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Usuário(a):ManuPurcell/Testes/Clarice Lispector

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Clarice Lispector
ManuPurcell/Testes/Clarice Lispector
Pseudônimo(s) Helen Palmer, Teresa Quadros
Nascimento 10 de dezembro de 1920
Chechelnik, Oblast de Vinnitsa
República Popular da Ucrânia
Morte 9 de dezembro de 1977 (56 anos)
Rio de Janeiro
Nacionalidade brasileira
Progenitores Mãe: Mania "Marieta" Lispector
Pai: Pinkhas "Pedro" Lispector
Cônjuge Maury Gurgel Valente (1943-1959)
Filho(a)(s) 2
Ocupação Romancista, escritora, contista, colunista, cronista e jornalista
Prémios
Magnum opus
Escola/tradição Modernismo
Religião Judaísmo
Assinatura

Clarice Lispector (Chechelnyk, 10 de dezembro de 1920Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977) foi uma escritora e jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira — e declarava, quanto a sua brasilidade, ser pernambucana —, autora de romances, contos e ensaios, sendo considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX e a maior escritora judia desde Franz Kafka. Sua obra está repleta de cenas cotidianas simples e tramas psicológicas, sendo considerada uma de suas principais características a epifania de personagens comuns em momentos do cotidiano.

Nasceu em uma família judaica da Rússia que perdeu suas rendas com a Guerra Civil Russa e se viu obrigada a emigrar em decorrência da perseguição a judeus que estava sendo pregada então, resultando em diversos extermínios em massa. Clarice chegou ao Brasil , ainda pequena, em 1922, com seus pais e duas irmãs.[nota 1] A escritora dizia não ter nenhuma ligação com a Ucrânia - "Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo" - e que sua verdadeira pátria era o Brasil. Inicialmente, a família passou um breve período em Maceió, até se mudar para o Recife, onde Clarice cresceu e onde, aos oito anos, perdera a mãe. Aos quatorze anos de idade, transfere-se com o pai e as irmãs para o Rio de Janeiro, onde a família estabilizou-se, e onde o seu pai viria a falecer, em 1940.[1]

Estudou direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, conhecida como Universidade do Brasil, apesar de, na época, ter demonstrado mais interesse pelo meio literário, no qual ingressou precocemente como tradutora, logo se consagrando como escritora, jornalista, contista e ensaísta, tornando-se uma das figuras mais influentes da literatura brasileira e do modernismo e sendo considerada uma das principais influências da nova geração de escritores brasileiros. É incluída pela crítica especializada entre os principais autores brasileiros do século XX.

Suas principais obras marcam cada período de sua carreira. Perto do coração selvagem foi seu livro de estreia; Laços de família, A paixão segundo G.H., A hora da estrela e Um sopro de vida são seus últimos livros publicados. Faleceu em 1977, um dia antes de completar 57 anos, em decorrência de um câncer de ovário. Deixou dois filhos e uma vasta obra literária composta de romances, novelas, contos e crônicas.

Ruínas da sinagoga de Chechelnyk, aldeia onde Clarice nasceu.

Registrada como Chaya Pinkhasovna Lispector (em russo Хая Пинхасовна Лиспектор), Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920 na aldeia de Chechelnyk, região da Podólia, então parte da República Popular da Ucrânia e hoje parte da moderna Ucrânia. Filha dos judeus russos Pinkhas Lispector e Mania Lispector (nascida Krimgold), seu nascimento se deu em meio aos preparativos da família para a fuga do país, em razão do antissemitismo resultante da Guerra Civil Russa (1918-1920).[2] Pinkhas Lispector era um comerciante, filho do religioso[3] Shmuel Lispector e da burguesa Heived. Pinkhas e Mania se casaram no ano novo de 1889[4], por determinação dos pais. Do casamento nasceriam três filhas: Leah, em 1911;[5] Tania, em 1915;[6] e Chaya (ou Haia), em 1920.[7]

A fuga foi cogitada primeiramente por Mania Lispector e sua família, que já havia emigrado em sua maior parte para a América do Sul a fim trabalhar em organizações judaicas.[8] No entanto, Pinkhas concordou com a emigração somente em razão do avanço dos pogroms, no fim da década de 1910. Por volta de 1918, a pobreza fez com que a família se mudasse para a cidade de Haisyn, também na Podólia (no atual Oblast de Vinnitsa), onde ocorreram alguns pogroms. Durante um deles, por volta de 1919, Mania foi estuprada por um grupo de soldados, que lhe teriam transmitido sífilis.[nota 2][9]

A proibição da emigração de judeus fez com que os Lispector buscassem meios ilegais em uma primeira tentativa, que falhou e que fez com que eles se mudassem para uma aldeia mais próxima das fronteiras, Chechelnyk. No inverno de 1921, conseguiram deixar a Ucrânia após alcançarem o rio Dniestre, através do qual foram levados à cidade de Soroco, então pertencente à Romênia e atualmente à República da Moldávia.[10] Lá viveram em um albergue, e Mania foi internada em um hospital de caridade. Planejaram a fuga da Europa, com o intento de emigrar para o Brasil ou para os Estados Unidos, opção esta que acabou por ser inviável devido à aprovação do Emergency Quota Act, que dificultava a emigração do Leste Europeu.

Em 27 de janeiro de 1922, o consulado russo em Bucareste concede à família passaportes válidos para a emigração ao Brasil,[11] que foi feita em uma viagem que passou de Hamburgo a Budapeste e Praga. Em Praga embarcaram em um navio brasileiro que os levou, em condições precárias,[12] a Maceió, onde a irmã de Mania, Zicela, e seu marido, Joseph (ou José) Rabin os esperavam. No Brasil, os nomes russos foram substituídos por nomes da onomástica da língua portuguesa, com exceção de Tania: Pinkhas passou a ser Pedro; Mania transformou-se em Marieta; Leah virou Elisa; Chaya virou Clarice.[13]

Avenida Marquês de Olinda nos anos 1930, em Recife, para onde se mudou aos cinco anos.

