Demétrio Magnoli
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Demétrio Magnoli

Sociólogo e doutor em geografia humana

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Demétrio Magnoli

Sociólogo e doutor em geografia humana

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GERADO EM: 16/09/2024 - 00:05

Declínio das Políticas Identitárias nos EUA e Brasil: Kamala Harris e a Importância de Valores Compartilhados.

Políticas identitárias estão em declínio nos EUA, marcado por Kamala Harris se afastando do papel de símbolo. A radicalização identitária gerou divisão entre "opressores brancos" e "oprimidos negros". O extremismo de Trump reflete a polarização. No Brasil, a esquerda adota o identitarismo. Harris destaca a importância de valores compartilhados. A questão é se o Brasil seguirá o exemplo americano de declínio das políticas identitárias.

Há uma semana, no debate, Kamala Harris tratou Donald Trump como um adolescente inseguro. Em certo momento, indagada sobre os ensaios do rival de discutir sua autodescrição racial, escapou à armadilha, passando-lhe uma reprimenda:

— É uma tragédia termos alguém que quer ser presidente e que constantemente, ao longo de sua carreira, tentou usar a raça para dividir o povo americano.

A resposta revela o declínio das políticas identitárias nos Estados Unidos.

Há 16 anos, na sua campanha presidencial, Barack Obama descreveu-se como mestiço, enfatizando as distintas origens de seu pai queniano e de sua mãe, uma americana branca do Kansas. Obama falou com ardor sobre as lutas pelos direitos civis e celebrou a figura de Martin Luther King, apresentando-se como candidato pós-racial. Mesmo assim, não conseguiu fugir ao rótulo de “presidente negro” aplicado pelo consenso identitário em voga.

Depois da eleição de 2008, o paradigma identitário tornou-se artigo de fé do Partido Democrata. A rendição às teses da esquerda pós-moderna de extração universitária interrompeu o diálogo com a maioria dos eleitores da heterogênea classe média branca e, ainda, com vasta parcela de latinos de origem imigrante.

O fundamento da política democrática são valores compartilhados que sustentam pontes entre diferentes formas de enxergar e interpretar o mundo. Mas a radicalização identitária, expressa na Teoria Crítica da Raça (CRT), renega tal fundamento. No lugar de uma nação, ela esculpe um monumento à divisão entre “brancos opressores” e “negros oprimidos”.

A evolução inevitável do paradigma original transformou a divisão binária num caleidoscópio de estilhaços. Raça, gênero e orientação sexual foram elevados à condição de identidades essenciais. Todas as “minorias” ganharam o estatuto de coletividades oprimidas pelo “homem branco”. Os indivíduos submergiram no teatro dos simbolismos e representações históricas.

A deriva identitária da esquerda deflagrou uma mutação sísmica na direita, da qual emanou o movimento extremista Make America Great Again (Maga). Apagaram-se, no Partido Republicano, os conservadores moderados de outrora, como John McCain ou Mitt Romney, rivais derrotados por Obama. Trump, o chefe do Maga, ofereceu à direita uma alternativa também identitária, mas dirigida à maioria: o ultranacionalismo cristão, xenófobo e nativista. A “nação de colonos” — eis a resposta reacionária à “nação de fragmentos” proposta pela esquerda.

O jogo destrutivo da direita extremista espelha as operações da esquerda identitária, mas em esteroides. Trump e o Maga converteram as políticas pós-modernas num arsenal bélico muito mais poderoso que o da esquerda identitária. O veneno voltou-se contra seus criadores — e não só nos Estados Unidos.

No Brasil, uma esquerda pronta a copiar as cartilhas universitárias americanas e parcialmente financiada pela Fundação Ford traduziu a CRT como “racismo estrutural”. A noção não deixa nenhuma saída antirracista, pois supõe que a opressão racial é o pilar sobre o qual se erguem as sociedades ocidentais.

A moda importada espalhou-se no PT e, mais ainda, no PSOL, fazendo seu caminho até os veículos de comunicação e as grandes empresas. Aqui, como nos Estados Unidos, o identitarismo desenrolou-se da raça para o gênero e a orientação sexual. No lugar da reivindicação de igualdade (direitos iguais), a política pós-moderna passou a reivindicar a diferença: todas as “minorias” almejam cotas, prioridades e financiamentos. No fim, como lá, mas sob circunstâncias diferentes, emergiu no Brasil uma extrema direita que, também atraída pelo plagiarismo, faz de Trump seu ídolo.

De olho nos eleitores, Kamala Harris recusou-se a desempenhar o papel de símbolo identitário. Sua réplica à arapuca montada por Trump veicula a seguinte mensagem: somos todos cidadãos americanos e, portanto, temos a obrigação de identificar nossos valores compartilhados e de reagir às tentativas de bombardear as pontes que formam o tecido da sociedade.

A raça entra em declínio por lá. Seremos capazes de imitá-los na hora em que, finalmente, eles acertam?

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