Religiosidade: a fé que move os sambas-enredo para 2025
Palavra está presente em seis dos 12 hinos escolhidos pelas agremiações do Grupo Especial para embalar os desfiles
RESUMO
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GERADO EM: 21/10/2024 - 04:30
Sambas-enredo de 2025: Espiritualidade Afro-Brasileira
Religiosidade e ancestralidade marcam sambas-enredo de 2025 com termos africanos. Enredos abordam temas como entidades afro-indígenas, orixás e tradições religiosas. Palavras como "fé", "macumba" e "ebó" ressaltam a conexão espiritual. Compositores buscam simplicidade e compreensão em letras para não afastar o público.
Com enredos marcados pela ancestralidade e pela religiosidade, a palavra “fé” acaba se destacando nos sambas-enredo que as escolas do Grupo Especial levarão para a Sapucaí em 2025. O vocábulo aparece nas letras dos hinos escolhidos pela Unidos de Padre Miguel, Salgueiro, Unidos da Tijuca, Grande Rio, Portela e Paraíso do Tuiuti, ou seja, metade das 12 agremiações. Pela mesma razão, a maioria dos versos também faz bastante uso de termos de origem africana.
Sidnei França, carnavalesco que desenvolverá o enredo da Mangueira “À Flor da Terra – No Rio da Negritude Entre Dores e Paixões”, sobre a herança do povo bantu, diz que a sinopse muitas vezes já dá uma pista de conceitos que serão abordados no desfile, daí o uso de palavras e termos comuns a várias escolas.
— O Brasil, cada vez mais, está resgatando sua identidade mais íntima, que é a cultura, um entrecruzamento de várias origens. Acho bem complicado quando alguém acompanha um desfile e não consegue dimensionar sua potência. São tradições que não estão no seu cotidiano, isso significa ensinamento, tradição, ancestralidade e fundamentos — afirma.
A atual campeã, Viradouro, que falará de Malunguinho, entidade afro-indígena que se manifesta como Caboclo, Mestre e Exu, traz no samba expressões como “alujá ligeiro”, em referência ao toque de Xangô para Malunguinho, e “jurema”, planta sagrada.
A Imperatriz contará na Sapucaí a ida de Oxalá ao reino de Oyó, na África, onde é hoje a Nigéria, para visitar Xangô. A letra do samba-enredo traz termos como “itan” (lenda), mas também menciona palavras do universo religioso, como “ebó”, que nada mais é que um ritual ou oferenda.
Nesse universo, as palavras “macumba” e “macumbeiro” também acabam aparecendo em diferentes sambas, como reafirmação de religiosidade. Ambas podem ser encontradas nas letras dos hinos da Unidos de Padre Miguel — que contará a história de Iyá Nassô, ialorixá fundadora da Casa Branca do Engenho Velho, na Bahia, primeiro terreiro de candomblé do Brasil — e do Salgueiro, “de corpo fechado”, conforme menciona o enredo da vermelho e branco tijucana.
— O samba do Salgueiro vem dando importância à coisa de se cuidar espiritualmente, de tomar banho de erva, acender vela para o anjo da guarda, saudar o preto velho, as almas, os orixás e o povo da rua. É a forma também de prestigiar o povo macumbeiro — aponta Xande de Pilares, um dos compositores do samba salgueirense.
As guias de Laíla
Na Beija-Flor, que tem como enredo o carnavalesco Laíla, morto em 2021, o samba destaca a religiosidade do homenageado. “Da casa de Ogum, Xangô me guia”, canta o refrão. A imagem de Laíla ficou marcada pelo uso das múltiplas guias que o acompanhava nos desfiles e nas apurações.
A Unidos da Tijuca, que tem a cantora Anitta no seu time de compositores, desfilará com o enredo sobre o orixá Logun Edé, filho de Oxum e Oxóssi, cultuado nos candomblés de origem yorubá. É ele, inclusive, que rege a “poderosa”. A letra é repleta de referências à religiosidade. “De tudo que aprendi, o todo que reuni/Fez imbatível a força do meu axé”, diz um trecho.
A religiosidade também não poderia ser esquecida no samba da Portela, que homenageará Milton Nascimento. “Vou partir em procissão na fé, que faz do artista entidade”, diz a letra do hino composto pela parceria encabeçada por Samir Trindade.
A Paraíso do Tuiuti, que levará para a Avenida a história da africana Xica Manicongo, primeira travesti do Brasil, desfilará com o samba encomendado à parceria que tem Cláudio Russo e Gustavo Clarão. Para Russo, sem a pressão da disputa o compositor pode contar apenas com sua inspiração, sem precisar se valer de “refrões possantes e fortes” para não correr risco de ser eliminado.
Na Grande Rio que, de forma inédita, realizou disputas de samba em Duque de Caxias e no Pará, estado que homenageia no enredo, levará para a Sapucaí um mergulho nas águas amazônicas, com a presença do carimbó, dança típica paraense, e os encantamentos do tambor de mina, denominação religiosa que cultua voduns, orixás e encantados. A parceria campeã é paraense, com o Mestre Damasceno — que concorreu pela primeira vez no Rio — entre os compositores.
Tem fantasmas e sonhos
Já a Vila Isabel, uma das poucas que não abordam ancestralidade nem religião, resolveu carnavalizar assombrações e seres fantásticos de outro mundo, com o enredo “Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece”. A escola traz uma das letras mais simples e de fácil compreensão. O mesmo acontece com a da Mocidade, cujo enredo “Voltando para o futuro não há limites para sonhar” é uma espécie de manifesto pelo futuro da humanidade.
O experiente compositor André Diniz diz ser comum uso de dialetos nos sambas que tratam de temas africanos. Mas adverte que palavras rebuscadas e de difícil compreensão, mesmo da língua portuguesa, podem ser uma armadilha.
— Se, por um lado, nos aproxima da nossa cultura, por outro é ruim, pois com tantas palavras incompreensíveis pode afastar as pessoas — conclui.