Em Maceió, a família continuou a viver em condições precárias e enfrentou alguns conflitos decorrentes das dificuldades econômicas e culturais. Para sustentar a família, Pedro tornou-se um pequeno mascate, comprando roupas velhas e usadas em áreas carentes para revendê-las aos comerciantes da cidade,[14] e também deu algumas aulas particulares de língua hebraica para os filhos de alguns vizinhos e vendia cortes de linho. A situação melhorou somente quando Pedro, ao lado de José, passou a fabricar sabão, como fez na Ucrânia.[15]

Em 1924, aos quatro anos de idade, Clarice ingressou no jardim de infância. Em 1925, após três anos morando em Maceió, mudou-se, pouco depois de seu pai, para Recife com sua mãe e irmãs, possivelmente em consequências dos conflitos familiares e do desejo de Pedro de melhorar as condições da família mudando-se para um centro econômico que apresentava também uma população judaica mais coesa. Viveram no bairro Boa Vista.[16]

Em 1928, aos sete anos, aprendeu a ler e a escrever. Em 1930, pouco depois, escreveu, inspirada por uma peça que havia visto, sua primeira peça teatral, Pobre menina rica, de três atos e cujas páginas foram perdidas.[17] Em 1931, enviou contos para a página infantil do Diário de Pernambuco, mas o jornal não publicou seus textos porque “os outros diziam assim: ‘Era uma vez, e isso e aquilo...’. E os meus eram sensações. ... Eram contos sem fadas, sem piratas. Então ninguém queria publicar”.[18][19]. Após completar o jardim de infância, ingressou no ensino primário, na Escola João Barbalho, mostrando bastante interesse por matemática e passando a dar aulas dessa disciplina aos filhos dos vizinhos.

Por volta dessa época, mudaram-se para a rua Imperatriz Teresa Cristina. Em 1930, na terceira série, Clarice ingressou no Colégio Hebreu-Iídiche-Brasileiro, onde aprendeu hebraico e iídiche. O estado de Mania agravou-se, e Clarice escreveu, para tentar agradá-la, contos e peças,[20] mas em 21 de setembro de 1930, aos quarenta e dois anos, Mania Lispector morreu e foi sepultada no Cemitério Israelita do Barro. Em homenagem à mãe, Clarice compôs sua primeira peça para piano.

Em 15 de dezembro, seu pai deu início ao processo de nacionalização, solicitando um documento inicial. Em 17 de junho de 1931, encaminhou um pedido de naturalização. Em 1932, Clarice, aos doze anos, foi aprovada, ao lado da irmã Tania e da prima Bertha, no Ginásio Pernambucano.[21] Em 1933, decidiu tornar-se escritora quando “tomei posse da vontade de escrever ... vi-me de repente num vácuo. E nesse vácuo não havia quem pudesse me ajudar”.[22] Na sua última entrevista em vida, ela disse que nessa sua formação literária “misturei tudo. Eu lia romance para mocinhas, livro cor-de-rosa, misturado com Dostoiévski. Eu escolhia os livros pelos títulos e não pelos autores. Misturei tudo. Fui ler, aos treze anos, Hermann Hesse, ‘O Lobo da Estepe’, e foi um choque. Aí comecei a escrever um conto que não acabava nunca mais. Terminei rasgando e jogando fora”.[17][23][24] A família mudou-se para uma casa própria na avenida Conde da Boa Vista.

Adolescência

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Em 7 de janeiro de 1935, com 14 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, no navio inglês Highland Monarch,[25] onde seu pai esperava dar prosseguimento aos avanços de seu negócio e conseguir bons maridos para suas filhas nos círculos judaicos cariocas. Elisa, entretanto, ficou ainda alguns meses em Recife trabalhando, indo para o Rio de Janeiro pouco mais tarde e prestando concurso para o Ministério do Trabalho. Apesar de ter conquistado as melhores notas, não havia vagas, e ingressou no cargo graças à amizade da família com o político Agamenon Magalhães, então ministro do trabalho e anteriormente professor de geografia[26] de Clarice e Tania. Em 1938, Tania também tornou-se funcionária pública.[27]

Passam a primeira semana no Rio de Janeiro na residência de um casal judaico no bairro Flamengo e depois moram em uma casa antiga perto do Campo de São Cristóvão. Estabilizam-se na cidade logo em seguida, ocupando parte da casa 341 da rua Mariz e Barros, no bairro da Tijuca. Clarice então estudava o quarto ano do ginásio no colégio Sílvio Leite, na mesma rua de sua casa.

Em 1936, terminou o ginásio e ingressou, em 2 de março de 1937, em uma escola preparatória, a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, então chamada de Universidade do Brasil. A decisão causou estranhamento na época, tanto por Clarice ser mulher quanto por não pertencer à elite carioca, mas era justificada por seus desejos de mudanças sociais, pois “o que eu via [em Recife] me fazia como me prometer que não deixaria aquilo continuar”.

De acordo com ela, “como eu não tinha orientação de nenhuma espécie sobre o que estudar, fui estudar advocacia”. Apesar da relutância do pai, que temia mudanças estressantes na filha, ela seguiu com seus planos e tinha um objetivo: “Minha ideia ... era estudar advocacia para reformar as penitenciárias”.

Em 1938, mudou de escola preparatória, passando para o colégio Andrews, na praia de Botafogo, onde declarou-se nascida em Pernambuco. Por essa época voltou a dar aulas, desta vez visando ajudar a renda familiar através de aulas particulares de matemática e português, além de aprender datilografia e língua inglesa.

