Países europeus suspendem pedidos de asilo de refugiados sírios e dizem acompanhar cenário para definir próximos passos
Em 13 anos de guerra civil, país produziu uma das maiores crises de deslocamento do mundo, com mais de 6 milhões de refugiados e 7,2 milhões de deslocados internos
Por O Globo e agências internacionais — Damasco
RESUMO
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GERADO EM: 09/12/2024 - 14:58
Europa reavalia políticas de asilo para refugiados sírios
Países europeus suspendem pedidos de asilo de refugiados sírios devido à queda do governo de Assad na Síria. ACNUR alerta sobre a complexa situação dos deslocados internos e refugiados. Turquia incentiva retorno seguro, enquanto Europa e outras nações reavaliam suas políticas de asilo diante do cenário incerto.
A velocidade dos acontecimentos na Síria nos últimos dias, com o colapso em 11 dias de um regime de 54 anos, tem sido observada com cautela por diversas nações ao redor do mundo — especialmente aquelas que abrigam a diáspora de 13 anos de guerra civil. Segundo a agência da ONU para refugiados (Acnur), o país continua produzindo uma das maiores crises de deslocamento do mundo, com uma projeção de 7,2 milhões de deslocados internos e 6,2 milhões de pessoas tendo se refugiado principalmente nos países vizinhos, como Turquia e Líbano, mas também na Europa.
Diante de um cenário incerto, nações europeias suspenderam nesta segunda-feira os pedidos de asilo em andamento para sírios já em seus territórios, uma das respostas mais contundentes da Europa até agora à queda de Bashar al-Assad. O continente abriga mais de 1 milhão de refugiados sírios, com cerca de 60% deles na Alemanha, o que os torna o maior grupo estrangeiro abrigado na maior economia do bloco europeu. Na Áustria, os sírios ainda são o maior grupo de solicitantes de asilo, com 12.871 pedidos registrados até novembro deste ano.
Com a volatilidade da situação em Damasco, ainda não se sabe se e quando os sírios asilados na Alemanha poderão retornar ao seu país de origem, informou o Ministério do Interior nesta segunda-feira. Segundo o órgão, atualmente 974.136 pessoas de nacionalidade síria residem na Alemanha. Destas, 5.090 foram reconhecidas como elegíveis para asilo, 321.444 receberam status de refugiado e 329.242 obtiveram proteção subsidiária, uma permissão temporária para permanecer no país. O status de proteção geralmente é concedido por três anos e só pode ser revogado se a situação no país de origem tiver mudado. Não ficou claro qual o status dos restantes 318.360.
“O fim da brutal tirania do ditador sírio Assad é um grande alívio para muitas pessoas que sofreram com tortura, assassinatos e terror. Muitos que encontraram proteção na Alemanha agora têm esperança de retornar à sua pátria”, afirmou a ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, em nota. “No entanto, possibilidades concretas de retorno não podem ser previstas no momento. Seria pouco profissional especular sobre isso numa situação tão volátil. Com isso, é correto que o Escritório Federal para Migração e Refugiados tenha imposto hoje a suspensão nas decisões sobre os processos de asilo ainda pendentes até que a situação fique mais clara.”
— O fato de o regime de Assad ter sido derrubado infelizmente não é garantia de um desdobramento pacífico — declarou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores alemão, Sebastian Fischer, nesta segunda-feira. — Ainda veremos se essa nova situação resultará em mais fluxos de refugiados ou se a situação vai se estabilizar.
Segundo ele, o governo em Berlim julgará a organização Hayet Tahrir al-Sham (HTS), que liderou a coalizão de grupos da oposição, pela forma como tratará as minorias étnicas e religiosas na Síria nas próximas semanas.
Retorno ‘seguro e voluntário’
Em Viena, o Ministério do Interior informou que precisa reavaliar a situação e que, por isso, suspenderá temporariamente o processamento de todos os pedidos de asilo. A pasta anunciou a suspensão até mesmo da reunificação familiar, que permite que familiares de refugiados se juntem a eles. O chanceler Karl Nehammer, que negocia uma nova coalizão governamental, prometeu conter a imigração à medida que perde apoio para o Partido da Liberdade, de orientação anti-imigração. No domingo, ele publicou no X que a situação na Síria deveria ser reavaliada para permitir a retomada das deportações.
