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Por — Rio de Janeiro

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GERADO EM: 20/12/2024 - 22:58

Impacto do Calor na Saúde Mental: Riscos e Advertências

O calor excessivo afeta o cérebro, podendo causar distúrbios mentais graves. Estudos mostram que altas temperaturas levam a impulsividade, agressão, depressão e redução da capacidade cognitiva. A exposição ao calor compromete a bioquímica cerebral, podendo levar a problemas como suicídio e surtos esquizofrênicos. A Organização Mundial de Saúde alerta para os riscos do aumento da temperatura na saúde mental. O calor impacta a função cerebral, prejudicando neurotransmissores e a eficácia de medicamentos. Estudantes em ambientes quentes têm desempenho inferior. O Brasil, culturalmente associado ao calor, enfrenta desafios com o aumento das temperaturas.

Em tempo de aquecimento recorde do planeta, ficar de cabeça quente ou louco de calor se tornaram mais do que força de expressão. Uma série de estudos mostra que as altas temperaturas afetam o cérebro e podem causar distúrbios que vão de impulsividade, agressão e depressão à insônia e redução de capacidade cognitiva, com dificuldades de raciocínio, aprendizado e memória. O calor extremo derrete pensamentos, em sentido literal.

O calor é combustível para distúrbios mentais porque a exposição a altas temperaturas afeta a bioquímica cerebral. E, nos casos mais graves, pode levar a suicídio, surtos esquizofrênicos e episódios de violência. É um problema de saúde pública que cresce à medida que o mundo esquenta, num verão sem fim, alertam psiquiatras e neurocientistas.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem feito repetidos alertas sobre os perigos das ondas e extremos de calor para a saúde mental. O último destacou o risco de suicídio.

— O calor aumenta não apenas a morbidade, mas a mortalidade por doença mental. Isso é gravíssimo. O calor que sofremos agora ameaça a saúde mental e precisamos de uma estratégia para enfrentá-lo — afirma Flávio Kapczinski, pró-reitor de pesquisa e professor titular de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Um artigo científico questionando a associação entre calor e problemas de saúde mental, liderado por Jingwen Liua, da Universidade de Adelaide (Austrália), analisou 53 ondas de calor, de 1990 a 2020.

A resposta à questão é um retumbante sim. Dados de 1,7 milhão de mortes e 1,9 milhão de casos de doenças mentais mostraram que as ondas de calor causam um aumento de 75,3% de casos de doenças mentais. Publicado na Environment International, o estudo revelou que a elevação de 1°C aumenta em 2,2% a mortalidade por doença mental. Mas até pequenos aumentos na temperatura podem ter impactos mensuráveis, especialmente em países tropicais, disseram os cientistas.

Impacto

Todos esses efeitos têm base física. O cérebro é muito sensível ao calor. Não só ele precisa manter a temperatura do corpo constante, por volta de 36,5°C, não importando à do ambiente, quanto ele próprio é um consumidor e produtor de energia.

O cérebro responde por 2% da massa corporal, mas consome um quarto do oxigênio e queima um quinto da glicose. Toda a energia metabolizada é liberada como calor. Os neurônios disparam e transmitem sinais, e o calor é um subproduto natural. Eles precisam de mais energia que as demais células. Um único neurônio central consome até 2.500 vezes mais energia do que uma célula corporal.

A cada minuto, o cérebro produz cerca de nove joules de energia calorífica, o suficiente para manter uma lâmpada de 15 watts pelo mesmo tempo. Numa semana, daria para um tomar banho quente de 10 minutos.

O cérebro e o restante do sistema nervoso são resilientes ao frio, mas sofrem com o calor, explica o neurocientista Ricardo Reis, do Laboratório de Neuroquímica do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O impacto da quentura se manifesta em todas as escalas. Proteínas e enzimas têm a função prejudicada. Estruturas celulares, como as mitocôndrias, são afetadas. Todos os neurônios são suscetíveis ao calor, mas os neurônios de Purkinje são particularmente sensíveis. São neurônios do cerebelo, grandes e ramificados, responsáveis por coordenar movimentos e regular o equilíbrio.

