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No julgamento daquele que é considerado o maior caso de estupro já ocorrido na França, um tribunal de Avignon condenou Dominique Pelicot, de 72 anos, a 20 anos de prisão, pena máxima pedida pela promotoria. Fez-se justiça. Ele foi acusado de arregimentar homens para estuprar a própria mulher, Gisèle Pelicot, de 72, com quem foi casado durante 50 anos. Saiu preso, depois de se declarar culpado. Outros 50 réus que participaram dos abusos foram condenados a penas de quatro a 18 anos. Ainda que muitos tenham considerado brandas algumas punições, não há dúvida de que foi uma decisão histórica, um marco na luta das mulheres contra o abuso. Gisèle, que acompanhou o julgamento encarando os réus, afirmou respeitar a sentença e o tribunal.

A vítima não tinha consciência de que era estuprada, pois o marido a sedava e dopava. Chegou a imaginar sofrer de Alzheimer ou outro mal. Somente em 2020 tomou conhecimento da violência a que fora submetida ao longo de uma década. Dominique foi preso por importunação sexual contra outras mulheres. Na investigação, a polícia encontrou em seu computador 20 mil vídeos e fotos dos estupros coletivos — um crime muito maior.

Em maior ou menor grau, a violência contra mulheres desafia autoridades no mundo inteiro. É difícil de combater, pois costuma ficar fechada no ambiente doméstico. No Brasil, vive-se uma tragédia, apesar das campanhas e dos movimentos para garantir os direitos femininos. Ocorre no país um estupro a cada seis minutos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Entre 2011 e 2023, esses crimes cresceram 91,5%. Sem contar casos de importunação e assédio sexual. E sem levar em conta que as estatísticas oficiais, registradas em delegacias, são apenas uma fração do total. Vítimas, especialmente menores, evitam delatar abusos por vergonha, medo ou ameaças, muitas vezes de parentes próximos.

A coragem e a determinação de Gisèle depois dos horrores que sofreu são inspiradoras. Ela é um exemplo para outras vítimas de abusos. Poderia ter optado pelo anonimato, permitido pela lei em casos desse tipo. Mas, a despeito das cicatrizes, fez questão de mostrar o rosto, de se expor diante de um crime repulsivo. Pretendia que “a vergonha trocasse de lado”, da vítima para o estuprador. “Queria que todas as mulheres vítimas de estupro dissessem: ‘Se a senhora Pelicot conseguiu, nós também podemos’ ” , afirmou.

“Obrigado, Gisèle Pelicot. Por ter enfrentado essa provação com a cabeça erguida em nome da justiça”, disse o presidente da França, Emmanuel Macron. “Sua dignidade e coragem comoveram e inspiraram a França e o mundo.” Ele tem razão. Depois do julgamento, de onde saiu sob aplausos, Gisèle afirmou ter passado por uma “provação muito difícil”, mas acrescentou que não se arrepende de tornar o caso público. Disse ainda que travou essa batalha pelos filhos e netos. “Também penso nas muitas vítimas de violência e nas histórias delas, que muitas vezes permanecem nas sombras.” Sim, é preciso tirá-las das sombras.

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