Biden comuta penas de 37 condenados à morte, e medida marca o maior ato do tipo em mais de um século nos EUA
Detentos agora cumprirão penas de prisão perpétua ‘sem possibilidade de liberdade condicional’; apenas três homens, que cometeram massacres, tiveram a sentença mantida
Por O Globo e agências internacionais — Washington
RESUMO
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GERADO EM: 23/12/2024 - 09:05
"Biden comuta penas de morte nos EUA"
Biden comuta penas de 37 condenados à morte nos EUA, marcando maior ato do tipo em um século. Três homens mantêm sentença por notórios massacres. A medida reflete mudança de postura do presidente em relação à pena de morte e provoca críticas, além de gerar perdões presidenciais a outros condenados e discussões sobre indultos preventivos contra retaliação de Trump.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, alterou nesta segunda-feira as penas de 37 dos 40 condenados à morte pela Justiça federal americana, convertendo-as em prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional. Apenas três homens, que cometeram notórios massacres, permanecerão no corredor da morte. A medida foi tomada a menos de um mês do retorno de Donald Trump à Casa Branca com a promessa de reiniciar — e ampliar — as execuções federais. Com a decisão, Biden passa a ser o líder americano que mais poupou a vida de presos federais desde Woodrow Wilson (1913-1921), que comutou as sentenças de morte de 59 presos há mais de um século.
“Estou mais convencido do que nunca de que devemos parar o uso da pena de morte no nível federal. Por consciência, não posso ficar de braços cruzados e permitir que uma nova administração retome execuções que interrompi”, disse Biden em nota. “Não se enganem: condeno esses assassinos, lamento pelas vítimas de seus atos desprezíveis e sofro por todas as famílias que enfrentaram perdas inimagináveis e irreparáveis”. A Casa Branca também divulgou declarações de apoio de líderes religiosos, grupos de direitos civis e autoridades policiais, bem como de amigos e familiares das vítimas de homens no corredor da morte.
Dos 37 homens cujas sentenças foram comutadas, 15 são brancos, 15 são negros, seis são latinos e um é asiático. Eles foram sentenciados em 16 estados, incluindo três que já aboliram a pena de morte. Pelo menos nove dos condenados poupados estavam no corredor da morte por terem matado um colega prisioneiro ou guarda enquanto já estavam presos.
Os três homens que ainda podem enfrentar a execução federal são: Robert Bowers, de 52 anos, condenado pelo assassinato de 11 fiéis na sinagoga Tree of Life em Pittsburgh, em 2018; Dylann Roof, de 30 anos, supremacista branco que em 2015 abriu fogo contra fiéis negros em uma igreja em Charleston, Carolina do Sul; e Dzhokhar Tsarnaev, 31, um dos dois irmãos responsáveis pelo atentado à Maratona de Boston em 2013, que matou três pessoas e feriu 260.
- Maior ato de clemência em um único dia nos EUA: Biden comuta 1,5 mil sentenças e concede perdão a 39 pessoas
Como senador de Delaware, Biden foi o principal autor de uma lei criminal de 1994 que expandiu a pena de morte para dezenas de novos crimes. “Fazemos tudo, exceto enforcar pessoas por atravessarem a rua fora da faixa”, ele de gabou à época. Mais de 20 anos depois, durante sua campanha presidencial de 2020, Biden mudou de postura e prometeu apoiar uma legislação para eliminar a pena de morte. Embora a legislação proposta nesse sentido não tenha avançado no Congresso durante sua administração, o mandatário orientou o Departamento de Justiça a emitir uma moratória sobre as execuções federais.
A posição de Biden acompanha a trajetória da opinião pública. O apoio à pena de morte atingiu o pico histórico de 80% no mesmo mês em que o presidente Bill Clinton (1993-2001) sancionou a lei proposta por Biden, de acordo com pesquisas da Gallup. Em outubro de 2023, esse apoio era de apenas 53%. Ainda assim, as comutações são um contraste com a gestão de Trump (2017-2021), quando 13 prisioneiros foram executados. Em sua campanha para retornar á Casa Branca, o republicano defendeu o uso da pena de morte como punição para migrantes que assassinassem cidadãos americanos e para traficantes de drogas e pessoas.
A decisão de Biden também deve provocar uma enxurrada de críticas. O líder republicano no Senado, Mitch McConnell, disse na semana passada que a clemência demonstraria que “a política progressista é mais importante para o presidente do que as vidas tiradas pelos assassinos”.
Perdão presidencial
Abolicionistas da pena de morte, por outro lado, instaram Biden a comutar as sentenças antes do retorno de Trump. Os apelos se intensificaram após a decisão do democrata de perdoar o próprio filho, Hunter Biden, por todos os crimes federais — acusados ou não — que ele possa ter cometido entre 2014 e 2024. Hunter aguardava a sentença por acusações de porte ilegal de arma e evasão fiscal, e o perdão gerou indignação no país devido à sua abrangência. Biden também foi criticado por ter negado repetidamente que usaria seu poder para ajudar o filho. Como justificativa, o presidente argumentou que seu filho teria sido condenado num julgamento “politicamente motivado”.
No maior ato de clemência em um único dia na História moderna dos EUA, Biden também reduziu as sentenças de 1.499 condenados federais em prisão domiciliar neste mês — e concedeu perdão a 39 americanos condenados por crimes não violentos. Entre os beneficiados estavam vários nomes envolvidos em casos de corrupção pública, incluindo Rita Crundwell, ex-controladora de Dixon, Illinois, condenada por desviar mais de US$ 53 milhões no maior caso de fraude municipal do país.
“Os Estados Unidos foram construídos sobre a promessa de possibilidades e segundas chances”, disse Biden em nota na ocasião. “Como presidente, tenho o grande privilégio de estender misericórdia às pessoas que demonstraram arrependimento e reabilitação, restaurando oportunidades para que os americanos participem da vida cotidiana, contribuam para suas comunidades e ajudem a eliminar disparidades de sentenças para infratores não violentos, especialmente aqueles condenados por crimes relacionados a drogas.”
Nos Estados Unidos, o presidente tem tanto o poder de conceder o perdão, liberando uma pessoa de culpa ou punição, quanto o de comutar uma sentença, reduzindo ou eliminando a punição sem exonerar o delito. É comum que um presidente conceda clemência no final de seu mandato, usando o poder do cargo para limpar fichas ou encerrar penas de prisão. A Casa Branca sugeriu que Biden ainda não terminou de usar seus poderes de clemência, afirmando que ele “tomará medidas adicionais para proporcionar segundas chances” antes de deixar o cargo.
- Contra retaliação de Trump: Biden avalia conceder indultos coletivos para blindar atuais e ex-funcionários da Casa Branca
A equipe de Biden também está debatendo se ele deve conceder indultos preventivos a uma série de inimigos de Trump para protegê-los da “represália” que ele ameaçou, de acordo com pessoas familiarizadas com a discussão. A ideia seria estender preventivamente a clemência executiva a uma lista de atuais e ex-funcionários do governo por quaisquer possíveis crimes durante um período ainda indefinido de anos. As autoridades da Casa Branca não acreditam que os possíveis beneficiários tenham de fato cometido crimes, mas estão cada vez mais preocupadas com as repetidas ameaças de vingança feitas por Trump.
Fontes disseram à Associated Press que o presidente tem considerado essa ideia há pelo menos seis meses, antes mesmo das eleições presidenciais, mas está receoso com o precedente que isso poderia estabelecer. (Com Bloomberg e New York Times)
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