Putin sugere 'duelo' de mísseis com os EUA e defende direito russo de usar armas nucleares
Presidente da Rússia participou de coletiva anual de imprensa em Moscou, na qual respondeu questões sobre a guerra na Ucrânia e os interesses russos
Por O Globo, com agências internacionais — Moscou
RESUMO
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GERADO EM: 19/12/2024 - 09:38
Putin fala sobre mísseis e Ucrânia em coletiva
Putin sugere 'duelo' de mísseis com os EUA, defende uso de armas nucleares na Ucrânia e fala sobre a guerra em coletiva em Moscou. O presidente aborda o míssil hipersônico Oreshnik, a situação em Kursk e a possibilidade de se encontrar com Trump. Aborda também a queda de Assad na Síria e a importância do apoio ocidental para a Ucrânia. Putin mantém postura firme em suas declarações, destacando a posição russa diante dos conflitos internacionais.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou nesta quinta-feira que as forças de Moscou estariam prontas para um "duelo" com os Estados Unidos a fim de mostrar a superioridade do míssil hipersônico Oreshnik, utilizado recentemente na Ucrânia, sobre qualquer sistema de defesa antiaérea produzido em Washington. A declaração do líder russo aconteceu durante sua entrevista coletiva anual, realizada na capital russa, na qual afirmou acreditar que "salvou" a Rússia.
A sugestão sobre o "duelo" aconteceu enquanto Putin comentava o ceticismo ocidental com relação à operacionalidade e capacidade do Oreshnik. O presidente sugeriu então que os EUA deveriam designar um alvo e protegê-lo com todos os seus sistemas disponíveis, para a Rússia provar que qualquer alvo está a seu alcance.
— Nós estamos prontos para tal experimento — afirmou Putin.
O míssil Oreshnik foi utilizado pela primeira vez em combate em novembro, quando Moscou lançou um ataque contra a região ucraniana de Dnipropetrovsk. Com capacidade de atingir dez vezes a velocidade do som (Mach 10) e um alcance estimado de até 3 mil km, acredita-se que o projétil possa ser equipado com até quatro ogivas nucleares, numa carga conhecida como MIRV (Veículo de Reentrada Múltiplo Independentemente Direcionado, em inglês) — carregando assim um potencial destrutivo com implicações para os cálculos estratégicos sobre dissuasão.
Pouco após o anúncio de Putin, em novembro, sobre o uso do míssil em combate — sem carga nuclear equipada — e seu pedido de produção em série do projétil, fontes ocidentais sugeriram que ele poderia ser interceptado pelo sistema americano THAAD (Defesa Terminal de Área de Alta Altitude, em inglês). Estima-se que os EUA têm apenas sete baterias operacionais desse tipo atualmente.
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Doutrina nuclear
As alegações sobre o míssil Oreshnik e o poder bélico russo não foram o único tema tratado na sessão aberta com Putin — que, além de perguntas de profissionais de imprensa, incluem também questões enviadas pelo público. O presidente também respondeu a questionamentos sobre a guerra na Ucrânia, falando sobre a situação no front na região russa de Kursk — região russa parcialmente ocupada por forças ucranianas desde uma ofensiva lançada em agosto — e a possibilidade de usar armas nucleares.
Questionado sobre as alterações feitas na doutrina nuclear russa em novembro — que, na prática, autorizam Moscou a utilizar seu arsenal atômico contra ameaças ao Estado russo, mesmo que se trate de uma nação sem armas nucleares, desde que esta tenha apoio de uma potência nuclear —, Putin reiterou que a Rússia teria direito de usar as armas nucleares em caso de ameaça.
— Nós falamos sobre as ameaças militares emergentes... como o surgimento de sistemas antimísseis — disse Putin, ao justificar a mudança na alteração da doutrina, antes de acrescentar que a resposta sobre se a mensagem havia sido recebida pelo Ocidente caberia aos países aliados.
Situação na Ucrânia
O cenário nas frentes de batalha também foi abordado pelo presidente russo, que passou mensagens de otimismo, mas evitou ser taxativo sobre um dos pontos cruciais do conflito: a libertação de Kursk.
— A guerra é complicada... mas estamos chegando mais perto de resolver nossas tarefas principais da operação especial — disse o presidente.
Especificamente sobre Kursk, Putin admitiu não saber com exatidão quando suas forças vão retomar o controle sobre a região — embora tenha dito que há avanços no front, com o ganho de território constante pelo Exército russo.
— Nós os expulsaremos com certeza. Com certeza. Não pode ser de outra forma. Mas a questão de uma data específica, desculpe, não posso dizer agora — acrescentou.
