Cartão-postal da cidade ao ser inaugurada no mandato do prefeito Pereira Passos (1902-1906), a Avenida Francisco Bicalho era uma área nobre, nas proximidades do Centro, onde famílias passeavam à beira do Mangue, ladeado por palmeiras-imperiais. Cento e vinte anos depois, a via se resume a um logradouro tomado por ônibus e carros, que nos piores dias chegam a levar uma hora para cruzar seus 1.200 metros de ponta a ponta. Dos dois lados, imóveis abandonados e terrenos vazios. No meio, um canal completamente poluído. Arquitetos e urbanistas avaliam, no entanto, que o lugar pode reviver seus velhos tempos.
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Há razões para o otimismo. A área tende a se valorizar nos próximos anos, caso vinguem dois grandes projetos em suas extremidades: o estádio do Flamengo, no antigo Gasômetro, e a revitalização da Estação da Leopoldina, onde deverão ser erguidos ainda a Cidade do Samba II, para as agremiações carnavalescas da Série Ouro, um centro de convenções e um condomínio do Minha Casa, Minha Vida.
— O estádio e a estação servirão de âncoras nesse processo. Mas serão necessários mais investimentos públicos, tornando as calçadas mais largas e melhorando a iluminação, além da valorização do conceito original, com o plantio de palmeiras-imperiais ao longo do canal — sugeriu o arquiteto Sérgio Dias, que era secretário municipal de Urbanismo em 2009, quando a prefeitura lançou o plano de revitalização da Zona Portuária, que incluía a demolição do Elevado da Perimetra.
Prédios de 50 andares
Pelas normas em vigor, um atrativo para os investidores é o gabarito de até 50 andares, mas essa altura precisa ser negociada com o fundo imobiliário da Caixa, que financia as obras na região. Sobrinho de Oscar Niemeyer, o também arquiteto João Niemeyer observa que a legislação que disciplina projetos no Porto Maravilha favorece construções de qualidade:
— Só podem ser edificados 50% dos terrenos, no máximo. Isso deixa um espaço enorme para serem implantados jardins e novas calçadas, quase um parque urbano. Pode ficar bem interessante.
As obras de restauração da Leopoldina começaram a ser executadas pelo município no fim de junho, seguindo um projeto do arquiteto Rodrigo Azevedo, aprovado pelo Iphan. Há três meses, a prefeitura contratou Azevedo para desenhar um plano diretor para todo o terreno (mais de cem mil metros quadrados). Um dos objetivos é valorizar a Francisco Bicalho. O plano será apresentado ao prefeito Eduardo Paes na próxima quarta-fei
— Uma das ideias é integrar a região da Leopoldina por meio de um caminho urbanizado para pedestres. Seriam duas fases: a primeira até o Sambódromo, e a segunda até a Praça da República — revelou o arquiteto.
Apesar de fora do escopo do contrato, Azevedo diz que é preciso pensar na despoluição do Canal do Mangue, para acelerar a revitalização da Bicalho:
— Com a despoluição, seria possível até termos passeios de barco em trechos do canal.
Já o arquiteto Guto Índio da Costa acredita que um dos maiores desafios é reorganizar o trânsito na via, com a criação de novas opções de circulação por bairros no entorn
— Além disso, seria importante implantar mais passarelas para integrar os dois lados da via, organizadas de forma a criar uma espécie de esplanada para pedestres.
Hoje, a Francisco Bicalho só conta com duas lojas abertas (em frente à Leopoldina), a quadra da Unidos da Tijuca (que está de mudança), o Instituto Médico-Legal (IML) e uma unidade do Detran, que faz o atendimento de pessoas com deficiências. Dois grandes terrenos que integram o Fundo Imobiliário do Porto Maravilha, administrado pela Caixa, mostram que a avenida ainda é uma tela em branco naquele trecho da cidade. Também há outras propriedades privadas sem qualquer uso. Procurado, o fundo não informou se há projetos em suas propriedades.
— O movimento é razoável, mas a gente espera que melhore com a reforma da estação — diz Gilson de Azevedo, que há três meses abriu uma oficina de motos em uma loja alugada.
Ao lado, funciona há pouco tempo o que deveria ser um restaurante a quilo, como informado na fachada. Mas os clientes não apareceram, e o local virou um ponto de venda de quentinhas — são comercializadas de 20 a 30 unidades por dia, segundo os funcionários.
Entre os arquitetos ouvidos, uma questão apareceu de forma unânime. Não é possível pensar numa revitalização plena sem a transferência da sede do Instituto Médico-Legal, que foi para a Francisco Bicalho em 2009. O governo do estado descarta completamente essa hipótese, alegando que o órgão precisa ficar numa região de fácil acesso, porque presta um serviço essencial para a população.
Torre Trump encalhou
A última vez que a Francisco Bicalho ficou tão em evidência foi em 2012, mas não passou de fogo de palha. Na época, com o mercado imobiliário carioca aquecido, Donald Trump — então apenas um bilionário americano, pois só seria eleito presidente dos EUA em 2016 — anunciou planos de construir um megaempreendimento comercial com cinco torres de 38 andares e 150 metros de altura cada, no terreno do antigo Clube dos Portuários. Era um projeto para a Olimpíada, mas para sair do papel dependia de parcerias com empresários locais, o que não aconteceu. Com as mudanças provocadas pela pandemia da Covid-19, que esvaziou escritórios por conta do home office, a prefeitura acredita que a região agora tem uma vocação muito mais residencial.
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