O lixo pode ser belo? Essa questão sempre foi fundamental para o trabalho de Nido Campolongo, em seus 50 anos de produção artística guiada pela sustentabilidade. Ele conseguiu demonstrar a beleza de 34 resíduos diferentes no Projeto Espiral, instalação que desde 2007 decora as rampas do Conjunto Nacional e, recentemente, foi atualizada com novas obras, apresentando resíduos inéditos.
Quem caminha distraidamente pela instalação, certamente não imaginará que se trate de resíduos, pela beleza estética das obras. Porém, em um olhar mais cuidadoso, é possível perceber que ao lado de cada uma há uma identificação do resíduo, com um QR code que leva a saber mais sobre seu impacto ambiental.
"Os quadros, pensados individualmente, atendem às minhas exigências estéticas, internas, da alma de artista na constante procura ao encontro do belo", diz Nido.
Trazer o Projeto Espiral à rampa do Conjunto Nacional foi um pedido do condomínio, que queria incentivar o uso dela, em vez dos elevadores. Localizado no cruzamento da Avenida Paulista com a Rua Augusta, o Conjunto Nacional foi projetado pelo arquiteto David Libeskind e se tornou um marco da arquitetura modernista de São Paulo.
Com o convite, Nido avaliou que as rampas que conectam o subsolo, o primeiro e o segundo andar eram a moradia definitiva ideal para o Projeto Espiral, inicialmente desenvolvido em 2002 para a exposição Brincadeiras de Papel, do Sesc Santo André.
As obras ficam dentro de caixas-anéis de compensado laminado e vidro. Cada anel mede 90 cm de diâmetro com 6 cm de espessura. Penduradas na coluna central do Conjunto Nacional, elas seguem a altura do olhar de quem sobe ou desce a rampa que envolve a coluna, realmente formando um espiral.
O lixo de São Paulo
Em cada quadro, Nido transforma em arte algum lixo típico de São Paulo. A capital paulista é a cidade que mais produz resíduos no Brasil: cerca de 20 mil toneladas todos os dias. Destes, 40% são recicláveis, mas somente 7% dos insumos com potencial para reciclagem são, de fato, reaproveitados, segundo a Prefeitura de São Paulo.
"A lógica do mercado é que é mais lucrativo produzir o novo do que reciclar", comenta Nido. Com exceção das latas de alumínio, todos os resíduos recicláveis têm preço irrisório, tornando a reciclagem contraprodutiva.
"Através do Projeto Espiral, pretendo promover práticas sustentáveis pela reflexão e revisão de pré-conceitos ligados ao ‘lixo', apropriando-me do 'belo’ como instrumento de transformação", continua o artista. Em muitas das obras, é praticamente impossível identificar que se trata de lixo, devido à ressignificação artística.
Conheça abaixo alguns dos resíduos que ele transformou em arte:
- Papel jornal
Apesar de ser biodegradável e ter passado por uma redução no volume nos últimos anos, consequência da digitalização, o papel jornal ainda é um resíduo importante nos lixos de São Paulo. A obra que Nido fez, em parceria com a arquiteta Adriana Yazbek, leva rolinhos artesanais.
- Tela de vergalhão
Segundo a Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon), são diariamente gerados no Brasil 290,5 mil toneladas de resíduos de construção e demolição, dos quais apenas 0,6% são reaproveitados. Nido sobrepôs telas de vergalhão, normalmente usadas para criar barreiras de proteção em grandes obras.
- Garrafa PET
Garrafas PET são feitas de polietileno tereftalato – ou seja, plástico. Apesar da reciclabilidade relativamente alta, ela ainda é insuficiente: 55%, segundo o Censo da Reciclagem PET do Brasil, com cerca 254 mil toneladas por ano se tornando lixo. Nido usou os fundos de garrafas PET transparentes, em um interessante efeito visual.
- Tampas de garrafa PET
Além das garrafas PET, as tampas de plástico também representam um problema ambiental. Em parceria com a Cooperaacs, Nido criou a obra Tampinhas em Azul, a partir da justaposição de centenas de tampas de garrafas de água pós-consumo.
- Cerdas de vassouras
Você sabia que as cerdas de vassouras podem ser feitas com garrafas PETs recicladas? Cada uma usa cerca de 18 garrafas PET e dura cerca de 30% a mais que vassouras comuns de piaçava. Essa obra, além da beleza estética, é uma boa representação das vantagens da reciclagem.
- Garrafas de vidro
A partir do recorte e da queima de calotas de garrafas de vidro cristal pós-consumo, Nido produz pastilhas translúcidas. Além dessa obra, elas podem ser usadas como cortinas e divisórias. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Vidro – Abividro, o índice de reciclagem do vidro no Brasil é de apenas 25%, de um material que é 100% reciclável.
- Câmaras de pneus de bicicleta
Quando descartados indevidamente, os pneus de bicicleta de borracha demoram até 600 anos para se decompor na natureza. Nido usou as câmaras de pneus de bicicleta pós-consumo para um interessante efeito estético.
- Canudos de papel
Os canudos de plástico são proibidos em várias cidades do mundo, inclusive São Paulo. Canudos de papel são uma alternativa para a diminuição do dano ambiental. Na obra de Nido, foram colocados em perpendicular a tubos de papelão reciclado.
Serviço
Projeto Espiral
Data: Exposição permanente, aberta ao público.
Endereço: Av. Paulista, 2073 - Consolação, São Paulo.
Horário: segunda a sábado, das 6h às 22h; domingos, das 10h às 22h.
Ingresso: gratuito.
Showroom Nido Campolongo
Data: a partir de 30 de novembro, atendimento com hora marcada.
Endereço: Condomínio Marquês de Resende, Rua Tabapuã, 146 - Itaim, São Paulo.
Contato: +55 (11) 99567-4158.