‘O rastreamento do câncer de próstata ainda é uma coisa extremamente controversa’, afirma oncologista
Médico especialista na doença, Oren Smaletz explica que o aumento dos casos projetado para os próximos anos se deve ao envelhecimento populacional
RESUMO
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GERADO EM: 26/11/2024 - 16:33
Desafios e Avanços no Rastreamento do Câncer de Próstata no Brasil
O rastreamento do câncer de próstata é controverso devido à dificuldade em sua detecção precoce. A resistência cultural e a falta de acesso a novos tratamentos no SUS são desafios. A inteligência artificial promete revolucionar a oncologia, personalizando e aprimorando os cuidados aos pacientes. O aumento dos casos e mortes por câncer de próstata alerta para a necessidade de programas de detecção precoce e acesso equitativo a tratamentos eficazes.
O câncer de próstata é o terceiro tipo mais comum no país, segundo o relatório mais recente de Incidência de Câncer no Brasil feito pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). No país, a doença respondeu por 47 óbitos por dia em 2023, como mostra um levantamento realizado pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Além disso, uma projeção publicada na revista Cancer prevê que as mortes causadas por esse tipo de câncer terão um salto de 136,4% em 2050.
Em entrevista ao GLOBO, o médico oncologista Oren Smaletz, membro do Comitê Gestor do Centro de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein, analisa os fatores por trás desse crescimento. O especialista também aponta quais são os desafios para aqueles diagnosticados com a doença e fala sobre a polêmica do rastreamento como política de prevenção.
Em outubro do ano passado, o Ministério da Saúde editou uma nota técnica assinada em conjunto com o Instituto Nacional do Câncer (INCA) que não recomenda o exame de antígeno prostático específico (PSA) e toque retal para a população em geral, apenas para homens com sintomas ou risco elevado. Porém, entidades médicas como a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) seguem com a recomendação.
Como o rastreamento do câncer de próstata é feito atualmente no Brasil?
Em primeiro lugar, precisamos entender quais são os maiores fatores de risco. O primeiro é a idade, particularmente a partir dos 60 anos. Em seguida, temos o histórico familiar. Acreditamos que mais ou menos 50% dos tumores de próstata têm algum elo hereditário. Outro fator é ser afrodescendente, pois essa parcela da população tem uma chance maior de ter câncer de próstata mais agressivo, então precisam fazer o rastreamento regular. Assim como sabemos que, por exemplo, a obesidade preexistente também é um fator de risco para tumores mais agressivos. Nem todas essas coisas podem ser prevenidas, ou seja, evitadas. Mas no caso da obesidade, por exemplo, podemos indicar uma boa alimentação.
Agora, o rastreamento ainda é uma coisa extremamente controversa. Normalmente, ele é feito através do toque retal e do antígeno prostático específico (PSA), um antígeno específico da próstata. O PSA é um valor totalmente relacionado com a idade do paciente, então não dá para ter uma mesma categoria para todos os homens que passam pelo rastreio. Além disso, qualquer alteração na região da próstata pode gerar um resultado mais alto no exame e provocar um falso positivo. O que, como consequência, gera estresse e muita ansiedade no paciente.
A gente tem alguns estudos mostrando que se você fizer o exame de PSA de rotina nos pacientes a partir dos 45 anos você consegue diminuir a chance de ter um câncer de próstata mais avançado. Mas outros estudos contestam essa afirmação. E também o Ministério da Saúde, em concordância com a Organização Mundial de Saúde (OMS), acaba não recomendando que se faça rastreio de câncer de próstata na população. Enquanto isso, tanto a Sociedade Brasileira de Oncologia quanto a Sociedade Brasileira de Urologia falam que sim, deve ser feito o rastreio precoce. Então, existe esse debate.
Há um teste que não chegou ao Brasil chamado EpiSwitch, que combinado com o PSA, aumenta a precisão de 55% para 94%. Ele foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) recentemente. Eu acredito que se no país tivéssemos algo assim ajudaria muito.
Além da questão do rastreio, quais são os maiores gargalos na detecção deste tipo de câncer?
O preconceito é um gargalo muito grande. Principalmente com o toque retal. Mesmo sendo uma forma rápida de rastreio, que dura pouco menos de 15 segundos, muitos acreditam que estão perdendo um pouco da sua masculinidade ao serem examinados.
Outra questão é o medo dos homens de que uma vez diagnosticados o tratamento evolua para disfunção erétil ou algum problema de incontinência urinária. Por isso, às vezes alguns homens preferem não ter o diagnóstico, mesmo que quanto mais cedo feita a detecção, melhor.