No Rio de Janeiro, os negócios de Pedro não obtiveram grande avanço, apesar de ele ter conseguido com dificuldade um emprego de representante comercial. Seu desejo de casar as filhas, entretanto, logrou através de Tania, que casou-se no início de 1938 com William Kaufmann, um judeu comerciante de móveis e decorador.

Por essa época deu-se o Estado Novo, por Getúlio Vargas, bem como o avanço da Segunda Guerra Mundial[28] e a intensificação informal das relações do Brasil com a Alemanha nazista e outros regimes ditatoriais, que fizeram com que o antissemitismo penetrasse no Brasil e novamente interferisse na vida da família Lispector, cujo pai, sionista, inclusive arrecadava fundos para os judeus na Palestina, apesar dos riscos.

Universidade do Brasil

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Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro atualmente, onde formou-se.

Em 1939, morando na rua Lúcio de Mendonça, no bairro Maracanã, ela ingressou no curso superior na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro ao mesmo tempo em que trabalha como secretária em um escritório de advocacia e em um laboratório, além de já estar fazendo traduções de textos científicos para revistas.

Em 1940, aos dezenove anos, seu interesse por direito havia diminuído, ao passo que por literatura aumentado, e ela publicou, em 25 de maio, seu primeiro conto conhecido, Triunfo, na revista Pan,[29] em que conta-se os pensamentos de uma mulher abandonada por seu companheiro. A posição política da revista de apoio aos regimes ditatoriais, que era semelhante às de outras revistas desse período, todas censuradas, não foi levada em conta por Clarice ao publicar o conto.

Em agosto, seu pai passou mal e foi levado a um médico, que informou-lhe que sua vesícula biliar precisaria ser retirada através de uma cirurgia considerada simples, que foi marcada para 23 de agosto. Após voltar da clínica com uma forte dor, Pinkhas Lispector morreu três dias depois, em 26 de agosto de 1940, aos 55 anos.

Tania, por já estar casada e ter uma residência, foi quem a partir de então tomou conta das duas irmãs, insistindo para que elas fossem morar com ela e seu marido no apartamento nos jardins do Palácio do Catete, onde, devido ao tamanho, Elisa teve que dormir na sala e Clarice no quarto de empregada, no qual passava o tempo estudando e escrevendo.

Nessa época, insatisfeita com o trabalho de escritório, ela buscou entrar na área do jornalismo, apesar das dificuldades levantadas às mulheres. De acordo com o que diria anos mais tarde em uma entrevista, passou a andar pelas redações de revistas oferecendo seus contos, até que provavelmente um dia chegou à redação da revista Vamos Ler!, direcionada ao público masculino de classe alta.

A imprensa na época era estritamente censurada pelo governo de Getúlio Vargas e estava sob o jugo do órgão recém-criado do Departamento de Imprensa e Propaganda, que permitia a circulação de determinados periódicos, como a Vamos Ler!, onde Clarice mostrou seus textos ao jornalista Raimundo Magalhães Júnior, secretário do ministro de propaganda, Lourival Fontes.

Eu sou tímida e ousada ao mesmo tempo. Chegava lá nas revistas e dizia: “Eu tenho um conto, você não quer publicar?”. Aí me lembro que uma vez foi o Raymundo Magalhães Jr. que olhou, leu um pedaço, olhou para mim e disse: “Você copiou isto de quem?”. Eu disse: “De ninguém, é meu”. Ele disse: “Então vou publicar”.[17]

Museu Imperial, em Petrópolis, em cuja inauguração conheceu o presidente Getúlio Vargas.

O primeiro texto publicado na revista foi provavelmente Eu e Jimmy, em 10 de outubro de 1940,[29] um conto com temática feminista centrado na relação amorosa entre um homem e uma mulher. Depois disso, de acordo com Tania, Clarice buscou entrar em contato com Fontes para conseguir entrar definitivamente na imprensa.

Apesar das dificuldades para entrar na área, na qual, de acordo com Tania, “você não fazia nada se não tivesse relações”, Clarice buscou entrar em contato com Fontes, o qual “gostou dela e a contratou[27] para trabalhar como tradutora na Agência Nacional, uma agência de notícias do governo. Como não havia vaga para tradutor, foi designada como editora e repórter, a única mulher ali que ocupava tal cargo.

Na equipe da Agência Nacional, conheceu Lúcio Cardoso, um escritor e jornalista mineiro então com 26 anos, já respeitado no meio literário. Desenvolveu uma forte amizade por ele, que compartilhava dos mesmo gostos literários que ela, e chegou a desenvolver uma paixão não-correspondida, pois Cardoso era homossexual.[30][31] A amizade com Cardoso e com o restante da equipe abre-lhe novas possibilidades profissionais e literárias, que fazem com que ela passe então a escrever e publicar prolificamente.

Em 1941, o trabalho como repórter fez com que ela fosse enviada para diversas localidades, como, por exemplo, à inauguração privada do Museu Imperial em Petrópolis, em 1º de maio, onde conheceu Getúlio Vargas; e a Belo Horizonte, em julho. Durante as viagens, publicou textos em periódicos de diversos lugares.

Em 19 de janeiro, publicou o artigo Onde se ensinará a ser feliz no periódico paulista Diário do Povo, sobre um evento presidido pela primeira-dama Darcy Vargas.[32] Em 9 de agosto, o conto Trecho sai pela Vamos Ler!,[33] sobre a espera de uma mulher por seu companheiro em um bar; no dia 30, Cartas a Hermengardo, trilogia de textos,[34] no semanário Dom Casmurro, destinado ao público jovem da classe alta, em que uma mulher aconselha um homem a ouvir seus instintos.

