O SUS, forma resumida para Sistema Único de Saúde, é um conjunto de ações e serviços de saúde sob gestão pública. Ainda cercado de muitos mitos e preconceitos, o sistema tem por objetivo garantir o acesso universal e integral à saúde para todos os brasileiros.
“Ah, mas eu tenho convênio médico, não preciso do SUS” ou “SUS é coisa de quem mora na periferia” são duas frases já conhecidas, mas que são grandes falácias sobre o assunto. Sim, você usa o SUS e sim, você precisa defendê-lo!
O que é o Sistema Único de Saúde
A nossa Constituição Federal reconhece a saúde como um direito de cidadania. Dessa forma, o SUS foi concebido junto dela em 1988 e, dois anos depois, formalizado em lei. “A norma que cria o SUS é a Constituição Federal de 1988, mas a lei que o regulariza é a lei 8080 de 1990”, explica Dra. Inez Gadelha, médica oncologista e chefe de gabinete da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES).
Então, previsto por lei, o acesso à saúde deve ser integral e universal. “Universal porque é para todos, independente de qualquer característica. Integral porque deve se responsabilizar por cuidar do conjunto de necessidade das ações de prevenção, proteção, promoção, diagnóstico, tratamento de doenças e reabilitação”, explica Arthur Chioro, médico sanitarista, professor universitário e ex-ministro da Saúde do Brasil.
E, além desses dois conceitos, também existe o de equidade, ou seja, o sistema deve cuidar de acordo com as necessidades individuais de cada cidadão. “A organização dos cuidados de saúde para os povos indígenas é diferente para os idosos que vivem na periferia de uma grande cidade, por exemplo”, diz Arthur.
Para Arthur, ainda que na prática o nosso sistema funcione bastante distante do que está previsto na Constituição, ele é um dos mais modernos do mundo. “A Organização Mundial da Saúde recomenda fortemente para os países olharem para a nossa regulamentação de saúde como uma referência”.
E Dra. Inez completa: “Somos o único país no mundo com mais de 100 milhões de habitantes que teve a ousadia de oferecer um Sistema Único de Saúde para a sua população”.
A estruturação do sistema
O Sistema Nacional de Saúde articula em todo o território nacional ações dos Municípios, Estados e da União. O que caracteriza um sistema de saúde é a sua estruturação e o seu funcionamento em três níveis de atenção.
“O primeiro nível é chamado de primário e cuida da parte de promoção da saúde e prevenção de doenças. É nele que está a vacinação o pré-parto, por exemplo. O nível secundário é aquele que dá atenção especializada em áreas específicas, como maternidade e pronto-socorro. São os atendimentos de hospitais de menor porte. Já o nível terciário também possui uma atenção especializada, mas com um porte tecnológico muito maior. Um hospital maternidade tem como finalidade o nível secundário. A complexidade de um hospital universitário, por exemplo, o caracteriza como integrante do nível terciário. Isso não significa que ele não terá atendimentos do nível secundário, ele tem. Porém, o nível secundário não oferece a especialização do terciário”, explica Dra. Inez.
O mito e o preconceito que ele carrega
O SUS carrega uma imagem repleta de preconceitos. A primeira delas é a falsa ideia de que pessoas que possuam convênio médico não utilizam o sistema. “Se você cair na rua, quem vai fazer o primeiro atendimento é o SAMU. Se você vai jantar em um restaurante ou comprar pão em uma padaria, saiba que vigilância sanitária, que autorizou e garantiu o funcionamento desse estabelecimento, é uma ação do SUS”, rebate Arthur.
“Hoje em dia algumas clínicas privadas oferecem vacinas, mas mais de 80% da população é vacinada pelo SUS. Mais do que um mito, dizer que o Sistema Único de Saúde é apenas para os mais pobres é uma falácia”, diz Dra. Inez.
Nesse ponto é preciso também esclarecer e desmistificar os convênios médicos, a chamada saúde suplementar, ou seja, um conjunto de operadoras que oferecem planos de saúde com um cardápio de serviços. Dra. Inez explicou que eles são isentos por lei de cobrir tratamentos de alto custo ou que sejam de uso contínuo, por exemplo. “Um remédio para a hipertensão ou para a AIDS, por exemplo, em que a pessoa tem necessidade de tomá-lo todos os dias, não é coberto pelos convênios. Isso é muito injusto porque acaba que o SUS complementa a saúde suplementar. É preciso que as pessoas entendam que o convênio é uma carteira de serviços, não um sistema de saúde.”
Além disso, o SUS não é composto apenas por hospitais públicos – pelo contrário. “A maior parte dos hospitais do Brasil é de natureza filantrópica, e quando um hospital privado tem uma natureza desse tipo, ele obrigatoriamente tem que integrar o SUS”, explica Dra. Inez.
Mas, o que isso significa? “Tratamentos que são mais caros dificilmente são cobertos pelo convênio. Por exemplo, se uma pessoa tem um diagnóstico de câncer e o plano dela é apenas ambulatorial, ela entra em um hospital com consultas e exames que fazem parte do seu convênio médico, mas a cirurgia de fato é feita pelo Sistema Único de Saúde. O hospital é o mesmo e o médico é o mesmo – então, o paciente pode nem imaginar que foi atendido pelo SUS.”
