Com sua primeira indicação ao Oscar por interpretar a Rainha do Rock, Tina Turner, na cinebiografia 'Tina' (1993), outra indicação ao Emmy em 2014 por viver a Rainha do Vudu de Nova Orleans, Marie Laveau, em 'American Horror Story' e uma vitória no Globo de Ouro por interpretar a Rainha de Wakanda, Ramonda, em 'Pantera Negra: Wakanda Para Sempre' (2022), fica claro que as escolhas de papéis feitas por Angela Bassett transparecem algo dela mesma -- toda e qualquer personagem vivida pela diva é escolhida com muita minúcia.
E foi exatamente por essa razão que, de maneira muito polêmica, Bassett resolveu dizer não para a personagem que poderia ter lhe dado o primeiro Oscar da carreira e que, por consequência, a tornaria a primeira mulher negra a conquistar a estatueta de Melhor Atriz: o da garçonete Leticia Musgrove no drama de Marc Forster, 'A Última Ceia' (2001). O mesmo que foi aceito por Halle Berry e a tornou a vencedora do prêmio de 2002.
"É tudo sobre o personagem, querido", respondeu a artista durante uma entrevista para o Newsweek há alguns bons anos. "Eu não ia ser uma prostituta na frente das câmeras. Eu não poderia fazer aquilo, porque é um grande estereótipo de mulheres negras e de sua sexualidade", descreveu ainda.
No filme de Forster, Berry interpreta a esposa de Lawrence Musgrove (Sean Combs/Diddy), um prisioneiro condenado à pena de morte, Leticia Musgrove, que acaba em um novo relacionamento bastante incomum. A garçonete passa a se envolver com o executor de seu marido, um homem racista que fantasia a morte de Lawrence todos os dias. Juntos, o guarda da prisão e a mulher percebem que entre seus próprios dramas e preconceitos, existe algo em comum que os une.
O filme, para além das cenas dramáticas, dá motivações aos personagens principais e apresenta ao público mais nuances de seus próprios arcos narrativos — sem deixar de lado cenas bastante sensuais. Os momentos íntimos entre os personagens de Halle Berry e Billy Bob Thornton (que dá vida ao guarda racista, Hank Grotowski) não são poucos e nem ficam implícitos. E esse é um dos detalhes que acabaram incomodando Angela e que resultaram na sua negativa.
"Filmes são para sempre. São sobre lançar coisas que vão te dar orgulho dez anos mais tarde. Quer dizer, a Meryl Streep ganhou Oscars sem precisar fazer tudo isso", ainda explicou, se referindo aos momentos explícitos do filme que, apesar de ter agradado parte da crítica especializada na época, sempre volta a se tornar tópico de discussão, dadas as controvérsias sobre seu roteiro, que, segundo a perspectiva de alguns espectadores, dá um arco de redenção a um personagem racista usando uma mulher negra como instrumento narrativo.
Angela, entretanto, deixa claro que sua negativa ao projeto e críticas contra ele nada têm a ver com Halle Berry -- por quem ela mesma afirma ter grande carinho. "Eu não posso e não tenho nenhuma espécie de raiva enrustida pelo sucesso da Halle. Não era o papel para mim, e eu falei para ela que ela ganharia [o Oscar] e disse a ela para ir pegar o que era dela", afirmou. "É claro que eu também quero um. Eu adoraria ter um Oscar. Mas tem que ser por algo que me dê paz para dormir durante a noite".
A vitória de Halle Berry pela estatueta de Melhor Atriz marcou a primeira vez na história da premiação que uma atriz negra venceu nessa categoria. Anteriormente, apenas duas atrizes negras haviam vencido estatuetas, ambas como coadjuvantes -- Hattie McDaniel, por Mame, em 'E O Vento Levou...' (1939) e Whoopi Goldberg por sua Oda Mae em 'Ghost - O Outro Lado da Vida' (1990), marcando uma diferença quase 50 anos entre uma e outra. O prêmio de Berry veio 74 anos após a primeira edição do Oscar.
O discurso de aceitação da atriz em 2002 marca um dos momentos mais icônicos da história da cultura pop e é sempre relembrado como um clássico momento de pura emoção para qualquer um que acompanhe a trajetória da história do cinema e o trabalho produzido por artistas negros ao decorrer dos anos.
Angela Bassett, por sua vez, já foi indicada para o Oscar duas vezes -- a primeira em 1994, por 'Tina' e a outra em 2023, pela sequência 'Pantera Negra: Wakanda Para Sempre', que homenageou Chadwick Boseman (1976-2020), o intérprete do herói e Rei T'Challa, após sua morte decorrente de um câncer.
Após perder a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante para Jamie Lee Curtis, que viveu a antagonista de 'Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo' -- um dos tópicos mais polêmicos da história recente da premiação --, Bassett virou notícia ao redor do mundo. Isso porque sua feição decepcionada não conseguiu ficar escondida das câmeras e dos comentários dos internautas.
Quando questionada por Oprah Winfrey se ela havia ficado chocada pela perda, a atriz respondeu com sinceridade: "Eu fiquei", afirmou às claras. "Eu achei que lidei muito bem com a situação -- e essa era a minha intenção: lidar bem com a situação. É óbvio, foi uma decepção imensa e a decepção é humana, então eu fiquei decepcionada e lidei como um ser humano".
Em 2024, a diva recebeu um Oscar Honorário por suas performances icônicas e emocionantes. Nomes como Samuel L. Jackson, Spike Lee e Sidney Poitier também receberam a estatueta especial. Apesar disso, todos ainda esperam que Angela tenha a oportunidade de vencer o prêmio e levar o troféu para casa por sua exímia atuação. Bons projetos sob o nome da atriz não faltam -- resta a Academia se atentar a isso.
Assista ao momento em que Halle Berry vence o prêmio de Melhor Atriz em 2002 por 'A Última Ceia'.