Navio de Teseu
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O Navio de Teseu (Θήσεια ναυς) é um experimento mental sobre se um objeto que teve todos os seus componentes originais substituídos permanece o mesmo objeto. De acordo com a lenda, Teseu, o mítico rei fundador grego de Atenas, resgatou as crianças atenienses do rei Minos após ter matado minotauro e então escapou para um navio indo para Delos. Todos os anos, os atenienses comemoravam isso levando o navio em peregrinação a Delos para homenagear Apolo. Uma questão foi levantada pelos filósofos antigos: "após vários séculos de manutenção, se cada parte individual do Navio de Teseu fosse substituída, uma de cada vez, ainda seria o mesmo navio?".
Na filosofia contemporânea, este experimento mental tem aplicações ao estudo filosófico da identidade ao longo do tempo e inspirou uma variedade de soluções e conceitos propostos na filosofia da mente contemporânea preocupada com a persistência da identidade pessoal.
Os navios
[editar | editar código-fonte]Os navios que Atenas enviava para Creta, para pagar o tributo pela morte de Androgeu, filho de Minos,[1] usavam velas negras, mas Teseu, na terceira vez, disse para levarem velas brancas, que deveriam ser usadas na volta, caso Teseu conseguisse matar o Minotauro.[2]
O paradoxo
[editar | editar código-fonte]O navio de Teseu é inspiração para um paradoxo.
De acordo com lendas gregas, conforme relato de Plutarco:[3]
O navio com que Teseu e os jovens de Atenas retornaram (de Creta) tinha trinta remos, e foi preservado pelos atenienses até o tempo de Demétrio de Falero, porque eles removiam as partes velhas que apodreciam e colocavam partes novas, de forma que o navio se tornou motivo de discussão entre os filósofos a respeito do conjunto de caracteres próprios e exclusivos com os quais se podem diferenciar objetos inanimados uns dos outros.
O paradoxo foi discutido por outros antigos filósofos, como Heráclito, Sócrates, Platão antes dos escritos de Plutarco, e mais recentemente por Thomas Hobbes, John Locke e Gottfried Leibniz. Este problema é "um modelo para os filósofos" [4]. Por exemplo, no livro: "Identity, Persistence, and the Ship of Theseus" há duas versões:
" (1) Versão Simples:
Seja A = O navio em que Teseu começou a sua viagem.
Seja B = O navio em que Teseu terminou sua viagem.
A questão não é apenas se "A=B?"; suponha que Teseu havia deixado uma peça original do barco A no barco B. Uma peça de A é o suficiente para fazer A idêntico a B? Se não, seria idêntico a B supondo que ele havia deixado duas peças, etc. Onde devemos traçar a linha da identidade do barco?
(2) Versão Complexa: Igual a versão simples, mas com uma adição - seguindo Teseu havia um outro barco, o Carniceiro, que pega as partes que Teseu atira ao mar, e as utiliza para se reconstruir. O Carniceiro ao chegar no porto é um navio que se compõe precisamente das partes que compunham o navio que Teseu começou a viagem. Ele aporta na doca seu navio ao lado do navio que Teseu aportou.A versão complexa dá origem a dezenas de perguntas e análises sobre a identidade de ambos os navios que buscam uma resposta que forneça o conjunto de condições necessárias e condições suficientes para a identidade do navio de Teseu e do navio Carniceiro." S. Marc Cohen, Professor Emeritus do departamento de Filosofia da Universidade de Washington
Dúvida de Hobbes
[editar | editar código-fonte]Thomas Hobbes, em De Corpore[5], acrescenta à discussão filosófica acima o fato de que alguns atenienses, mais preocupados com o autêntico do que com aquilo que deve permanecer, foram recolhendo num armazém, ao longo dos anos, as peças velhas que já não serviam o lustro de estreia do navio restaurado. Um dia, chegou a Atenas um forasteiro que, entusiasmado pelos relatos da vida do herói, quis visitar a suprema relíquia do seu ídolo. Ao saber da história da lenta renovação do navio, o visitante pediu aos atenienses que o conduzissem até ao “barco de Teseu”.
Foi então que surgiu a dúvida: afinal, qual deles era “o barco de Teseu”? O monumento luminoso que Atenas expunha aos olhos deslumbrados do mundo, ou os destroços de peças desgarradas que se acumulavam a um canto do armazém? A unidade proposta a partir de cópias do que já lá estava, ou o apagamento progressivo dos elementos originais? Se a resposta fosse afirmativa para ambos os casos, como é que o autêntico barco de Teseu se transformou em dois? Dois = um? O que vale mais, a unidade aparente do aparentemente imutável (o navio no museu), ou a decomposição da unidade sob a pressão do tempo? Como se pode, nesse caso, fixar o significado de “permanecer”, ou de “mudar”? Como é que o barco do museu permanece como “o” barco de Teseu” a partir das escamas novas que se lhe vão adicionando? Como é que o monte de destroços permanece como “o” barco de Teseu, se já não é obviamente o navio de Teseu?