Tratamentos exclusivos do SUS e a contradição
Sim, existem dois grupos de problemas de saúde que são tratados exclusivamente pelo SUS. “O primeiro dele são aquelas doenças que chamamos de doenças negligenciadas. São doenças que o mercado não tem interesse e os laboratórios não querem vender porque estão ligadas às condições econômicas da população. São as doenças que acometem os mais miseráveis – ou a Camila Pitanga quando ela vai para a Mata Atlântica. Nesse grupo temos a malária, hanseníase, tuberculose, doença de chagas, esquistossomose, filariose e etc. Quem cuida disso, majoritariamente é o SUS”, explica Arthur,
O segundo grupo nos faz pensar na contradição que acomete o sistema. “São àquelas de alto custo, como os transplantes. O Hospital Albert Einstein é um dos maiores transplantadores de fígado do Brasil, mas todo o processo é feito pelo SUS. É praticamente impossível fazer esse tipo de procedimento pelo plano ou pelo privado”.
“É uma contradição: o extremamente pobre e o extremamente caro cai para a conta do SUS”, reflete Arthur Chioro.
Principais dificuldades do SUS
Enquanto para Dra. Inez a maior dificuldade do SUS é uma oferta adequada de serviços, para Arthur é o financiamento.
“Hoje o Brasil tem menos de 1/4 da população coberta pela saúde suplementar. Então, ter a oferta de serviços necessários, principalmente aqueles que são comprados de entes não públicos, como por exemplo a parte toda hospitalar, é uma grande dificuldade. Geralmente, pronto-socorro e maternidade são de âmbito público de Municípios e Estados, mas quando chega na parte de consulta especializadas, como exames e cirurgias, o SUS passa a fazer compra de serviços. O sistema é público, porque quem vende serviço ao SUS se torna um ente dele, mas a sua natureza não é pública. A natureza jurídica dele continua privada”, diz Dra. Inez.
O nível Municipal, Estadual e Federal são tanto gestores, como financiadores do SUS. De acordo com a lei complementar 141 de 13/01/2012, existe um valor mínimo a ser aplicado anualmente em ações e serviços públicos de saúde. Da receita gerada pelos impostos, determinada porcentagem deve ser aplicada na saúde.
“O Brasil gasta mais ou menos 9% do PIB com saúde, é um valor considerável quando se compara com outros países que tem sistemas universais, como por exemplo o Reino Unido e a França. Só que o gasto público, ou seja, aquele que é destinado para o Sistema Único de Saúde, é muito baixo, menos de 3% do PIB. A maior parte do recurso é gasto por privados. Em 2019, somando tudo o que os Estados, os Municípios e a União colocaram na saúde, tivemos R$3,80 por habitante por dia. Ou seja, para garantir da vacina ao transplante e todo os cuidados relacionados à saúde, cada cidadão pagou R$3,80 por dia. Como referência, não paga nem uma passagem de ônibus em São Paulo, né?”, reflete Arthur.
Há quem diga que a dificuldade é a gestão, mas Arthur vai além: “É claro que sempre se deve melhorar a gestão, mas chega a ser uma hipocrisia pôr o problema nisso. Se a gente pegar os R$3,80 e multiplicar por 30 dias vai dar algo em torno de R$130. Qual é o plano de saúde que tem esse valor? O Reino Unido, que também tem um sistema universal de referência, tem hoje um gasto anual per capita na faixa de 3.400 dólares, nós temos 497 dólares. A maior dificuldade é sim o financiamento, que piorou a partir de 2016 quando foi aprovado pelo Congresso a emenda do teto que congelou os investimentos públicos por 20 anos. Até agora, a saúde já perdeu 22 bilhões e meio de reais.”
Arthur também coloca a desigualdade social como uma dificuldade enfrentada pelo SUS. “Somos um país continental, populoso e heterogêneo. Pudemos comprovar isso na prática agora com o coronavírus. A oferta de leitos de UTI em São Paulo, por exemplo, é muito maior que o Norte e o Nordeste. Como que um país que tem um sistema universal pode ser tão desigual? Nós temos distorções muito grande. É uma iniquidade que reforça, mas não se explica apenas pela heterogeneidade do país”, reflete.
Por que devemos defendê-lo?
De acordo com a Dra. Inez Gadelha, pesquisas do Ministério da Saúde mostram que quando a pessoa é atendida pelo SUS, a taxa de aprovação é mais de 70%. “A ideia negativa do sistema é de quem não o utiliza”, diz.
É preciso que entendamos todos os pontos que estão envolvidos neste sistema para que seja possível compreender que, sim, existem inúmeros problemas, mas ele é de extrema importância para todos os cidadãos brasileiros.
“Sem o SUS seria uma verdadeira barbárie. O SUS é uma política de estado! O sistema que carrega os pilares da equidade, universalidade e integralidade coloca o Brasil em um patamar civilizatório. É um direito social”, finaliza Arthur. Muita coisa para refletir, né?