• Rennan A. Julio
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A dificuldade de uma amiga para encontrar um dentista negro após ser vítima de discriminação foi suficiente para o cirurgião-dentista Arthur Lima ter sede de mudanças. Ao conversar sobre o assunto com o jornalista Igor Leo Rocha, Lima descobriu que o grande amigo também havia passado por uma dificuldade similar. No caso de Rocha, ele não conseguiu encontrar um dermatologista negro para realizar um tratamento de pele.

Arthur Lima e Igor Leo Rocha, fundadores da AfroSaúde (Foto: Divulgação/Marianna Calmon)

Arthur Lima e Igor Leo Rocha, fundadores da AfroSaúde (Foto: Divulgação/Marianna Calmon)

Foi quando os dois tiveram a ideia de unir a expertise no mercado de saúde de Lima à experiência em comunicação corporativa focada em empreendedorismo de Rocha. No começo de 2019, tiraram do papel a primeira versão da AfroSaúde, startup que tinha como propósito criar uma espécie de banco de dados de profissionais negros de saúde da Bahia. “Percebemos que poderíamos transformar essa dor em uma solução. Afinal, essas semelhanças contribuem para um tratamento mais assertivo”, diz o cirurgião-dentista a PEGN.

Para executar o plano, eles foram atrás de capacitação. No Sebrae, após participar do evento Sebrae Like a Boss, a startup ganhou mais visibilidade, e alguns mentores ajudaram os empreendedores a desenhar os próximos passos. Um deles, o de validação, foi providencial para o negócio, conta Lima. Nesse processo, os fundadores rodaram uma pesquisa com formulários em redes sociais para entender se a empresa era viável.

“Notamos que havia muitas pessoas passando por situações de discriminação como as de Igor e da minha amiga”, diz o fundador. Com os dados, eles também descobriram que a proposta se estendia a novos horizontes: mais classes de profissionais, como nutricionistas e psicólogos, e outras regiões. “O potencial ia além de Salvador”, afirma Lima. Ao mesmo tempo, perceberam que a startup poderia ajudar os profissionais de saúde a encontrar mais clientes. “Um match que trabalhava tanto a questão da discriminação como a geração de renda.”

Ainda em 2019, a startup foi selecionada pelo programa de aceleração Qintess Ignite Startups, realizado em parceria com a Vale do Dendê, um hub de inovação e diversidade com foco em negócios sediados no Nordeste do país. Lima conta que a experiência neste processo deu a oportunidade de desenvolver mais habilidades em questões como finanças, marketing e modelo de negócio.

Ao final, porém, os dois esbarraram na barreira do acesso ao capital. “Para o empreendedor negro, o investimento ainda é um desafio”, diz Lima. A chegada da pandemia colocou um novo obstáculo à startup, mas não à vontade de empreender de Lima e Rocha, que optaram por pausar brevemente a solução em desenvolvimento pela AfroSaúde e correr paralelamente com uma solução voltada de enfrentamento à crise do coronavírus.

Criaram uma central telefônica de orientação contra a covid-19 focada em pessoas negras, que viviam na periferia de Salvador. “Arrecadamos dinheiro para oferecer alguma acessibilidade para esse público.”

Passado o momento mais difícil de 2020, a AfroSaúde voltou a buscar parceiros para o desenvolvimento da sua solução principal. Em janeiro de 2021, foi selecionada pelo Google para receber um investimento do fundo Black Founders Fund. “Conseguimos um aporte que está sendo usado desde março para a melhoria do produto.”

Plataforma completa

Nesta semana, a startup lança oficialmente uma nova versão da plataforma, agora com mais funcionalidades. Além de ser um banco de pessoas negras que atuam na área da saúde, a startup oferece aos profissionais a possibilidade de organizar o seu negócio. “É um consultório digital”, afirma Lima. Por meio da plataforma, é possível agendar consultas, receber pagamentos e até mesmo realizar teleconsultas --solução buscada principalmente por psicólogos.

“O que a gente faz é utilizar a tecnologia para impulsionar a diversidade na saúde. Quando ela existe do lado de quem cuida, mais pessoas aderem aos tratamentos, se sentem mais representadas e mais confortáveis. Isso resulta em melhoria de qualidade de saúde, principalmente na população negra”, diz Lima. A nova versão tem 200 profissionais cadastrados, e outros 700 estão prontos para concluir seu ingresso. A AfroSaúde é gratuita, mas cobra uma taxa sobre cada consulta realizada (quem define o valor do atendimento é o profissional).

Atualmente, as sessões de psicoterapia são a maior demanda. “A questão da saúde na terapia afrocentrada tem um papel de identificação muito importante, porque atende a microagressões raciais e diferentes questões que pessoas negras passam em suas vidas.”

Na nova fase, a meta é chegar a até 3.000 consultas por mês, além de aumentar a tecnologia embarcada dentro da plataforma, como inteligência artificial para o desenvolvimento de processos. No médio prazo, Lima acredita que a AfroSaúde poderá monitorar pacientes com doenças crônicas a partir dos atendimentos e criar soluções direcionadas. “Tudo o que promova a longevidade da população negra está no nosso radar.”

Captação de recursos também está entre as intenções. Por enquanto, porém, os empreendedores querem focar no lançamento da solução. “Estamos sempre abertos a falar com fundos, claro, mas nosso foco é ir para o mercado e ter dados e métricas para apresentar aos investidores em alguns meses”, diz Lima.

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