Isso tudo se junta ao que falamos antes, o Ministério da Saúde não recomenda enquanto as sociedades e os especialistas recomendam, então surgem muitas dúvidas. Mas uma coisa a se pensar é que em relação à mamografia, que ganha força principalmente no Outubro Rosa, também existem debates sobre o verdadeiro impacto na sobrevida das mulheres, mas ainda assim elas são muito mais proativas em termos de prevenção.
Qual seria o caminho para mudar essa resistência cultural dos homens?
Acredito que os principais caminhos sejam a disponibilização da informação e também a criação de um programa de rastreamento através do Sistema Único de Saúde (SUS). A gente sabe que 75% da população brasileira depende basicamente do SUS. Poderia existir um acompanhamento feito uma vez ao ano, pelo menos, voltado para o câncer de próstata. Eu acho que isso, pontualmente falando, funcionaria para os homens que estão acima dos 60 anos.
Até quantos anos de sobrevida os tratamentos atuais conseguem dar a um paciente com câncer de próstata?
Hoje em dia, um paciente com o câncer em fase inicial e tratado com cirurgia ou radioterapia consegue uma sobrevida de 5 a 10 anos. Essa é a grande vantagem de você fazer o diagnóstico na fase mais precoce da doença. Contudo, por volta de 15% a 20% dos pacientes são diagnosticados já com a doença avançada, em fase de metástase (quando as células do tumor se desprendem do local inicial e se espalham para outras regiões). É claro, você ainda pode curá-los, mas a chance é muito mais baixa. Então se torna uma questão de controle da doença.
Em alguns casos é possível fazer isso por até dez anos, mas a média é de cinco anos. Ainda assim, isso é um grande avanço na oncologia. Porque até 30 anos atrás os pacientes metastáticos tinham uma sobrevida de apenas dois anos a três anos.
Como é o acesso a essas possibilidades de tratamentos no Brasil?
Infelizmente os medicamentos orais ou novos fármacos que estendem a sobrevida dos pacientes com câncer de próstata metastático ainda não estão disponíveis no SUS. Isso cria uma grande lacuna entre os cuidados presentes no serviço público e no serviço privado no país.
Um exemplo claro disso são os remédios hormonais. O câncer de próstata depende da testosterona, que é o grande combustível dos tumores. Um jeito de atacar a doença é justamente bloquear a entrada da testosterona dentro das células do câncer. Alguns fármacos desse tipo que já estão disponíveis no sistema privado há pelo menos uns cinco anos ainda não chegaram ao SUS. Mas existem outros tipos de medicamentos eficazes que não estão disponíveis no serviço público atualmente. Eu acredito que nós precisamos brigar para que essas medicações sejam disponibilizadas gratuitamente para a população brasileira.
Uma projeção, publicada na revista Cancer, mostra que o câncer de próstata dará um salto e será o principal responsável pela morte de homens em 2050. O que é possível fazer hoje para reverter tal cenário?
Se vermos os dados da Organização Mundial da Saúde, a América do Sul vai ter o maior número de casos de câncer de próstata em 2045 e o segundo maior número de mortes, perdendo apenas para o Sudeste Asiático. Isso se dá porque, em primeiro lugar, a população mundial está crescendo e além disso, a população também está envelhecendo. O câncer de próstata tende a atingir idosos.
Em cada país, é preciso ver as particularidades para que sejam elaborados programas e campanhas relativos às necessidades locais. E mais do que isso, é importante intensificar a detecção precoce, reforçar a importância dela, principalmente para conseguirmos identificar os casos mais graves e pensar em chances de cura.
No futuro, qual será o papel das novas tecnologias, como a inteligência artificial (IA), nos consultórios oncológicos e salas de cirurgia?
A inteligência artificial já chegou na oncologia. Existe um programa chamado Artera Ai, que, com ele, é possível saber a partir das lâminas provindas da biópsia do paciente o quanto um tumor pode se tornar agressivo e quantos tratamentos combinados precisam ser feitos. Ele é americano, então você tira a foto das lâminas e envia para o laboratório, que faz as fotos digitais e joga isso para o programa.
Acredito que esse tipo de tecnologia vai se juntar com avanços na medicina de precisão e na genética. Com isso vamos poder proporcionar melhores tratamentos para os pacientes, que sejam mais eficientes e de uma maneira ainda mais personalizada.