Há uma área pouco falada que mistura a psicologia e a oncologia, chamada de psico-oncologia, que vem ganhando cada vez mais espaço em clínicas e hospitais do país. Ela tem como objetivo atender não só o paciente, mas a família e a equipe médica de uma pessoa que recebeu o diagnóstico de câncer, independentemente do tipo de doença.
O campo estuda o impacto desse diagnóstico no psiquismo do paciente e em toda sua família. Os profissionais auxiliam no emocional dessas pessoas para que tenham ferramentas para enfrentar a doença, melhorando a qualidade de vida em todos os estágios. Os profissionais estão presentes desde o momento do diagnóstico, acompanham o começo do tratamento, a internação, e até a alta, ou um processo de recidiva e luto.
Por meio do suporte psicológico, o enfrentamento da doença pode ser mais tranquilo, uma vez que será possível falar abertamente sobre todas as aflições que acometem o paciente e sua família.
— A psico-oncologia não trabalha com fatores que desencadeiam a doença, mas com os aspectos relacionados e com a subjetividade dos envolvidos nesse processo, buscando identificar os aspectos psicológicos que se manifestam frente a suas fantasias, medos, desejos, emoções, crenças, frustações — explica a psico-oncologista, psicóloga paliativista e terapeuta do luto Fabiana Caron, presidente da Sociedade Brasileira de Psico-oncologia.
Os profissionais costumam trabalhar no que chamam de “tríade” de atendimento: paciente, família e equipe médica. Com o paciente, o objetivo é entender suas emoções, seus medos, frustrações, ansiedade e angústias que acompanha a doença, associada a um grande estigma de dor e sofrimento. E prepará-lo para as próximas etapas do tratamento, que vão de uma possível internação a sessões de quimioterapia ou cuidado domiciliar.
— O câncer ainda tem um estigma muito forte. Muitas pessoas inclusive não falam nem o nome da doença porque têm medo do que a mera possibilidade do diagnóstico pode causar. O psico-oncologista ainda precisa verificar se o paciente pode desenvolver um quadro de transtorno de ansiedade ou de depressão, por exemplo. Isso já é evidenciado, a população com câncer tem maior predisposição a esses transtornos — afirma a psico-oncologista Raphaella Pires.
A comunicação com a família também é de extrema importância. Muitos pacientes desejam não comunicar à família sua doença, e é trabalho do psico-oncologista, por exemplo, conversar com o paciente e mostrar o motivo da importância de ter o apoio dos entes queridos nessa etapa.
Alguns familiares, dominados pela ansiedade, negação e ameaça da perda do paciente, ficam ainda mais fragilizados diante do diagnóstico, podendo dificultar o curso do tratamento. Eles também devem ter um suporte emocional especializado para passar pelo processo com o paciente com o espírito mais fortalecido. São eles que vão dar apoio, moral, físico e emocional para o doente e, por isso, devem manter uma boa saúde mental.
Segundo a coordenadora do serviço de Psicologia da Oncoclinicas RJ, Natália Gil, membro da sociedade brasileira de psico-oncologia (SBPO), há uma “conspiração do silêncio” entre o paciente e sua família que consiste no paciente falar que está bem para não preocupar a família e vice-versa.
— A pessoa está aprendendo a ser paciente, mas a família tem o aprendizado de ser acompanhante. Esse diálogo é importante. Hoje o paciente se sente culpado por ter adoecido: "onde foi que eu errei?". Como se a doença fosse um erro ou uma responsabilidade. Esse profissional em saúde mental que vai ajudar nessa gestão de sentimentos, emoções, organizações de uma nova rotina de cuidado, adaptação desse novo momento de vida — explica.
Perdas e transformação biopsicossocial
A psicóloga ainda revela que 30% dos pacientes com câncer possuem mudanças na imagem corporal, perdem peso, cabelo. Em alguns casos, é necessários a retirada cirúrgica de partes do corpo como a mama. É comum que eles se vejam como mais feios, não reconheçam a imagem no reflexo do espelho e acabem tendo sintomas de depressão e ansiedade ligados à autoestima.
A especialista afirma que é normal o paciente se sentir triste, ter ansiedade, mas que é necessário estar sempre atento quando esses sentimentos se tornam algo maior e passam a ser considerados um transtorno com impactos na funcionalidade, adesão ao tratamento e na qualidade de vida.
— A doença impacta os aspectos físico, social e emocional. O doente pode precisar parar de trabalhar, pode se sentir menos atraente ou ainda acreditar que a culpa por estar doente é dele, por ter feito algo de errado ou não se cuidado corretamente. O psicólogo ajuda nessa comunicação e educação em saúde, desmistificando as fantasias e traumas que podem surgir — explica Gil.
— O psico-oncologista também vai lidar justamente como o paciente encara a doença, o que significa para ele estar adoecido pelo câncer, como é que ele se vê dentro desse processo e ajudá-lo a construir um novo olhar sobre si. O objetivo é encarar a doença da melhor forma possível, visto que nem sempre teremos um tratamento curativo, a perspectiva deve ser de melhora da qualidade de vida — explica Pires.
Para finalizar a tríade, há a equipe médica. O profissional também ajuda os enfermeiros, médicos, anestesistas a viver e processar a dor.
— Tem a ver com cuidado e educar, somos profissionais que não sabemos como é estar no lugar do paciente, mas temos expertise sobre aquilo que ele está vivendo. Podemos ajudar exatamente nessa questão fantasiosa da doença, a vergonha de falar com o médico, de contar para a família, de se conhecer, atravessar esse processo. Não é algo extra, faz parte integral do tratamento — diz Gil.