No mesmo ano também escreveu outros contos que serão publicados somente na coletânea póstuma A bela e a fera (1979): em setembro, Gertrudes pede um conselho; em outubro, seu conto de juventude mais longo, Obsessão, cujo protagonista, Daniel, reaparecerá em seu segundo romance, O lustre (1946), anos mais tarde, e que era baseado em Cardoso, um homem pela qual a narradora apaixona-se e guia-a; e em dezembro, Mais dois bêbados.[33]

Também dá partida a novos projetos na universidade, ainda objetivando o sistema penitenciário, através da colaboração com a revista universitária A Época, onde publicou os ensaios Observações sobre o fundamento do direito de punir, em agosto, e Deve a mulher trabalhar?, em setembro.[33]

O primeiro ensaio chamou a atenção de estudiosos posteriores por dizer que “O homem é punido pelo seu crime porque o Estado é mais forte que ele, a Guerra ... não é punida porque se acima dum homem há os homens acima dos homens nada mais há”, o que foi interpretado tanto como uma justificativa filosófica e maquiavélica para a ditadura e o nazismo quanto um eco de um ateísmo incipiente de Clarice.[35] Depois desse afastamento, no entanto, na mesma ela época passou a aproximar-se novamente da religião através de leituras de Franz Kafka, também judeu, e do filósofo Baruch de Espinoza,[36] de quem foi encontrada uma antologia francesa na biblioteca de Clarice datada de 14 de fevereiro de 1941 e que inspirou a escrita de seu primeiro romance, Perto do coração selvagem (1942).

Perto do coração selvagem

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Manchete do jornal A Noite, em cuja redação trabalhou como redatora.

Por intermédio de Cardoso, passou a frequentar o grupo de amigos que se encontrava no bar Recreio, na Cinelândia, e era composto por literatos como Vinicius de Moraes, Cornélio Pena, Rachel de Queiroz e Otávio de Faria. Através da Agência Nacional também conheceu o poeta Augusto Frederico Schmidt, que foi entrevistado por ela a propósito de fibras industriais, mas que, frente à admiração que Clarice expressou por sua poesia, deu início a uma amizade com ela que duraria o resto de sua vida.[37]

Os textos escritos para a Agência Nacional[38] nessa época seguem a linha editorial feita para agradar a censura do regime de Vargas, resumindo-se a entrevistas com coronéis e generais estrangeiros de passagem pelo Brasil e de coberturas de inaugurações de locais ligados ao governo.[39]

Com o primeiro salário de jornalista comprou o livro Felicidade, de Katherine Mansfield, que a influenciaria ao longo da vida e sobre o qual comentou, em sua primeira leitura: "Este livro sou eu!"

Ao final do ano, com a paixão por Cardoso superada, iniciou um relacionamento amoroso com Maury Gurgel Valente, futuro marido e então colega universitário de direito. Maury, nascido em 1921 no Rio de Janeiro, iniciou o curso em 1938, um ano antes dela, e mudou-se de países quase tanto quanto Clarice na infância.

Em 1942, passou as duas semanas das férias de janeiro na fazenda Vila Rica, em Avelar, no Rio de Janeiro, de onde manteve correspondência com Maury. Os dois ansiavam por casar-se, mas ele havia sido aprovado em agosto de 1940 no exame para o serviço estrangeiro e transformando-se em diplomata brasileiro, proibido portanto, pela legislação da época, de casar-se com uma estrangeira, no caso Clarice, ainda não naturalizada brasileira.

A naturalização só poderia ser requerida após o aniversário de 21 anos, em 10 de dezembro de 1941, e o pedido foi organizado logo depois por Samuel Malamud, advogado da Podólia e amigo da família. Em suas tentativas de apressar o processo, chegou a escrever a Getúlio Vargas, pois ele havia perguntado o motivo de ainda não estar naturalizada, mas o processo seguiu o tempo normal.

Em fevereiro, transferiu-se para a redação do jornal A Noite, cuja redação era dividida com a Vamos Ler! e, assim como esta, uma extensão do órgão governamental para o qual a Agência Nacional também trabalhava. Em 2 de março, ganhou seu primeiro registro profissional,[33] trabalhando oficialmente como redatora sob salário de 600 mil réis.

Teve o primeiro contato com textos de escritores modernistas como Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, através de leituras feitas com o amigo Francisco de Assis Barbosa. Este último aconselhou-a no processo de escrita de seu primeiro romance.

Em março, começou a planejar seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, concluído em novembro e constituído basicamente de rascunhos e escritos separados, unidos em um livro por sugestão de Lúcio Cardoso, que também sugeriu um título, "Perto do coração selvagem", retirado de uma passagem do livro Retrato do artista quando jovem, de James Joyce,[nota 3] cujas técnicas, para Cardoso, remetiam às de Clarice.

Também em março deu início a O lustre.

Casamento e diplomacia

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Calçada do Largo da Pólvora, para onde mudou-se em missão diplomata de seu marido.

Em 12 de janeiro de 1943, obteve a naturalização, e, em 23 de janeiro, em cerimônia civil, casou-se com Maury Gurgel Valente. Os dois mudam-se temporariamente para a casa dos sogros, Mozart e Maria José Gurgel Valente, no bairro da Glória, e depois para a rua São Clemente, em Botafogo.

Em 3 de maio, recebeu a carteira profissional do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Em 17 de dezembro, ela e seu marido formam-se em direito, e não comparecem à cerimônia de colação de grau.

