Manu Buffara fala de reconhecimento e propósito na culinária
"Fora do eixo", filantropa, mãe, escritora, esposa e chef premiada. Manu Buffara — mentora da sexta e sétima temporada do The Taste Brasil — chega ao final de 2024 no top-tier do The Best Chef Awards: a única mulher brasileira reconhecida neste ano por sua maestria culinária por quatro anos consecutivos e aparecendo ao lado de Alex Atala, os dois representante nacionais no Selo 3 Facas. Em entrevista exclusiva ao Receitas, a chef fala da importância do reconhecimento.
"É muita emoção ter recebido isso e estar ao lado de grandes mestres; e um grande mestre pra mim, Alex Atala, que sempre foi um grande amigo, mas sempre foi uma pessoa que eu olhava de cima e era muito fã. Estar recebendo essas 3 Facas, estar representando uma cidade fora do eixo [Rio-São Paulo] e a figura feminina é mostrar que dá para você ser grande e ser mãe, ser esposa, estar dentro de casa. Esse empoderamento de estar ali [na lista de melhores chefs do mundo] significou muito, mas não só para mim, mas para as duas filhas que eu tenho em casa e para mostrar elas que é possível", reflete a chef.
A classificação dos chef por quantidades de facas se encaixa perfeitamente na história desta paranaense. Considerada o "elemento mais importante de um cozinheiro", Manu ganhou facas com bainhas feitas pelo avô quando abriu seu restaurante próprio que acompanham a chef até hoje.
"A faca é o elemento mais importante de um cozinheiro. Ele não deixa de viajar sem seu case com suas facas dentro. Acho que a facas nos acompanham. [...] Meu avô montou todas as bainhas [das facas] pro restaurante. A minha primeira faca, eu tenho até hoje – apesar do meu marido roubar ela as vezes", brinca.
À frente de um restaurante homônimo em Curitiba, capital do Paraná, estado da região Sul do Brasil, Manu se destaca por valorizar a alta gastronomia em sua terra natal, exaltando os pequenos produtores e sua história — que se divide entre o campo e o mar; o interior e a capital e o Brasil e o mundo.
O restaurante, inclusive, foi premiado na edição de 2024 do The World's 50 Best Restaurants. O Manu ocupa a 60º posição no ranking dos 100 melhores da América Latina.
Culinária de alto nível e propósito
Pode-se dizer que, para estar entre os 97 chefs premiados reconhecidos por sua maestria culinária, os detalhes fizeram toda diferença. Manu, o restaurante, tem apenas cinco mesas e serve 20 pessoas por dia. Tudo que é servido vem de produtores locais — com quem a chef tem contato direto — ou é feito pela própria casa.
"Eu acho que [maestria culinária é] ter técnica, ter o feeling, ter uma noção, ter o sentimento. Porque a hora que a gente cozinha, não coloca só a técnica. A gente coloca o entendimento, o agricultor, o produtor e o produto dentro da nossa receita. O pensamento, a linha de pensamento, o sabor", explica a mentora do Time Buffara.
Manu, a chef e filha de um fazendeiro, acredita na valor de conhecer bem o produto com qual trabalha, a troca de experiências e aplicar a sustentabilidade do início ao fim da cadeia. E vai além das facas e panela: Manu acredita no papel do chef como locomotiva para mudança social com dever de dividir conhecimentos e oportunidades com sua comunidade.
"O chef não só representa a receita que ele está colocando [na mesa], mas também representa o exemplo e a mudança para a sociedade. Então, eu acho que é isso que representa um chef de cozinha de excelência hoje na cozinha", conta.
"Nosso conhecimento deve ser compartilhado e tudo que a gente recebe, seja em prêmios, a gente deve devolver de volta para a sociedade numa forma de conhecimento"
"Eu acredito muito que o chef de cozinha não tem que ficar só na cozinha. Eu acho que o nosso conhecimento deve ser compartilhado e tudo que a gente recebe, seja em prêmios, a gente deve devolver de volta para a sociedade numa forma de conhecimento. Então, esse eu acho que é o papel do chefe de cozinha hoje em dia e no futuro."
Sua cozinha autoral coleciona prêmios — que já ultrapassam os 50 — dentre os quais de destacam 49ª posição do Latin America 50 Best Restaurants em 2021, Melhor Chef Mulher da América Latina pela 50 Best Academy em 2022 e, em 2024, a 46ª posição na lista do Top 100 do The Best Chefs Awards.
Exemplo para as futuras gerações
Fora da cozinha, Manu comanda o Instituto Manu Buffara desde 2020 a lado de outras três mulheres. O instituto promove diferentes ações sociais e de sustentabilidade foi reconhecido, em 2024 durante Feira Internacional da Trufa Branca de Alba na Itália, com o “Dawn to Earth” — prêmio reconhece indivíduos que se destacam em sustentabilidade ambiental e social.
"O nosso foco é trabalhar com informação e educação. E nada mais que o amor. Começou com a comida e, hoje, a gente trabalha focado em crianças e mulheres. Temos vários projetos dentro do Instituto e um deles é o Alimenta Curitiba: um evento muito grande que acontece no final do ano. A gente envolve alguma comunidade que a gente escolhe. Trabalham em torno de 1.000 a 1.800 pessoas, a gente atende nesses dias, com saúde, informação, escola, educação, saúde feminina, veterinário, advogado... Então é uma grande feira que o foco é a educação da comunidade", se orgulha Manu.
Comida e sentimento
Em seu livro Manu: Recipes and Stories from My Brazil (sem tradução para o português), na biografia apresentada em seu site e na entrevista nos bastidores do Panela Quente, o discurso de Buffara tem um ponto em comum: a importância da família em sua trajetória.
"Olhando para trás vejo que tudo faz sentido, eu não poderia estar em outro lugar a não ser na cozinha do Manu. Toda minha experiência de vida me reconectou a cozinha que sempre esteve presente mesmo sem perceber, do meu pai veio o campo e da minha mãe veio o mar e das minhas filhas veio a vontade da mudança", define a chef em seu site.
A pedido do Receitas, a chef escolheu um preparo que a leva de volta à infância e à cozinha da avó: o shishbarak. "[Meus avós] vieram do Líbano. Então, eu acho que a cozinha árabe representa muito para mim. Uma memória que eu tenho de infância é uma sopa feita à base de coalhada. Pode ser feita com quibe ou feita com um pãozinho, que é miolo de pão. É uma receita para mim é emotiva, que me lembra muito o trabalho da minha avó fazendo isso", conta a chef.