Depois da saída desanimada do forasteiro, os atenienses depararam-se, inquietos, com a impossibilidade de uma resposta para todas estas questões e nem Plutarco nem Hobbes relatariam a sua decisão final. [6][7]
Solução de Leibniz
[editar | editar código-fonte]O filósofo alemão, Gottfried Leibniz, para resolver a discussão filosófica e também a dúvida de Hobbes, sugeriu o que agora é chamado de lei de Leibniz [8]. A Lei de Leibniz afirma:
X é o mesmo que Y se, e apenas se, X e Y têm as mesmas propriedades e relações, assim, tudo o que é verdade para X é também verdadeiro de Y, e vice-versa. [nota 1]
Aplicando Lei de Leibniz para o problema filosófico do navio de Teseu, B é o mesmo que A se, e apenas se, B e A têm todas as mesmas propriedades e relações. O navio agora no porto tem as mesmas propriedades e relações que o navio que estava no porto de cinquenta anos atrás? Podemos ser tentados a dizer: "Claro que não! Eles têm muitas propriedades diferentes. Então, eles não podem ser o mesmo navio." Será que isso soa convincente? Para responder a esta pergunta, vamos considerar a propriedade, "contém mastro nº 1". Mastro nº 1 é um dos mastros que o navio original de Teseu tinha. A definitivamente tinha essa propriedade, mas B não é tão equipado, mas tem mastro nº 2, em seu lugar. Daqui resulta que B deve, portanto, ser diferente do A.
Muitos filósofos se opõem veementemente a este ponto de vista. Porque, se este argumento funciona, então qualquer propriedade que mudou desde a última vez que se olhou para uma coisa significaria que a coisa não existe mais, e há uma coisa nova em seu lugar.[9]
Ver também
[editar | editar código-fonte]- Homem do pântano
- Mereologia
- O príncipe e o sapateiro, de John Locke
- Teletransportador (Derek Parfit)
Notas
- ↑ Leibniz se refere ao Navio de Teseu em Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano, II, cap. XXVII, § 4, notando que qualquer corpo físico ordinário pode ser visto como “um rio, que sempre muda de água, ou como o Navio de Teseu, que os atenienses reparavam constantemente” (in Os Pensadores, trad. L.J. Baraúna, São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 173).
Referências
- ↑ Plutarco, Vidas Paralelas, Vida de Teseu, 15.1
- ↑ Plutarco, Vidas Paralelas, Vida de Teseu, 17.4
- ↑ Plutarco, Vidas Paralelas, Vida de Teseu, 23.1
- ↑ The Problem of Material Constitution, Rea, M., 1995 The Philosophical Review, 104: 525-552.
- ↑ The English text de De Corpore, de "Molesworth's edition" dos trabalhos de Hobbes -Latin version
- ↑ http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/Biographies/Hobbes.html
- ↑ Stephen J. Finn, Thomas Hobbes and the Politics of Natural Philosophy (2006), pp. 42-5.
- ↑ Identidade e Indiscernibilidade, Decio Krause 2009
- ↑ As Percepções Inconscientes e a Metafísica, por Michael P de Abreu
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Blackburn, Simon, ed. (2016). «Ship of Theseus» (Ebook). The Oxford dictionary of philosophy Third ed. Oxford: Oxford University Press. ISBN 9780191799556. OCLC 945776618
- Chomsky, Noam (2010). Chomsky Notebook. [S.l.]: Columbia University Press. 9 páginas. ISBN 978-0-231-14475-9
- Chomsky, Noam (29 de janeiro de 2009). Massimo Piattelli-Palmarini; Juan Uriagereka; Pello Salaburu, eds. Of Minds and Language: A Dialogue with Noam Chomsky in the Basque Country. [S.l.]: Oxford University Press. 382 páginas. ISBN 978-0-19-156260-0
- Grand, Steve (Maio de 2003). Creation: Life and How to Make It (em inglês). [S.l.]: Harvard University Press. ISBN 978-0-674-01113-7. Consultado em 24 de setembro de 2022
- Hobbes, Thomas (1656). «On Identity and Difference». Elements of philosophy: the first section, concerning body. London: R & W Leybourn. pp. 100–101. Consultado em 24 de setembro de 2022
- Huang, Jing; Ganeri, Jonardon (2021). «Is this me? A story about personal identity from the Mahāprajñāpāramitopadeśa / Dà zhìdù lùn». British Journal for the History of Philosophy. 29 (5): 739–762. doi:10.1080/09608788.2021.1881881
- McGilvray, James (25 de novembro de 2013). Chomsky: Language, Mind and Politics. [S.l.]: Polity. pp. 72–. ISBN 978-0-7456-4990-0
- Rea, Michael Cannon, ed. (1997). «Introduction». Material Constitution: A Reader (em inglês). Rowman & Littlefield. ISBN 978-0-8476-8384-0. Consultado em 24 de setembro de 2022