Dinamarca, Suécia, Noruega e Reino Unido também anunciaram a suspensão de asilos, e o governo francês afirmou nesta segunda-feira que avalia fazer o mesmo, indicando que “uma decisão deverá ser tomada nas próximas horas”. Em 2023, a França registrou mais de 4 mil solicitações de asilo de cidadãos sírios, segundo os dados mais recentes do Escritório Francês de Proteção a Refugiados e Apátridas, responsável por examinar esses pedidos.
No domingo, o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Hakan Fidan, disse que os milhões de sírios deslocados pelo conflito agora podem retornar para casa. Em declaração no Fórum de Doha, no Catar, ele afirmou que “chegou a hora de unificar e reconstruir a Síria”, embora também tenha pedido que atores regionais e internacionais ajam com cautela, alertando para o risco de a região ser “arrastada para mais instabilidade”. Ele reforçou que a Turquia — que abriga cerca de 3,2 milhões de refugiados sírios registrados — trabalhará com a nova administração do país vizinho.
A Turquia acolheu os refugiados sírios de braços abertos nos primeiros anos da guerra civil síria, iniciada em 2011, tornando-se rapidamente o país com maior número de refugiados do mundo. A administração local acreditava que o conflito terminaria rapidamente e que o fluxo de refugiados seria temporário. No entanto, à medida que o Estado turco passou a enfrentar desafios econômicos, a opinião pública em relação aos refugiados se deteriorou, forçando o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan a buscar maneiras para garantir o retorno seguro e voluntário da população síria.
Cenário dinâmico
Segundo relatório do Acnur, nos primeiros oito meses de 2024, mais de 34 mil refugiados sírios voltaram ao país. A crise no Líbano e o consequente influxo para a Síria no final de setembro, avaliou o órgão, criaram uma situação muito dinâmica, com cerca de 320 mil refugiados sírios retornando à Síria em condições adversas até 28 de outubro de 2024. Considerando a fluidez da situação, ainda não está claro quantos desses permanecerão na Síria, desejarão voltar para o Líbano ou buscarão outros destinos, mas é esperado que os retornos espontâneos continuem ao longo do próximo ano.
Na nona pesquisa de percepções e intenções de retorno do Acnur entre refugiados sírios no Egito, Iraque, Jordânia e Líbano, publicada antes da escalada do conflito em Beirute, a maioria dos entrevistados (57%) indicava esperança de retornar à Síria um dia. Mais de um terço (37%) esperava voltar nos próximos cinco anos — número consideravelmente maior do que o indicado na pesquisa anterior, de 2023, quando 25% disseram o mesmo. Ainda assim, menos de 2% pretendiam retornar nos próximos 12 meses, com preocupações com a segurança e proteção dentro da Síria figurando entre os principais obstáculos para o retorno.
Nesta segunda-feira, porém, grandes movimentações já foram registradas. No exílio, milhares de sírios comemoraram o fim do governo de Assad, e nas ruas da capital, Damasco, orações religiosas foram ouvidas nos alto-falantes das mesquitas. Estradas e rodovias que até um dia antes eram percorridas por tanques e veículos blindados passaram a ficar congestionadas, com milhares de sírios deslocados internamente tentando voltar para suas casas. Eles viajavam em carros e caminhões carregados com seus pertences acumulados ao longo dos anos — colchões, sacos de roupas e cobertores.
Centenas de sírios deslocados também voltaram ao país nesta segunda-feira a partir do Líbano e da Turquia, com dezenas de carros formando filas para entrar na Síria. Moradores libaneses distribuíram doces para parabenizar os sírios que esperavam para retornar, e autoridades turcas montaram um posto de controle a cerca de 5 km da fronteira para permitir a passagem apenas de sírios com documentos apropriados. À agência Associated Press, um homem sírio que se preparava para retornar a Damasco sintetizou a importância do momento:
— É um sentimento que esperamos há 14 anos. Você se sente psicologicamente livre, pode se expressar. O país está livre, e as barreiras foram derrubadas. Agora, os sírios precisam criar um Estado bem organizado que cuide de seu povo. É uma nova fase. (Com AFP, Bloomberg e New York Times)
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