Estrela de uma filmografia quase impecável, Brad Pitt não é nenhum desconhecido quando se trata de fazer sucesso e agradar público e crítica. Produzindo filmes desde a década de 1980, o superastro tem tudo para provar que é um dos maiores na sua área: de uma estatueta do Oscar até surpreendentes números de bilheteria, nada pode parar Pitt em sua jornada de ator de puro renome.
Entre tantos títulos que juntaram ele a outros grandes nomes do cinema -- como os diretores David Fincher, Quentin Tarantino, Ridley Scott e Terry Gilliam ou os astros Robert De Niro, Geena Davis, Leonardo DiCaprio e Bruce Willis -- existe um filme de Pitt, que une um grande diretor a um grande astro e ainda conta com seu protagonismo, pelo qual o premiado ator não sente nada além de desgosto.
Para ele, topar trabalhar com o histórico Alan J. Pakula e contracenar com o próprio Harrison Ford em um filme era um dos sonhos mais adoráveis que um ator poderia ter -- e Brad conseguiu a chance. Só não sabia que logo 'Inimigo Íntimo' ia virar um de seus mais infernais pesadelos.
Lançado em 1997, o longa dirigido pelo famosíssimo diretor, conhecido por fazer parte do auge da era da Nova Hollywood, o filme é um drama criminal focado em um dos assuntos mais importantes da política mundial -- mas que era pouquíssimo conhecido pelo público norte-americano: o IRA ou o 'Exército Republicano Irlandês'.
Na trama, Frank McGuire (Pitt), um dos assassinos profissionais mais letais da IRA, se infiltra na rotina da família norte-americana do Sargento Tom O'Meara (Ford) para conseguir acesso à armas de fogo dos Estados Unidos. O protagonista, portanto, fará de tudo de para se tornar amigo próximo do Sargento, até que ele mesmo perceba as más intenções por trás do assassino, cuja real identidade era completamente desconhecida por ele.
Tendo custado 90 milhões para ter sido feito, 'Inimigo Íntimo' fez pouco mais de 140 milhões de dólares nas bilheterias mundiais. Pode até parecer bastante, mas o lucro foi, na verdade, ínfimo. Isso porque os custos de distribuição e marketing praticamente duplicam o valor do orçamento original -- assim, não dá para colocar o filme que colocou Pakula, Ford e Pitt no mesmo set, exatamente como um sucesso.
Mas esse foi o menor dos problemas quando se trata da obra. Antes mesmo que fosse lançado, Brad foi bastante aberto ao dizer que aquela teria sido sua pior experiência de trabalho até então. Irritado, chegou até a dar entrevistas para a imprensa expressando seu descontentamento com a forma de direção que Alan J. Pakula teria adotado para rodar aquele que seria seu último filme, antes de sua morte em 1998.
"Nós não tínhamos roteiro. Bom, nós tínhamos um ótimo roteiro, mas ele foi descartado por várias razões diferentes", disse Pitt à revista Newsweek em fevereiro de 1997; exatamente um mês antes da estreia mundial de 'Inimigo Íntimo. "Ter que ficar inventando falas ao decorrer do filme foi muito difícil!"
A dificuldade de ter que apelar para o improviso ao lado de Ford foi pressão demais para quem havia começado "há pouco tempo". Mesmo tendo já experienciado a oportunidade de contracenar ao lado de Morgan Freeman em 'Se7en', Anthony Hopkins em 'Lendas da Paixão' e Tom Cruise em 'Entrevista com o Vampiro', nada havia o preparado para tirar frases da cartola ao interpretar o papel de um terrorista treinado -- principalmente ao lado de Harrison, que já era profissional demais para repetir cenas uma e outra vez.
"Foi ridículo. Foi fazer cinema -- se é que pode se chamar assim -- da maneira mais irresponsável possível. Eu não consegui acreditar. Eu não sei por que alguém gostaria de continuar a fazer aquele filme. Nós não tínhamos nada. O filme foi vítima do maluco que era dono do estúdio, que disse: 'Eu não quero saber. Nós vamos fazer o filme. Eu não ligo para o que vocês têm, apenas gravem alguma coisa'", complementou Brad ainda na mesma entrevista.
