Refugiados que vivem no Rio se unem no Natal para compartilhar lembranças e afetos
Receitas típicas de seus países de origem são oferecidas nas ceias
RESUMO
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GERADO EM: 23/12/2024 - 22:07
Refugiados celebram Natal com solidariedade no Rio
Refugiados no Rio se unem para celebrar o Natal com comidas típicas de seus países, mantendo suas raízes e solidariedade. Yelitza, venezuelana, guia famílias e compartilha cultura. Outras nacionalidades como haitianos e nigerianos também partilham tradições e auxiliam comunidades. O Brasil já registrou mais de 450 mil pedidos de refúgio, sendo os venezuelanos maioria.
A hallaca é feita de massa de milho recheada de guisado e embalada em folha de bananeira. Outra pedida de dar água na boca, o “pan de jamón” é um pão enrolado com presunto e queijo. As duas receitas típicas da Venezuela foram servidas bem longe do seu país de origem, em um lanche oferecido ontem no Morro do Banco, no Itanhangá, Zona Oeste do Rio. O banquete singelo reuniu cerca de 20 crianças, todas filhas de imigrantes venezuelanos como a anfitriã, Yelitza Lafont, de 50 anos. Pelo terceiro ano consecutivo, e sempre às vésperas do Natal, ela se inspira na celebração cristã para compartilhar afetos, lembranças e solidariedade.
Yelitza estima que no Morro do Banco morem hoje quase 700 conterrâneos seus, fugidos da crise econômica e da violência. Além da confraternização, o evento serve para manter viva a cultura venezuelana entre os mais novos.
— Trabalho o ano inteiro ajudando compatriotas que escolheram vir para o Rio. Para as crianças, sou voluntária para contar a história da Venezuela, ensinar espanhol e outras coisas da cultura do país. É preciso que preservem suas raízes, mesmo aquelas crianças que já nasceram aqui. Nunca vou esquecer quem eu sou, de onde vim — diz Yelitza, que trabalha em uma ONG que presta assistência para os refugiados.
Guia para conterrâneos
Na instituição, ela atua como uma espécie de guia para as famílias. Orienta sobre onde buscar emprego, como pegar transporte público ou como procurar um imóvel para alugar. Ou seja, aponta caminhos para tudo o que ela mesma precisou quando chegou. Yelitza deixou a capital Caracas em janeiro de 2018, rumo a Pacaraima, no estado de Roraima, a principal porta de entrada de venezuelanos no Brasil. O sonho de uma vida melhor ainda demorou, até ela receber ajuda de grupos de assistência a refugiados que explicaram seus direitos na terra vizinha:
— Em 2017, meu Natal foi diferente de tudo que queria oferecer aos filhos e amigos. Sequer havia dinheiro para a ceia. Decidi emigrar. De Pacaraima, fui para Boa Vista. Morei seis meses na rua, a metade disso trabalhando na casa de uma família, 11 horas por dia, quase trabalho escravo. Não conhecia meus direitos, achava que o tratamento para brasileiros era diferente do oferecido aos estrangeiros, até que fui abordada por ONGs que ajudam refugiados. E resolvi ajudar outros — conta.
Na tradição venezuelana, quem entrega os presentes não é Papai Noel, mas o menino Jesus. Nos lares do país vizinho, são montados presépios em que a figura de Cristo recém-nascido é colocada na manjedoura minutos antes da meia-noite. Na celebração venezuelana no Morro do Banco, faltou dinheiro para a compra de imagens que representassem José, Maria, Jesus, o anjo e os três Reis Magos. No improviso, as crianças brincaram de interpretar personagens bíblicos.
Outras culturas
A solidariedade, que aflora nos festejos de fim de ano, também é uma característica dos refugiados haitianos, que são 40.483 em todo o Brasil. À meia-noite, eles têm o costume de esperar pelo “Tio Natal”, ou “Toto”.
— Durante o ano a gente procura ajudar as pessoas a se adaptarem, nem sempre é fácil. No Natal, celebramos a amizade, cada um em sua casa. Nessa época, a ceia típica de um lar haitiano é um frango frito com tempero artesanal acompanhado de arroz — ensina o presidente da Associação de Imigrantes, Refugiados e Apátridas do Rio, Widoaurd Jean Baptiste.
A nigeriana Latifa Efae Hassan, de 45 anos, fugiu de sua terra natal há uma década, com três filhos. Hoje mora em Vila Isabel, teve mais dois filhos e conquistou boa clientela vendendo comida típica na feira da Glória, entre outros pontos da cidade. Educada sob os preceitos do islamismo, considera o Natal um dia como outro qualquer, mas não perde o mais importante de vista: para ela, a preocupação com o próximo não pode se limitar a uma data. Todas as quintas-feiras, inclusive esta semana, distribui quentinhas para cerca de 30 moradores de rua de Vila Isabel.
Mais de 450 mil refugiados
Segundo os dados mais recentes do Ministério da Justiça, 450.752 estrangeiros pediram o reconhecimento da condição de refugiados no Brasil entre janeiro de 2010 e agosto de 2024. A maior parte desse contingente, 257.186 pessoas, é formada por venezuelanos como Yelitiza. O Estado do Rio de Janeiro tem 4.508 estrangeiros nessa situação. A publicação não divide as nacionalidades por estado.
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