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GERADO EM: 13/01/2025 - 11:14

"Equilíbrio entre Justiça Digital e Empatia Humana"

Justiça digital visa agilidade, mas pode distanciar o cidadão. Sensibilidade humana é crucial para julgamentos. Uso de inteligência artificial é benéfico, porém não substitui a empatia necessária no processo judicial. A presença física do advogado é essencial para representar os interesses dos cidadãos perante os juízes. A digitalização do processo deve ser uma escolha do cidadão.

Por Ana Tereza Basílio e João Quinelato

Bom juiz é aquele que enxerga atrás de cada processo a aflição da mãe de um menor buscando sua guarda, a angústia do empresário com os bens bloqueados, a sede de justiça de um preso não culpado, de um acusado que quer ser ouvido por algum magistrado. Humanizar o processo judicial significa interpretar por trás do juridiquês a dor humana, e para isso o Estado Democrático de Direito conta, como pilar essencial, com seus juízes — de carne e osso.

Juízes vivem cotidianamente como qualquer outro cidadão e, a partir do que ordinariamente observam, com a sensibilidade humana, aplicam a lei aos fatos trazidos a julgamento. Fosse irrelevante essa sensibilidade, a atividade jurisdicional poderia ser exercida por máquinas, aplicando-se friamente a norma ao fato. Mas não é disso que depende a sociedade para avançar em sua cidadania.

Na contramão dessa constatação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 591, que permite ao relator de um processo judicial, submetido a um colegiado, transformar o julgamento presencial em virtual. Em bom português, é afastar o contato físico do juiz com o advogado que representa a dor do seu cliente.

Bem-intencionado, o CNJ pretendeu dar maior agilidade aos julgamentos, desafogando um Judiciário sobrecarregado. Segundo dados do CNJ, no final de 2023, 83,8 milhões de processos aguardavam desfecho. A entrada de casos novos atingiu o maior patamar da série histórica, com 22,6 milhões de processos que ingressaram pela primeira vez na Justiça em 2023.

O remédio, no entanto, é amargo. Ao dificultar a presença física do advogado junto ao colegiado, priva-se a sociedade de ter uma voz ativa representando os interesses dos cidadãos perante os juízes. Ao assegurar que é direito do advogado dirigir-se diretamente aos magistrados, o Estatuto da Advocacia protege, ao fim e ao cabo, o direito do cidadão de ser ouvido por quem decidirá sobre sua vida, seus bens e seus direitos.

São benfazejas as inovações tecnológicas que representem aumento de produtividade do Judiciário e, consequentemente, melhorem a prestação jurisdicional. Segundo o Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV, mais da metade dos tribunais brasileiros tem projetos de inteligência artificial. Recentemente, o STF passou a usar a Mara, ferramenta que auxilia na redação de ementas, relatórios e na execução de tarefas repetitivas. O STJ também tem iniciativas semelhantes. Mas nem tudo no processo judicial pode ser feito por máquina, porque julgar e ouvir o outro depende, como já se disse, da sensibilidade humana.

Digitalizar o sagrado momento de ser ouvido por quem o julgará deve ser uma opção do cidadão em julgamento, e não de quem julga, sob pena de retroceder no grau de proteção da cidadania. Ao advogado, deve ser preservado o sagrado momento de despachar presencialmente com o juiz, ser ouvido e ser o porta-voz da sociedade, sob pena de fragilizar quem mais precisa ser ouvido: o cidadão.

*Ana Tereza Basílio é presidente da OAB-RJ para o triênio 2025-2027, João Quinelato é professor de Direito Civil do Ibmec, advogado e diretor da Escola Superior da Advocacia da OAB-RJ

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