Incêndios em Los Angeles: Casas sobrevivem a chamas em Palisades e permanecem de pé; arquitetos explicam como isso é possível
Greg Chasen conta que algumas escolhas de design ajudam, mas também tiveram 'sorte'; até o momento, mais de 12 mil construções foram destruídas ou danificadas
Por O Globo com agências internacionais — Los Angeles
RESUMO
Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você
GERADO EM: 13/01/2025 - 15:27
Arquitetura resistente: incêndios em LA
Em Los Angeles, incêndios devastam casas, mas algumas resistem por escolhas de design e sorte. Arquitetos explicam medidas anti-incêndio, como quintal sem vegetação e materiais resistentes. Reconstrução pós-incêndio deve considerar mudanças estruturais e códigos de construção adaptados. O desafio é repensar a arquitetura para enfrentar futuros incêndios.
O Departamento Florestal e de Proteção Contra Incêndios da Califórnia (Cal Fire) informou que mais de 12.300 construções foram danificadas ou destruídas nos incêndios florestais que atingem Los Angeles desde a semana passada. Boa parte das construções estavam na mesma família há gerações — algumas pessoas inclusive morreram enquanto tentavam defender suas casas. Mas o fogo não foi impiedoso com todas as residências, e algumas permaneceram de pé em meio ao cenário de devastação ao seu redor.
Uma delas foi a casa projetada em meados de 2024 por Greg Chasen em Pacific Palisades, onde o fogo já devastou quase 11 mil hectares e apenas 14% dele foi contido. Na última quinta-feira, o arquiteto compartilhou a imagem da construção intacta em meio às cinzas espalhadas na rua. A foto recebeu mais de 160 mil curtidas e levantou um debate sobre como aquela casa teria resistido às chamas. "Algumas das escolhas de design que fizemos aqui ajudaram", escreveu Chasen na legenda, completando: "Mas também tivemos muita sorte".
À Bloomberg, o arquiteto disse que o projeto foi feito para um amigo querido e que significou muito "virar a esquina e vê-la bem ali". Entre as medidas de proteção anti-incêndio tomadas pelo arquiteto está o quintal, sem vegetação e cercado por muros baixos de concreto. A Bloomberg destacou ainda que, como o dono da casa já tinha enfrentado outros incêndios, ele removeu as latas de lixo e outros itens que poderiam contribuir para alimentar as chamas. Ele também deixou os portões laterais abertos, já que um incêndio pode se alastrar ao longo de uma cerca até a casa.
— Tivemos a infelicidade de o vizinho ter estacionado o carro ao lado da casa. Há alumínio derretido na foto — disse Chasen, acrescentando que o muro "impediu que muito daquele calor chegasse à casa".
Outras escolhas foram mais sutis. A Bloomberg explicou que ao longo da lateral da casa não há beiradas ou saliências que permitam formar redemoinhos ou acumular brasas sopradas por ventos fortes. Também não há ventilação no sótão, o que impede as faíscas de entrarem pelo telhado que, por sua vez, é de metal, com base resistente ao fogo. O design da casa em si também é simples: o telhado é reto, sem janelas verticais que se projetam para fora ou outras construções que tornariam a estrutura mais vulnerável a incêndios.
- Brasil na lista de mais afetados: Calor recorde de 2024 atingiu 3,3 bilhões de pessoas no mundo, 40% da população mundial
Somado a tudo isso, há ainda os detalhes invisíveis: as madeiras usadas nas paredes da casa podem resistir a incêndios por até uma hora. Segundo o arquiteto, o deck é de madeira classe A, tão resistente à ignição quanto o concreto ou o aço. Já a madeira usada na frente da casa é tratada termicamente e acaba protegida de faíscas e brasas pelas "sobra" das paredes laterais e do telhado. O vidro temperado também ajuda a proteger o interior da casa.