E o cérebro sofre como um todo. Por exemplo, a barreira hematoencefálica, que o protege de substâncias e micro-organismos nocivos, enfraquece.

—Há uma complexa cascata de eventos deflagrada pelo calor da qual a doença mental é o resultado final— afirma Reis.

Sob altas temperaturas, as células cerebrais precisam se esforçar mais para metabolizar glicose, sua fonte primária de energia. O calor causa superexcitação do cérebro e pode prejudicar proteínas como a tau, associada à doença de Alzheimer. Acima de 39°C começa a haver condições para afetar a estrutura do tecido cerebral.

Neurotransmissores ligados ao humor, como a serotonina e a dopamina, têm seus níveis alterados. E alguns dos medicamentos usados para tratar doenças mentais, por vezes, perdem o efeito ou acentuam o impacto do calor. É o caso de certos antipsicóticos, que afetam o sistema de termorregulação do corpo.

O cérebro faz tudo para manter sua temperatura estável e preservar as funções básicas da vida. E isso pode significar sacrificar a capacidade cognitiva. Nadia Gaoua, estudiosa dos efeitos da temperatura na cognição da London South Bank University, diz que o calor age como uma sobrecarga no cérebro ao elevar a atividade elétrica cerebral.

Embora qualquer pessoa possa ter problemas, aquelas que já sofrem de algum distúrbio são mais vulneráveis, enfatiza Kapczinski.

— O calor aumenta a instabilidade emocional, compulsividade, agressão e pode agravar transtorno bipolar, depressão e esquizofrenia. Os países que mais sofrem são os que já eram quentes, mas ainda temos poucos estudos sobre isso, a maioria dos trabalhos é de países do Hemisfério Norte, menos afetados do que nós — frisa Kapczinski.

Um dos poucos estudos sobre saúde mental e calor no Brasil foi liderado por Julia Corvetto, da Universidade de Heidelberg (Alemanha) e publicado em 2023, na BMJ Open. Ele avaliou o impacto do calor em 101.452 visitas à emergência em Curitiba por problemas de saúde mental, e revelou, por exemplo, que os atendimentos por tentativa de suicídio aumentaram 85% em períodos quentes. O risco de sofrer de depressão e ansiedade cresceu 18%. Mulheres de qualquer idade e adultos entre 18-64 anos foram mais vulneráveis.

—O frio não faz nada disso. Claro, quem já tem algum tipo de doença mental está mais exposto, mas ninguém é imune. O próprio calor, por si, pode levar à depressão, a crises de ansiedade —diz Kapczinski.

Uma pesquisa de 2023, publicada na Nature Communications, revelou que as taxas de suicídio aumentaram em 1% para cada aumento de 1°C na China.

Sem raciocínio

Estudantes sob calor têm desempenho pior do que aqueles com acesso à refrigeração. Questão de injustiça climática. Um dos primeiros estudos a mostrar isso foi publicado em 2016, na PLoS Medicine, e liderado por Jose Laurent, então na Universidade de Harvard. Laurent provou que os estudantes que dormiam em quartos sem ar condicionado se saíam pior em testes de matemática.

Um estudo na China, em 2020, com dados de 14 milhões de estudantes candidatos ao exame nacional de admissão, revelou que os habitantes de áreas mais quentes do país tinham desempenho pior e que o sistema nacional acabava por penalizá-los.

O Brasil tem uma cultura de calor, considerado uma coisa boa, sinônimo de praia e lazer. Mas essa cultura está em descompasso com o tempo, nos dois sentidos da palavra. O calor benigno está no passado, o atual é fonte de sofrimento, frisa Kapczinski, que coordena a Rede Nacional de Saúde Mental.

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