Perto do coração selvagem foi encaminhado para os dirigentes do jornal A Noite, que também contava com uma editora, na qual foi publicado em dezembro de 1943, com impressão de mil exemplares. A pressão dos jornalistas fez com que o livro fosse publicado, dando à autora cem exemplares em troca dos direitos de venda e lucros posteriores, os quais foram enviados por ela a críticos.

A publicação foi recebida com furor no meio literário, causando principalmente elogios da crítica especializada e comparações com escritores europeus como Virginia Woolf, James Joyce, Jean-Paul Sartre e Marcel Proust, o que irritou Clarice, que anos mais tarde negaria a influência e afirmaria na época não ter lido nenhum livro desses autores. Também então começou-se um processo de mitificação da autora através do início dos boatos de que Lispector era um pseudônimo de um escritor famoso. A principal crítica negativa, de Álvaro Lins, sugeria que “temperamentos femininos” enfraqueciam a obra.

Em 11 de janeiro de 1944, adotou o nome de casada na carteira de trabalho, Clarice Gurgel Valente. No dia 19, mudou-se, sob licença do A Noite, com o marido para Belém devido a suas funções como vice-cônsul. Por essa época, sem ocupações profissionais, dedicou-se à leitura de escritores que desconhecia, como Jean-Paul Sartre, Rainer Maria Rilke, Marcel Proust, Rosamond Lehmann e Virginia Woolf.

Em maio, mostrou algumas partes de seu segundo livro, O lustre, para Cardoso. Em 5 de julho, um mês após o fim da Segunda Guerra Mundial, recebeu a notícia de que seu marido seria transferido para o consulado brasileiro na comuna italiana de Nápoles.

Em 19 de julho, o casal, após alguns dias no Rio de Janeiro, começou a viagem, parando em uma base norte-americana em Parnamirim, Natal, onde esperariam transporte, que chegaria primeiro a Maury e mais tarde a seus dependentes, no caso Clarice, seguindo as ordens enviadas pelo governo.

Em 30 de julho, embarcou, e no dia seguinte chegou à Libéria, em uma base da força aérea dos Estados Unidos em Fisherman’s Lake. Em 1 de agosto, parou em Bolama, na Guiné portuguesa, e foi para Dakar, no Senegal, onde ingressou em um avião particular que a levou a Lisboa, Portugal.

Em Lisboa, atendeu a um jantar dado pelo poeta e diplomata brasileiro Ribeiro Couto, no qual compareceram o biógrafo João Gaspar Simões, a romancista Maria Archer e a poeta Natércia Freire, com a qual estabeleceria uma longa amizade.

Depois de uma semana e meia, seguiu para Casablanca, Marrocos, e depois para Argel, Argélia, onde hospedou-se na casa de seu sogro, Mozart Gurgel Valente. Em 24 de agosto, chegou à Itália, acompanhada de Mozart e do amigo da família Vasco Leitão da Cunha, onde morou na rua Gianbattista Pergoless.

Requisitou às autoridades militares permissão para poder fazer trabalho comunitário em ajuda às enfermeiras em um hospital norte-americano em Nápoles, para onde os casos de guerra mais graves eram enviados. Visitou diariamente o hospital, escrevendo e lendo cartas para os soldados e fazendo o que eles necessitassem.

Esfinge de Gizé, que conheceu na viagem de volta do Rio de Janeiro a Nápoles, em 1946.

Em outubro, Perto do coração selvagem ganhou o Prêmio Graça Aranha de melhor romance do ano. Em novembro, O lustre foi concluído, escrito de forma linear, ao contrário do anterior. Esperou que, com o sucesso de seu primeiro livro, pudesse escolher entre editoras e publicar na José Olympio, mas enganou-se e teve que publicá-lo na editora católica Agir, com ajuda de Cardoso.

Em 1945 intensificou a correspondência com os amigos brasileiros, recebendo cartas e livros de, entre outros, Manuel Bandeira, de quem recebeu Poesias completas e Poemas traduzidos. Também passou a reler escritores como Proust, Kafka e a poesia de Emily Brontë, traduzida por Cardoso.

Em 8 de maio, no fim da Segunda Guerra Mundial, em Roma, por sugestão de um amigo em comum, conheceu o pintor surrealista Giorgio de Chirico, que pintou seu retrato, o qual, tanto quanto o artista, não a agradou muito.

Fez viagens pela Itália por Florença, Veneza e novamente Roma, visitando também Córdoba, na Espanha. Conheceu também o poeta e professor italiano Giuseppe Ungaretti. Adotou um cão vira-lata que encontrou em Nápoles, chamado de Dilermando e que inspiraria alguns textos.

Em 23 de novembro, Manuel Bandeira enviou uma carta pedindo o segundo romance e alguns poemas para publicação em antologia. Em resposta à leitura desses poemas, Bandeira enviou uma carta criticando fortemente a poesia de Clarice, o que fez com que ela queimasse todos os poemas que havia escrito. Mais tarde, Bandeira lamentaria ter feito aquele comentário, dizendo: “Você é poeta, Clarice querida. Até hoje tenho remorso do que disse a respeito dos versos que você me mostrou. Você interpretou mal as minhas palavras [...] Faça versos, Clarice, e se lembre de mim”.[40]

Por essa época, em suas cartas, Clarice passa a demonstrar saudades do Brasil e inquietação quanto à vida diplomática. Em dezembro, Maury é promovido a cônsul de segunda classe.

No início de 1946, O lustre é publicado. Clarice é enviada como correio diplomático do Ministério das Relações Exteriores ao Rio de Janeiro entre janeiro e março, em uma rápida visita, durante a qual conheceu novos amigos que marcariam sua vida. Entre outras pessoas, conheceu Bluma Chafir Wainer, esposa do jornalista Samuel Wainer, Rubem Braga, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos, com quem Clarice teria um romance, após separar-se do marido.[31]

Em 8 de março, é noticiada a transferência de Maury para Berna, Suíça. No dia 21, Clarice volta à Itália através do Egito, onde conheceu a esfinge de Gizé. Ao chegar a Napóles, a mudança já estava preparada e, devido a um rumor falso de que os hotéis suíços não aceitavam cães, teve que abandonar Dilermando.