Durante o caos, o astro de 'Clube da Luta' não teve paciência alguma: resolveu que iria se demitir do filme, bem no meio das gravações. O estúdio foi rápido em calar a boca de Pitt ao devolvê-lo com a resposta mais infeliz possível: ele até poderia se demitir, mas se quisesse fazer isso, teria que devolver ao estúdio que produzia 'Inimigo Íntimo' cerca de 63 milhões de dólares, equivalentes ao valor do filme, que fora vendido para o mundo todo com a expectativa da presença de Brad no protagonismo.
O astro, que há pouco havia começado a juntar seus primeiros milhões em conta, não viu outra opção senão ficar quieto e continuar a trabalhar.
Mas isso custou, e muito, para ele. O estúdio ficou absolutamente furioso com Pitt pelas palavras duras sobre um filme que ainda nem sequer havia sido lançado. "Eu nem estava mais pensando sobre isso. Era notícia velha. Daí eu cheguei em casa [em Los Angeles] e BOOM! As ligações começaram às sete da manhã. 'Vá ao Entertainment Tonight', eles me imploraram. 'Diz que não foi o que você quis dizer', e eu ficava tipo: 'Eu não posso fazer isso'".
Mesmo de joelhos, Pitt não cedeu. E o resultado logo veio: fosse pela antecipação negativa que o astro teria causado antes da estreia do filme ou depois disso, 'Inimigo Íntimo' recebeu da crítica especializada notas mistas -- mas a maior parte pendia mais para o negativo do que o contrário. Comercialmente, como já dito, o filme não foi exatamente um hit; é claro, não foi o gerador de um grande prejuízo, mas rendeu muito menos do que o esperado para um filme que coloca Harrison Ford e Brad Pitt no mesmo frame.
Harrison, entretanto, manteve-se em silêncio até pouco tempo atrás, quando finalmente esclareceu algumas dúvidas sobre o filme. O roteiro, que foi desenvolvido parcialmente por Pitt, foi o maior dos problemas.
“Eu trabalhei com um roteirista – mas, de repente, estávamos filmando e não tínhamos um roteiro com o qual Brad e eu concordávamos. Cada um de nós tinha ideias diferentes sobre isso", continuou o ator. "Entendo por que ele queria manter seu ponto de vista e eu queria manter meu ponto de vista; ou eu estava impondo meu ponto de vista, e é justo dizer que foi isso que Brad sentiu", disse o astro de 'Blade Runner', depois de tantos anos.
Algumas das cenas do filme realmente vieram do nada: foi Ford quem até insinuou a ideia que acabou indo para o corte final, do personagem de Pitt sendo "exposto" ao participar de um tiroteio aleatório -- fato que contribuiria para o desenvolvimento do papel do mais velho. Até a escolha do diretor, que acabou sendo Pakula, foi difícil: Ford conhecia o trabalho do cineasta de 'Todos Os Homens do Presidente' e 'Klute - O Passado Condena'. Mas o mais novo, infelizmente, não.
Apesar do caos, Harrison não guarda ressentimentos. "Foi complicado", admite. "Mas eu gosto muito daquele filme", disse ainda.
Pitt, entretanto, prefere manter 'Inimigo Íntimo' no fundo do poço. Nas profundezas do mar. Debaixo das tábuas do chão. Para ele, é uma vergonha que jamais deve ser relembrada -- principalmente com tantos outros trabalhos de destaque se sobrepondo a esse, antes e depois de seu lançamento.
Fosse pelo trauma do projeto todo ou simplesmente pela qualidade duvidosa, a verdade é que é uma pena que uma ideia tão boa e tão lotada de nomes de peso tenha acabado dando errado. Mas a posição do astro é compreensível.
Relembre o trailer de 'Inimigo Íntimo', com Brad Pitt e Harrison Ford.