A transição entre a primavera e o verão não é algo que passa despercebido nem para nós, humanos, nem para os animais. A elevação das temperaturas pode ameaçar a saúde e o bem-estar dos bichos, exigindo uma maior atenção à hidratação e à proteção da pele, por exemplo.
Mas o calor também pode levar à redução drástica de apetite nos bichos, já que eles tendem a ficar mais parados, gastando menos energia e, consequentemente, apresentando menos fome no período.
Falta de apetite no verão
A médica-veterinária Eliana Chiurco, especializada em nutrição, explica que, neste caso, a falta de apetite decorre de um contexto ambiental. "Assim como ocorre para nós humanos, o apetite pode reduzir drasticamente no calor para alguns peludos. É algo normal e fisiológico", explica.
Por causa disto, os animais podem preferir se alimentar nos horários menos quentes do dia, podendo inclusive pular a primeira refeição. Se for o caso, o tutor pode voltar a oferecer o alimento nestes momentos mais frescos, sem deixá-lo exposto no comedouro o dia todo para não deteriorar a qualidade. Assim, a fome do bicho será respeitada sem deixar de lado a garantia da nutrição.
Entretanto, o manejo na periodicidade de alimentação do animal só é indicado quando ele, de fato, apresentar a falta de apetite. Não devemos, portanto, alterar o cardápio e a oferta de refeições somente porque o verão chegou.
Segundo a Professora Dra. Márcia de O. S. Gomes, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, é muito importante manter uma rotina para cães e gatos.
"Então fracionar a comida para um animal que já está condicionado àquela rotina não é algo que a gente sugeriria só pelo calor em si. As situações em que vamos pensar em mudar o manejo são aquelas de condições fisiológicas, como uma fêmea que está gestante, por exemplo. Ela terá menos espaço para receber o alimento como receberia normalmente, então precisa fazer refeições menores. São situações específicas em que mudamos o manejo, mas, no geral, tentamos manter a rotina deles", explica.
Como esta falta de apetite sazonal está relacionada ao calor, os tutores podem interferir garantindo um ambiente adequado que evite o estresse e o desconforto físico do animal. Dispor de espaços bem ventilados, com sombra e água fresca à vontade, pode ajudar a fugir da condição.
Não é porque funciona para nós que funciona para eles
Devido ao comportamento apresentado pelos bichos durante o verão, alguns tutores acabam por inferir que um cardápio mais leve deve ser oferecido no período. De acordo com Flavio Silva, médico-veterinário especialista em nutrição de cães e gatos, isso não é verdade.
"É difícil ter um consenso do que seria um cardápio 'mais leve'. Dentro da quantidade de alimento diária do animal estabelecida pelo médico-veterinário, há nutrientes que são essenciais para sua sobrevivência. A quantidade de proteínas, gorduras e fibras é pensada para ser balanceada e suprir as necessidades essenciais do pet, então não há a necessidade de alteração no tipo de alimento ou na quantidade oferecida", elucida.
O tema preocupa a comunidade da medicina veterinária porque traz uma conotação humana. Segundo Márcia Gomes, cachorros e gatos são adaptados a ingerir proteínas e gorduras e, se não há nenhuma condição clínica que contraindique uma determinada ingestão de nutrientes pelos animais, não se deve considerar esse parâmetro do "mais leve".
"Essa interpretação é algo que a gente pode trazer a discussão da alimentação natural e da dieta caseira que está na moda. Para quem trabalha com nutrição, é algo que nos preocupa", diz.
Márcia explica que hoje a dieta dos pets é dividida em duas categorias, de acordo com a frequência do uso geral – a convencional, ou seja, ração seca e úmida; e a não-convencional, aquela geralmente preparada em casa e que se refere à alimentação natural ou à dieta crua biologicamente apropriada.
Para ela, a preocupação consiste no fato de que muitos tutores entendem que o que é bom para si é bom para o animal. Na alimentação não-convencional, é possível que este tutor não esteja atendendo à necessidade do animal quanto aos nutrientes e às matérias-primas precisas para o seu bem estar.
"Existe todo um treinamento que precisa ser feito e uma base de conhecimento que se precisa ter para oferecer a alimentação não-convencional aos pets, e não é todo mundo que tem essa base. Outro risco é que as dietas caseiras podem gerar muito mais facilmente uma deficiência nutricional do que uma ração tradicional de qualidade. Não existe melhor ou pior, mas os dois precisam ser feitos de forma adequada. Uma ração convencional dada em uma quantidade inferior àquela que o animal precisa também não vai suprir a necessidade dele", explica a especialista.
É importante que, independente da escolha do tutor quanto à forma de nutrir o seu pet, este programa seja avaliado e orientado por um profissional especializado, como nutricionista ou nutrólogo veterinário.
Vale reforçar que o consenso entre os médicos é, portanto, que não haja alteração na alimentação do animal, apenas ajustes de horários caso ele apresente falta de apetite frente ao desconforto térmico.
"Exceto nos casos em que o animal perde o apetite, não há a necessidade de mudar a periodicidade de alimentação, já que as mudanças podem, inclusive, ser um fator de estresse. Para os cães, podemos manter a recomendação de pesar a quantidade que o animal precisa comer por dia e oferecer essa quantidade em, no mínimo, duas vezes. Para os gatos, também é importante saber a quantidade que ele precisa comer por dia e deixar que ele coma ao longo do dia em várias refeições", orienta Flavio Silva.
Quebrando o jejum
É preciso tomar cuidado, porém, com o jejum prolongado, que também pode trazer malefícios.
"Alguns peludos podem apresentar vômitos amarelados (biliosos) quando ficam com maior tempo em jejum, então para estes e para os que adoram um agrado entre as refeições é interessante acrescentar petiscos refrescantes para quebrar o jejum e ajudar no calor: pedras de gelo, frutas aguadas (como melão e melancia sem caroços), pedacinhos de frutas congeladas (somente três frutas não podem ser oferecidas aos pets: uvas/uva passa, carambola e açaí) e gelinho de caldo de cozimento de carnes sem tempero", sugere Eliana Chiurco.
Picolés de suco natural da fruta e sachês congelados também podem ser oferecidos, com o cuidado para que, ao final do dia, o aporte energético de todas as refeições não seja maior do que o indicado para aquele animal. Isso porque a ingestão de calorias extras pode levar ao sobrepeso, obesidade e alterações químicas que podem afetar negativamente a saúde do animal.