Em Berna, mudou-se primeiro para o hotel Bellevue-Palace e depois para a rua Ostring. Enfrenta novas dificuldades de adaptação e passa a frequentar os cinemas quase diariamente. Também começa novas leituras de autores como Henrik Ibsen, Theodore Dreiser, Jean Cocteau e Simone de Beauvoir.

Continua escrevendo e publica alguns contos no jornal carioca A manhã, no suplemento Letras e Artes: O crime, em 25 de agosto, inspirado no abandono de seu cão e que mais tarde seria reescrito como O crime do professor de matemática, seria o primeiro conto do livro Laços de família. O jantar é publicado em 13 de outubro.

No entanto, também, a escritora, mais uma vez, nega a conhecer Sartre, quando, na verdade, o conhecia suficientemente até para dele se diferenciar, pelo menos desde o seu segundo livro, O Ilustre, conforme ela mesma afirmou mais tarde: "Acontece que só vim a saber da existência de Sartre no meu segundo livro" (Cf. BORELLI, 1981, p. 66). De acordo com Nádia Gotlib, inclusive, "uma das possíveis razões de o livro ter sido bem recebido na França pode ter sido mesmo a idéia de que teria tido ele influência do existencialismo" (GOTLIB, 1995, p. 340). Muitos dos trabalhos críticos sobre a obra da autora confirmam a relação daquela com a filosofia existencialista de Sartre.[41]

Clarice Lispector, 1972. Arquivo Nacional.

Um adendo: além do O Ilustre, a obra de Clarice A maçã no escuro é também entendida como influenciada pelo pensamento filosófico de Sartre. Guimarães compara A maçã no escuro ao romance de Sartre A náusea e nota traço esquizo em Martim, por este apresentar pensamento fragmentado, com ausência de elos. Segundo Guimarães, a consciência tanto de Martim quanto de Roquentin (protagonista do romance de Sartre), "opera por contiguidade, adesão, coexistência em relação aos circunstantes e não por identificação, à maneira psicanalítica".[42] No mais, muitos críticos literários discutiram a influência do existencialismo de Sartre e da discussão e papéis femininos/masculinos de Simone de Beauvoir nas narrativas de Clarice Lispector. Isso pode ser encontrado, por exemplo, nos seguintes textos: BRASIL, Assis. Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Simões, 1969; NUNES, Benedito. O mundo de Clarice Lispector; op. cit.; HERMAN, op. cit., p. 69-74; PONTIERO, Giovanni. The drama of existence in Laços de família. Studies in Short Fiction, n.8, 1971 e ANDERSON, Robert K. Myth and existencialism in Clarice Lispector's, 1985.[43]

Neste contexto, e feitas estas considerações pertinentes, é possível pensar uma influência da filosofia formulada por Sartre, Simone de Beauvoir e outros na obra de Clarice, embora fosse temerário considerar a autora como adepta do existencialismo. A verdade é que a filosofia existencialista de Sartre marcou profundamente a geração de intelectuais contemporâneos de Clarice Lispector.[44][45][46][47] No fim do ano, frequenta o terapeuta Ulysses Girsoler. Ela e Maury passam o réveillon na França, com o casal Wainer, a convite de Bluma.[48]

Maturidade e morte

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Clarice e Tom Jobim, sem data. Arquivo Nacional.

Em 10 de agosto de 1948, nasce em Berna, Suíça, o seu primeiro filho, Pedro Lispector Valente.[49] Em 10 de fevereiro de 1953, nasce Paulo Lispector Valente, o segundo filho de Clarice e Maury, em Washington, D.C., nos Estados Unidos.[49]

Quando criança, seu filho mais velho, Pedro, se destacava por sua facilidade de aprendizado e bom comportamento, porém, na adolescência, sua falta de atenção nos estudos e extrema ansiedade acompanhada de agitação consigo mesmo e com a família, foram diagnosticadas como esquizofrenia. Clarice se sentia culpada, sem saber o porquê, pela doença mental do filho, e teve dificuldades para lidar com a situação, recorrendo a psicólogos, psiquiatras e internações, pois o menino era muito agressivo.[50]

Em 1959, Clarice separa-se do marido, devido ao fato de ele estar sempre viajando a trabalho, exigindo que ela o acompanhasse todo o tempo. Não querendo abrir mão de sua carreira e querendo cuidar do filho esquizofrênico em um local fixo, sem as constantes viagens, que deixavam o menino mais nervoso, sem as constantes mudanças de escola do outro filho, que não estava fazendo amizades, e cansada das desconfianças e ciúmes do marido, Clarice deu um fim na relação. O ex-marido fica na Europa, e ela volta a viver permanentemente no Rio de Janeiro com seus filhos, indo morar com eles em um apartamento no Leme. No mesmo ano assina a coluna "Correio feminino - Feira de Utilidades", no jornal carioca Correio da Manhã, sob o pseudônimo de Helen Palmer. No ano seguinte, assume a coluna "Só para mulheres", do Diário da Noite, como ghost-writer da atriz Ilka Soares.

