Divagações Analíticas sobre a COP 26

Jorge Vianna Monteiro

7 de Novembro de 2021

Uma percepção importante da política de controle do clima que vem tomando forma no rastro da COP26 - em Glasgow - decorre de seu enquadramento na teoria da regulação econômica, muito especialmente no “Modelo Yandle” que focaliza a cooperação de grupos de interesses, como sintetizado na Figura abaixo reproduzida de JVMonteiro, “Como Funciona o Governo: Escolhas Públicas na Democracia Representativa”, (FGV Editora, 2007; 2016 – 5ª. Reimpressão, página 115).

O Modelo Yandle surgiu em 1983 sendo também conhecido como a “teoria dos batistas e contrabandistas”. Essa denominação curiosa decorre da ambientação proposta por Yandle para a regulação do mercado de bebidas alcoólicas que impede que os pontos–de-venda funcionem aos domingos. Em defesa da temperança, os batistas atuam em prol do interesse geral ou coletivo; por seu turno, prevendo obter “ganhos especiais” (ou “rents”) decorrentes da restrição à competição nesse mercado, os contrabandistas acionam o mecanismo institucional do “rent seeking”e, desse modo, igualmente – e “cinicamente” - defendem a adoção da mudança do status quo nesse mercado, com o fechamento de postos de vendas aos domingos. É como se fosse formalizada uma coalizão entre batistas e contrabandistas (um caso real dessa ocorrência nos EUA é narrado na nota de rodapé número 200 na página 113 do livro citado acima). Os atacadistas de bebidas alcoólicas defediam, por certo, a restrição à venda aos domingos e receberam a adesão de grupos conservadores de batistas e evangélicos em geral. Para esses grupos, o comércio de bebidas era rotulado de “tráfico”, ocultando o fato de que os atacadistas seriam os “traficantes” de álcool que mais provavelmente lucrariam com o banimento dos embarques diretos para esse mercado.

Para melhor compreender essa peculiar cooperação observe-se que:

(1)   os benefícios de uma regulação podem resultar da ação política de um segmento que opera com grande visibilidade (os “batistas”, na denominação de Yandle e representados em minha Figura pelo Grupo B), porém reforçada pela mobilização de outro segmento de atuação menos transparente (os “contrabandistas” ou o Grupo A);

(2)   os primeiros (Grupo B) provêm o fundamento do interesse coletivo ou moral da decisão política almejada (no caso, a mudança do status quo desse mercado que fecharia aos domingos), enquanto os segundos (Grupo A) “lubrificam a máquina política com parte dos rendimentos esperados” (Yandle) dessa regulação;

(3)   em decorrência, legisladores e burocratas se confrontam com custos políticos mais reduzidos, podendo enfatizar a promoção do bem estar geral coletivo na política púnlica adotada em resposta a mobilização cooperativa desses dois tipos de interesses.

Transpondo essas ideias para a COP 26 pode-se perceber que há uma política industrial que vai tomando forma. Na mídia – e pelo senso comum – somos levados a entender o alarme das demandas dos “batistas” quanto ao aquecimento global. Mas, por outro lado, fica-se na ignorância do comportamento estratégico dos “contrabandistas”/poluidores, ou seja, do fato de que muitos setores de atividade econômica se beneficiarão amplamente com subsídios, fluxos de investimento e redução de impostos concedidos em nome da regulação das fontes de poluição e aquecimento da atmosfera.

Na Figura, o interesse de um dos grupos (B) é que os políticos endossem um princípio coletivo e moral da preservação de nosso Planeta, enquanto o outro grupo (A, os efetivos rent seekers) tem o foco sobretudo na sintonia fina do mercado poluidor, de tal maneira que permita extrair para si os benefícios especiais de operar no mercado regulado.

Observe-se que o Modelo Yandle não é propriamente a recuperação da noção de interesse coletivo como motivação de grupos de interesse, mas a reconstituição desse ponto de vista sob uma perspectiva algo “sinistra” (Shogren): o interesse preferencial de A, em prol de seus ganhos de política, escudado na bandeira do atendimento ao bem geral ou coletivo!

Moral da história: voltando à minha Figura, o Grupo A tem como sua estratégia “mais sofisticada e potente” fazer (2) para induzir ou reforçar que o Grupo B continue a fazer (3) para, então, aumentar o fluxo de benefícios em (4).

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