O presidente disse ver como positivas as iniciativas de Brasil, China e África do Sul para a guerra: em maio, Brasília e Pequim anunciaram um plano que defendia o início imediato do diálogo entre russos e ucranianos, medidas para reduzir a intensidade dos ataques e sugeriram a realização de uma conferência internacional "em momento apropriado". Os sul-africanos, ao lado de 10 países apoiam a proposta, mas o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, chamou a ideia de "destrutiva".
— Por que prestamos atenção a isso? Porque esta é uma tentativa sincera de encontrar uma solução. Na nossa opinião , esta tentativa é equilibrada e não impõe nada a nenhuma das partes, nem à Ucrânia nem à Rússia — disse Putin.
Para o presidente, o ideal é estabelecer uma paz de longo prazo com Kiev, e não uma pausa temporária nos combates. Nos últimos dias, o premier da Hungria, Viktor Orbán, tem sugerido uma trégua de Natal — Zelensky rejeitou a ideia, e Putin diz que ainda não a negou.
— Nosso Exército está avançando, o inimigo não consegue se firmar nas posições para onde chegou em um determinado dia, em um determinado minuto. Não conseguirem se firmar lá, e nossos rapazes irão novamente [avançar] amanhã, e assim por diante — afirmou. — Parar uma semana significa dar ao inimigo a oportunidade de se firmar nessas posições, dar-lhe a oportunidade de descansar, obter o equipamento e as munições necessárias.
Ao analisar seu legado, não apenas sobre a guerra, mas nas últimas duas décadas e meia à frente do país, afirmou acreditar que "salvou" a Rússia.
—Sim. Acredito que não apenas salvei [o país] acredito que saímos da beira do abismo, porque tudo o que aconteceu com a Rússia antes e depois nos levou a uma perda total e completa de soberania — disse Putin, ao lembrar do governo de seu antecessor, Boris Yeltsin, um período lembrado pelos russos como os "Terríveis Anos 1990". — Sem soberania, a Rússia não pode existir como um Estado independente.
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Volta de Trump
Para além das questões envolvendo a guerra na Ucrânia, Putin também respondeu sobre mudanças no cenário político internacional, incluindo o retorno de Donald Trump à Casa Branca e a queda de Bashar al-Assad na Síria.
Sobre o presidente eleito dos EUA, Putin afirmou que está disposto a reunir-se com ele "a qualquer momento" — uma sinalização na mesma semana em que o próprio Trump disse ter a intenção de falar tanto com Putin quanto com Zelensky.
— Não sei quando vou vê-lo [Trump]. (…) Não falo com ele há mais de quatro anos, mas estou preparado para isso, claro. E também estarei pronto para uma reunião, se ele quiser — disse Putin. — Se um dia nos encontrarmos com o presidente eleito Trump, tenho certeza de que teremos muito o que conversar.
Em um momento de espera em relação ao novo mandato de Trump, que adiantou que Kiev deve esperar menos ajuda americana, Zelensky fez um apelo, durante um encontro em Bruxelas nesta quinta-feira, pela continuidade do apoio ocidental.
— Temos que contar com a unidade entre EUA e Europa. É muito difícil apoiar a Ucrânia sem a ajuda americana, e vamos falar sobre isso com o presidente Trump quando ele estiver na Casa Branca — disse Zelensky. — Somente juntos, EUA e Europa, podem realmente conter Putin e salvar a Ucrânia.
Líderes europeus, como a nova chefe da diplomacia da UE, a estoniana Kaja Kallas, já afirmaram que forçar negociações prematuras por um cessar-fogo pode ser ruim para a Ucrânia.
Assad e a guerra na Síria
Sobre o aliado no Oriente Médio, que recentemente fugiu para Moscou ao ser deposto por grupos rebeldes, Putin afirmou não ter se encontrado com Assad até o momento, embora tenha deixado em aberto a possibilidade de vê-lo em breve.
— Ainda não vi o presidente Assad desde que chegou a Moscou, mas pretendo fazê-lo. É claro que falarei com ele — disse Putin.
O presidente também descartou a leitura de que a deposição de Assad configura uma derrota para a Rússia, que ao longo de 13 anos de guerra civil na Síria foi um importante pilar de sustentação do regime do então ditador.
— Há uma tentativa de apresentar o que aconteceu na Síria como uma derrota para a Rússia. Garanto a vocês que não é o caso — declarou. — Fomos à Síria há dez anos para evitar que ali fosse criado um enclave terrorista, como no Afeganistão. No geral, atingimos o nosso objetivo.
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