Foucault se impressiona com o fato de que a prisão era sempre descartada como uma boa forma de punir, mas ainda assim, ela termina por ser a principal maneira de penalizar todos aqueles que quebram a lei. Então ele se pergunta: o que permite a emergência histórica da prisão?
O que ocorreu para que, no momento em que a trama discursiva conduzia naturalmente à definição de penas que seguissem os modelos da infâmia, do talião, ou da escravidão, o discurso fosse repentinamente interrompido e, lateralmente, se impusesse um modelo totalmente diferente: o da reclusão?”
– Foucault, Sociedade Punitiva
Por que a reclusão ganhou? Afinal, ela oferece apenas uma única variável: o tempo. Ora, isso deve significar alguma coisa. Neste momento, Foucault faz uma aproximação histórica: interessante, o trabalhador também possui apenas esta única variável para seu trabalho.
O pensador francês mostra a relação muito próxima que existe entre o trabalhador e o prisioneiro: os dois não possuem nada. Os dois estão nus frente ao poder. Mas os dois são medidos cronologicamente, um se dá na forma da pena e o outro na forma de salário. Tempo é dinheiro, tempo é condenação a se cumprir.
A luzes da razão encontram uma nova maneira de agir: incidir sobre o tempo e o espaço. São as duas formas de controle que o poder possui agora: controlar as superfícies, o movimento, os lugares, os fluxos; controlar a quantidade de anos, meses, dias, horas, minutos, segundos.
Introdução do tempo no sistema do poder capitalista e no sistema penal. No sistema de penas: pela primeira vez na história dos sistemas penais, já não se pune por meio do corpo, dos bens, mas pelo tempo por viver. O tempo que resta para viver é aquilo de que a sociedade vai aproximar-se para punir o indivíduo”
– Foucault, Sociedade Punitiva
O poder vai mais fundo, atinge novas camadas, começa a fazer outro uso dos corpos. Não mais ficará na superfície, não mais marcará. Seu objetivo agora é outro, ele procurará a profundidade, tentará alcançar a alma. Mas somente pode fazer isso começando humildemente: controlando lugares e hábitos.
O que nos permite analisar de forma integrada o regime punitivo dos delitos e o regime disciplinar do trabalho é a relação do tempo de vida com o poder político: essa repressão do tempo e pelo tempo é a espécie de continuidade entre o relógio de ponto, o cronômetro da linha de montagem e o calendário da prisão”
– Foucault, Sociedade Punitiva
Esta nova sociedade exige uma nova economia punitiva! Prender não é necessariamente punir; é controlar, é colocar ao dispor, é encontrar mais facilmente. A inserção da prisão é mais heterogênea do que parece, diz Foucault, a penalidade se funde com a disciplina, nascendo assim a prisão, uma maneira generalizada de vigiar e punir.
É interessante pensar que no mesmo momento em que o rei é guilhotinado e a máquina a vapor aparece, surge o criminoso como inimigo social, aquele que se recusa a ser um membro produtivo da sociedade. A dupla revolução burguesa: industrial e política, faz toda a economia punitiva se transformar. É na mesma época que aparecem também as primeiras prisões e esta nova forma de punir.
Vamos nos aproximando lentamente da disciplina, as prisões são como fábricas de reformar almas; as fábricas são como prisões com horas contadas no relógio de ponto. As celas são lugares de penitência, mas também são lugares onde se jogam os condenados. Em toda parte há uma tristeza no olhar, uma frieza no espírito, um cansaço no corpo, um fechamento da vida. O calendário diz quanto falta para as férias, quanto falta para se tornar livre novamente, quais os rituais religiosos da semana, quais os deveres. Tudo começa a se parecer. Mas resta esta última pergunta: como a cela da prisão se inseriu em todo o campo social: jurídico, econômico, escolar, militar, hospitalar?