Mudanças que fazem a diferença
Mas a casa projetada por Chasen não foi a única a se manter de pé. Os especialistas destacaram que, para sobreviverem aos incêndios, as residências não precisam ser necessariamente contemporâneas. Basta que se adequem às medidas que diminuem seus impactos. O que nem todo morador, claro, está disposto a fazer:
— Se você reformar uma casa, você pode fazer todas essas mudanças nela, e ela pode ser muito resistente ao fogo. A maioria das pessoas não faz esse tipo de coisa. Elas estão mais interessadas em uma cozinha nova e bonita ou em um banheiro — explicou Clive Dawson, arquiteto que trabalha em Malibu há 40 anos, à Bloomberg.
Dawson contou que fez centenas de reformas no sul da Califórnia para tornar as residências mais resistentes. Durante um trajeto feito nesta semana, viu cinco casas que permaneceram de pé. Três foram projetadas por ele, disse, afirmando que "não teve nenhuma casa queimada que tenha sido atualizada para o padrão mais recente".
- ‘Parece Marte’ e ‘o fim do mundo’: Moradores relatam cenário de pânico em incêndio florestal em Los Angeles
Dawson é sogro de Chasen e os dois aplicam estilos diferentes em suas construções. Enquanto Chasen segue mais o estilo contemporâneo, Dawson é eclético e aposta em diferentes modelos. A experiência obviamente é grande aliada: Dawson disse que aprendeu muito com incêndios anteriores e que uma casa de 1980, projetada por ele, foi a única que permaneceu de pé após o incêndio Woolsey, em 2018. A direção e os materiais usados na parte externa fizeram toda diferença, incluindo um telhado de metal.
— Normalmente, você sabe de onde o fogo está vindo — disse Dawson, acrescentando: — É preciso ter isso em mente quando se está projetando, pois isso fará a diferença.
Apesar dos esforços do design e dos arquitetos, eles reconhecem que a arquitetura não irá poupar as casas de mais incêndios.
De olho no futuro
Arquitetos consultados pela Bloomberg dizem que, quando as autoridades começarem a debater sobre reconstrução e todo esforço que demandará, elas deverão levar em conta que a proteção das casas contra incêndios futuros passa também por uma política que leve em conta o design dessas residências. Algumas das características do projeto de Chasen já são encontradas em algumas casas no sul da Califórnia, enquanto outras foram escolhas estéticas funcionais.
Para o fundador e diretor do Larch Lab, estúdio de arquitetura de Seattle que se concentra em design adaptável ao clima, Michael Eliason, a decisão mais importantes na hora de reconstruir o local é pensar na forma em que serão reconstruídos e não apenas onde serão reerguidos. Ajustes nos códigos de construção no condado ou uma nova exigência por materiais de construção não inflamáveis também são uma opção.
No domingo, a prefeita de Los Angeles, Karen Bass, disse que seu gabinete está trabalhando para reconstruir a cidade o mais rápido possível, "eliminando a burocracia". Já o governador Gavin Newsom disse que foi posta em prática uma ordem executiva voltada para acelerar a reconstrução das casas destruídas em Los Angeles. A medida suspende burocracias que trabalham para minimizar os impactos ambientais de projetos propostos, além de algumas licenças para agilizar a reconstrução e torná-la mais acessível.
Mas nada garante também que todos os designs e medidas implementados para diminuir os impactos dos incêndios terão resultados significativos, principalmente se não forem pensadas como parte de um todo no projeto. A Bloomberg explica que, por exemplo, canos de PVC para sprinklers (aqueles chuveirinhos que derramam água quando um alarme de incêndio é acionado) em residências que não foram projetadas para resistir a incêndios podem derreter, jorrando água inutilmente e piorando a situação.
— Estamos buscando um tipo totalmente diferente de abordagem para a construção. Será necessário repensar a forma como fazemos as coisas — reconheceu Chasen.
Número de mortos em incêndios que atingem Los Angeles sobe para dez
Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY