Investigado nas milícias digitais e multas de R$ 100 mil por dia: Veja o que Moraes decidiu após ameaças de Musk
Ministro do Supremo Tribunal Federal abriu inquérito contra bilionário americano, que prometeu suspender as restrições impostas a usuários investigados
Após o bilionário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), ameaçar descumprir decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal (STF) recebidas pela plataforma, o ministro Alexandre de Moraes determinou ontem a inclusão do empresário como investigado no inquérito que apura a existência de milícias digitais antidemocráticas e seu financiamento e a abertura de investigação por obstrução à Justiça, “inclusive em organização criminosa e incitação ao crime”. A decisão de Moraes também fixou uma multa diária de R$ 100 mil por perfil, caso a big tech desobedeça qualquer decisão do tribunal, inclusive a reativação de perfil cujo bloqueio foi determinado pelo STF.
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O ministro argumentou que a medida se justifica diante da, em tese, “dolosa instrumentalização criminosa da plataforma”, em conexão com fatos em investigação sobre os ataques a instituições e atos antidemocráticos. Nos últimos dias, o empresário subiu o tom e usou o X para atacar Moraes e a Corte.
O empresário ameaçou remover restrições de perfis de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro bloqueados pelo STF, fechar as operações de sua empresa no Brasil e publicar todas as requisições judiciais enviadas à rede social pela Justiça. Musk também pediu a renúncia do ministro, contestou sua atuação e o chamou de “traidor” do povo e da Constituição brasileira.
“Brevemente, X publicará tudo o que foi exigido por @Alexandre e como esses pedidos violam a lei brasileira. Este juiz tem descaradamente e repetidamente traído a Constituição e o povo do Brasil. Ele deveria renunciar ou ser impugnado”, escreveu ontem em seu perfil na rede social, anunciando que vai desrespeitar decisões judiciais tomadas pelo Supremo.
Moraes é relator de inquéritos que apuram a circulação de fake news e de ataques a urnas eletrônicas e ao sistema democrático do país em plataformas digitais, como o X. O ministro proferiu decisões que ordenaram a suspensão de perfis de investigados por esses crimes.
Poder econômico
Na decisão que determina apuração contra Musk, Moraes diz ser “inaceitável” que qualquer um dos representantes dos provedores de redes sociais desconheça a instrumentalização criminosa “que vem sendo realizada pelas denominadas milícias digitais, na divulgação, propagação, organização e ampliação de inúmeras práticas ilícitas nas redes sociais, especialmente no gravíssimo atentado ao Estado Democrático de Direito”.
“A conduta do X configura, em tese, não só abuso de poder econômico, por tentar impactar de maneira ilegal a opinião pública, mas também flagrante induzimento e instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais investigadas”, argumentou.
Moraes apontou ainda “agravamento” dos riscos à segurança de magistrados do STF, constatada, segundo ele, por mensagens de ódio em apoio às publicações de Musk.
“A flagrante conduta de obstrução à Justiça brasileira, a incitação ao crime, a ameaça pública de desobediência às ordens judiciais e de futura ausência de cooperação da plataforma são fatos que desrespeitam a soberania do Brasil e reforçam a conexão da dolosa instrumentalização criminosa das atividades do ex-Twitter, atual X, com as práticas ilícitas investigadas pelos diversos inquéritos anteriormente citados, devendo ser objeto de investigação da Polícia Federal”, concluiu o magistrado.
Logo após as primeiras postagens de Musk no sábado, bolsonaristas foram às redes declarar apoio ao bilionário, defender uma CPI contra Moraes e convocar manifestações em favor de Bolsonaro. A ofensiva do empresário começou após publicações do jornalista americano Michael Schellenberger que apontavam supostas violações da liberdade de expressão no Brasil em razão de exigências de Moraes à plataforma.
As postagens de Musk foram usadas para inflar as alegações de que aliados do ex-presidente são vítimas de perseguição do STF e foram repercutidas pelos deputados da ala mais bolsonarista do PL. Sem citar o episódio, Bolsonaro postou no sábado um vídeo em que aparece ao lado do dono do X, em 2022, com a legenda “Musk é o mito da nossa liberdade”.
Entre as contas alvos de bloqueios estão as do blogueiro Allan dos Santos, do empresário Luciano Hang, do ex-deputado cassado Daniel Silveira, do jornalista Oswaldo Eustáquio e do ex-deputado Roberto Jefferson. Os aliados de Bolsonaro são acusados de “propagar ideias antidemocráticas que atentam contra o Estado democrático brasileiro” e negam as acusações.
As contas dos citados continuavam desativadas ontem, apesar das declarações de Musk. Em uma publicação em seu perfil institucional, o X afirmou ter sido “forçado” por decisões judiciais a bloquear determinadas contas populares no Brasil. “Informamos a essas contas que tomamos tais medidas”, disse. A empresa não citou quais são as decisões judiciais nem quando elas foram proferidas.
Nos últimos anos, Moraes ordenou também a retirada do ar de perfis que pregavam ameaças contra ministros do STF. Foi o caso do bloqueio da conta do ex-policial militar Cassio de Souza, que declarou que iria “eliminar” e “matar” Moraes e a sua família.
Regulação das redes
Integrantes do governo federal também reagiram ontem. O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta, publicou em suas redes sociais que “o Brasil é um país soberano” e que não vai permitir que “ninguém, independente do dinheiro e do poder que tenha, afronte nossa Pátria”.
O ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, defendeu a regulamentação urgente das plataformas digitais. “Não podemos conviver em uma sociedade em que bilionários com domicílio no exterior tenham controle de redes sociais e se coloquem em condições de violar o Estado de Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando nossas autoridades”, criticou.
Relator do projeto que regulamenta as big techs na Câmara, o chamado PL das Fake News, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que vai sugerir ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) pautar o texto. Para o parlamentar, Musk “sinaliza desrespeitar” o Poder Judiciário e desenvolver o regime de responsabilidades das plataformas digitais “é resposta em defesa do Brasil”.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO antes da decisão de Moraes avaliaram que a postura de Musk é uma afronta à soberania nacional e defenderam que, se o empresário discorda de decisões tomadas pela Justiça brasileira, deveria recorrer aos órgãos competentes.
— Por mais que possam existir exageros nas ordens direcionadas à plataforma, não é dado a agentes particulares decidirem cumprir ou não ordens judiciais — apontou o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Carlos Affonso Souza.
Professora da FGV Direito Rio, Yasmin Curzi explicou que a legislação do país prevê a suspensão de conteúdo quando existir receio fundamentado de dano irreparável em relação a ele. Para a pesquisadora, a liberdade de expressão, protegida constitucionalmente, não está acima de outros direitos:
— Há uma dificuldade de Musk em compreender que a liberdade de expressão absoluta, como prevista nos EUA, não é o regime geral para todos os países.
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