoria e desenvolvimento destes profissionais após a contratação.
Em média, a empresa intermedeia 300 vagas por ano e já impactou mais de 10 mil profissionais com treinamento. Outros 12 mil estão inscritos no banco de talentos da consultoria, segundo dados da EmpregueAfro.
AfroSaúde
Idealizada em Salvador (BA), no ano de 2019, a startup AfroSaúde foi fundada pelos empreendedores Arthur Lima e Igor Léo Rocha para proporcionar aos pacientes o atendimento por profissionais de saúde negros, que geralmente são invisibilizados na área. A plataforma possui quase 7 mil usuários e cerca de 1,8 mil profissionais, que em alguns casos, conseguem receber remuneração de até R$ 2,5 mil.
Segundo dados da empresa, dentre as consultas já realizadas, 90% foram na área de saúde mental (psicologia e psiquiatria), seguidas de atendimentos em nutrição, odontologia e outras áreas da medicina como ginecologia e clínica geral, que também são oferecidas pela startup. Além dos clientes pessoa física, a AfroSaúde também oferece serviços para o mercado corporativo, com programas voltados para a saúde mental de colaboradores, além de consultorias em saúde e diversidade.