Em 14 de setembro de 1966, provoca, involuntariamente, um incêndio ao dormir deixando seu cigarro aceso. O quarto fica destruído, e a escritora é hospitalizada, ficando entre a vida e a morte por três dias. Sua mão direita é quase amputada devido aos ferimentos. Mesmo depois de passado o risco de morte, fica hospitalizada por dois meses. Clarice começara a fumar e beber ainda na adolescência, enquanto compunha seus poemas.[49]

Estátua da escritora e seu cão Ulisses, no Leme, inaugurada em 2016 (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Em 1975, é convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, em Cali , na Colômbia. Faz uma pequena apresentação na conferência, e fala do seu conto "O ovo e a Galinha", que, traduzido para o espanhol, faz sucesso entre os participantes. Ao voltar ao Brasil, a viagem de Clarice ganha ares mitológicos, com jornalistas descrevendo (falsas) aparições da autora vestida de preto e coberta de amuletos. Essa imagem se consolida, e Clarice é referida como "a grande bruxa da literatura brasileira". Sobre sua obra, o amigo Otto Lara Resende declara: "não se trata de literatura, mas de bruxaria."[50]

Pouco tempo depois da publicação do romance A Hora da Estrela, Clarice é hospitalizada, com um câncer de ovário detectado tarde demais e inoperável. A doença se espalhara por todo o seu organismo. Clarice faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Seu corpo foi sepultado no Cemitério Israelita do Caju, no Rio de Janeiro, no dia 11 de dezembro. Até a manhã de seu falecimento, mesmo sob sedativos, Clarice ainda ditava frases para sua melhor amiga, Olga Borelli, que sempre estivera ao lado da amiga, desde a juventude.

Durante toda a sua vida, Clarice foi amiga de grandes escritores, como Fernando Sabino, Lúcio Cardoso, Rubem Braga, San Tiago Dantas entre outros.

Como tradutora

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Jorge Luis Borges, escritor cujo conto foi sua única tradução do espanhol.

Sabe-se que Clarice Lispector dominava pelo menos sete idiomas: português, inglês, francês e espanhol, fluentemente; hebraico e iídiche, com alguma fluência; e russo, com pouca fluência levada da infância. Como tradutora para o português, entretanto, utilizou somente o inglês, o francês e o espanhol.[nota 4]

Além de contos e artigos, traduziu ao todo 35 livros de diversos gêneros e escritores: 13 do inglês; 10 do francês; e 2 provavelmente do inglês ou do francês e talvez do espanhol ou do grego.[51] Contando-se contos, foram mais de 40 traduções.[52]

Em 1941, antes de dar início à sua carreira literária, quando começou a trabalhar na revista Vamos Ler como repórter, também contribuía com traduções, sendo a sua primeira o conto Le missionaire, de Claude Farrère.[52]

Em 1963, após um hiato de mais de vinte anos, voltou à ativa com a tradução do inglês do romance The winthrop Woman, de Anya Selton, pela editora Ypiranga.[53][52] Pelos próximos seis anos, lançou mais duas traduções do inglês pela Ypiranga, uma de Agatha Christie[54] e outra de Alistair MacLean.[52]

Publicou, em 1968, na Revista Jóia, a crônica Traduzir procurando não trair, em que comentou suas preocupações no processo de tradução para manter a fidelidade e outras reflexões sobre o ofício.[55]

Em 1969, publicou sua primeira e única tradução do espanhol, do conto Historia de los dos que soñaron, de Jorge Luis Borges, no Jornal do Brasil. Em 1973, sua primeira tradução do francês, Lumière allumées, de Bella Chagal, pela editora Nova Fronteira.[52]

No restante de sua vida, publicou diversas traduções, tanto em periódicos quanto em editoras. A última tradução publicada em vida foi a do francês do romance Le bluff du futur, de Georges Elgozy, em 1976, pela editora Artenova.[56] Duas traduções, entretanto, ainda seriam publicadas postumamente, do francês: L’homme au magnétophone, de Jean-Jaques Abrahams, em 1978, pela Imago Editora;[57][52] e da tradução francesa Curtain, de Agatha Christie, em 1987, pela Editora Record.[58][54]

As editoras em que mais publicou foram a Artenova, em um total de 11, a Nova Fronteira, 6, e a Ypiranga, 4. Os anos mais prolíficos foram 1975, com 8, 1976, com 4, e 1974, com 4.[52]

Na sua última década de vida, em 1970, pouco depois de quando começou a escrever textos infantis, também fez três traduções adaptadas direcionadas para o público infantojuvenil,[59] todas pela editora Abril Cultural: publicada em 1973, do inglês, Gulliver’s travels, de Jonathan Swift;[60] The history of Tom Jones, a foundling, de Henry Filding;[61] e postumamente em 1980, do francês, L’Ïle Mystérieuse, de Júlio Verne.[62][52]

Em 1970, publicou uma tradução baseada em O talismã, de Walter Scott, pela Ediouro.[63] Também publicou contos reescritos a partir de traduções de Edgar Allan Poe em 1974 e 1975, que aparentemente foram escritos em um mesmo período e posteriormente reunidos em Histórias Extraordinárias de Allan Poe, pela Ediouro, de data não informada.[64][52]

Traduções no exterior

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A paixão segundo G.H. (1964), traduzido para 22 línguas.

No total, a obra de Clarice Lispector recebeu mais de 200 traduções para mais de 10 idiomas, do tcheco ao japonês, sendo mais de 179 traduções integrais de livros e 25 de contos publicados em periódicos. Seus livros mais traduzidos são principalmente romances: A hora da estrela, com 22 traduções; A paixão segundo G. H., também com 22; Perto do coração selvagem, com 18; Laços de família, com 16; e Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, com 15.[65]

As traduções foram iniciadas logo depois do início de sua carreira literária e receberam uma boa acolhida da crítica especializada, sendo os idiomas com mais tradução o espanhol, o inglês e o francês.

Em 1954, seu primeiro livro a ser traduzido foi lançado na França: Perto do coração selvagem, em tradução de Denise-Teresa Moutonnier pela editora Plon.[66] A tradução desagradou Clarice, que enviou reclamações sobre erros ao editor, Pierre de Lescure, mas acabou por preferir fingir que a tradução nunca existiu.

Em 1955, veio a primeira tradução para o espanhol: Água viva, por Haydeé Yofre para a Sudamericana.[67] Em 1961, a primeira para o inglês: A maçã no escuro, por Gregory Rabassa para a editora da Universidade do Texas.[68]

Em 1963, teve sua primeira tradução para o alemão como a primeira tradução de um de seus livros de contos: Laços de família, por Marianne Eyre, Margareta Ahlberg e Arne Lundgren, para a Norstedts.[69] Em 1964, também para o alemão: A maçã no escuro, por Curt Meyer-Clason para a Classen.[70] Em 1966, duas de suas obras são traduzidas para o alemão: Onde estivestes de noite? por Sarita Brandt para a Suhrkamp;[71] e o conto A imitação da rosa por Curt Meyer-Clason para a Claassen.[72]

Em 1969, A paixão segundo G. H., para o espanhol, por Juan García Gayo para a Monte Avila.[73] Em 1973, a primeira para o tcheco: Perto do coração selvagem, por Přeložila Pavla Lidmilová para a Odeon;[74] e também o primeiro livro de contos traduzido para o espanhol, Laços de família, por Haydeé Yofre Barroso para a Sudamericana.[75]

Em 1974, duas traduções para o espanhol: A maçã no escuro, por Juan García Gayo para a Sudamericana;[76] e o conto infantil O mistério do coelho pensante, por Mario Trejo para a De La Flor.[76]

Em 1975, outras duas para o espanhol: Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, por Juan García Gayo para a Sudamericana;[77] e A via crucis do corpo, por Haydeé Yofre Barroso para a Santiago Rueda.[77]

Em 1977, ano de sua morte, tem três obras traduzidas: A paixão segundo G. H. para o inglês, por Jack H. Tomlins para a Knopf;[78] Perto do coração selvagem para espanhol, por Basilio Losada para a Alfaguara;[79] e o conto Uma esperança, de Felicidade clandestina, para o espanhol, sob o título de La araña, por Haydeé Yofre Barroso para a Corregidor.[80]

Depois de sua morte, sua obra popularizou-se cada vez mais, alcançando um ápice na década de 1980, com quase duas traduções por ano, depois da qual recebeu nova tradução em praticamente todo ano.

Depois de traduções por diversos tradutores para diversas tradutoras, editoras específicas começaram um processo de edição criterioso de suas obras, com tradução e projeto gráficos padronizados, dando um novo ápice de tradução da obra de Clarice Lispector, iniciado na década de 2000 e que ainda continua.

Das novas traduções destaca-se a série liderada por Bejamin Moser para a editora britânica Penguin Books na década de 2010,[81] que foi iniciada com a publicação da biografia Why this world, em 2011, e tinha como intuito traduções mais fiéis que as anteriores. O objetivo da série, de acordo com Moser, que convidou outros quatro tradutores para a tarefa, é disponibilizar ao público anglófono traduções mais fieis do que as anteriores, que teriam tentado corrigir certas características da escrita da autora.[82]

A série faz parte de uma outra maior dedicada à difusão da literatura latina e foi publicada em 2014, contando com quatro traduções: Perto do coração selvagem, pela tradutora australiana Alison Entrekin;[83] Água viva, pelo editor Stefan Tobler;[83] A paixão segundo G. H., pela poeta e acadêmica Idra Novey;[83] Um sopro de vida, pelo professor universitário brasileiro Johnny Lorenz;[83] e A hora da estrela, por Moser.[83][82]

Romance

Estátua da escritora na Praça Maciel Pinheiro, no bairro de Boa Vista, área central de Recife, Pernambuco.

Novela

Contos

Literatura infantil

  • O mistério do coelho pensante (1967)
  • A mulher que matou os peixes (1968)
  • A vida íntima de Laura (1974)
  • Quase de verdade (1978)
  • Como nasceram as estrelas (1987)

Crônicas

  • Para não esquecer (1978)
  • A descoberta do mundo (1984)

Correspondências

  • Correspondências (2002)
  • Minhas queridas (2007)

Entrevistas

  • Entrevistas (2007)

Artigos de Jornais

  • Outros Escritos (2005)
  • Correio Feminino (2006)
  • Só para mulheres (2006)

Notas

  1. Clarice dizia ter chegado ao Brasil aos dois meses de idade, mas os documentos atestam que ela nasceu em 10 de dezembro de 1920, e os passaportes para o Brasil só foram concedidos em 27 de janeiro de 1922; portanto optou-se por manter a informação comprovável por mais de uma fonte.
  2. Fonte terciária dada pela escritora Claire Varin, em uma entrevista concedida ao biógrafo Benjamin Moser, em Laval, Québec, no dia 7 de janeiro de 2006. Outras fontes atribuem os problemas de Mania a outros eventos. Não há depoimento das filhas que confirme a hipótese do estupro.
  3. A frase de Joyce que inspirou o título do romance de Clarice Lispector é: "Ele estava só. Estava abandonado, feliz, perto do coração selvagem da vida".
  4. Aprendeu português no Brasil; inglês, francês e espanhol na adolescência; hebraico e iídiche no Colégio Hebreu-Iídiche-Brasileiro, atual Colégio Israelita Moisés Chvarts (ver «Os 95 anos do Colégio Israelita». webcache.googleusercontent.com  no site do Colégio Israelita Moisés Chvarts), do Recife. Alguns biógrafos afirmam que também aprendeu um pouco de russo através do contato com familiares.

Referências

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Ligações externas

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