COP29: Regras de mercado de carbono internacional são aprovadas, mas impasse com financiamento segue
Medida é anunciada após quase uma década de debate, mas conferência segue sem texto final; entrave sobre financiamento pode empurrar decisão para COP30, no Brasil
Por O Globo
RESUMO
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GERADO EM: 23/11/2024 - 16:51
"Acordo de Mercado de Carbono na COP29: Impasse Financeiro Preocupa Brasil para Cumprir Metas de Paris"
As regras de mercado de carbono são aprovadas na COP29, porém impasse financeiro persiste. Brasil destaca importância do financiamento. Acordo busca comércio global regulamentado para cumprir metas do Acordo de Paris. Críticos temem impactos negativos. Desafios incluem transparência e qualidade dos créditos de carbono. COP30 no Brasil pode ser afetada.
Novas regras que permitem que países ricos e grandes emissores comprem “compensações” de redução de carbono de nações em desenvolvimento foram acordadas neste sábado na 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29), realizada em Baku, no Azerbaijão. A aprovação foi celebrada por especialistas e autoridades, incluindo o Brasil, embora esteja longe de significar um êxito da COP29, a "COP das Finanças", que ainda não apresentou um texto final devido justamente ao impasse sobre o financiamento. O entrave pode empurrar a decisão para a COP30, a ser realizada no Brasil, em Belém.
O avanço na regulamentação do mercado de carbono internacional é passo importante em um debate espinhoso, que se arrasta há anos nas negociações sobre o clima. A aprovação consensual abre caminho para um comércio efetivo de carbono entre os países e a criação de um mercado global regulamentado, com a capacidade de atender as metas do Acordo de Paris, que propõe a redução da emissão de gás carbônico.
Os defensores argumentam que uma estrutura apoiada pela ONU para o comércio de carbono poderia direcionar investimentos para as nações em desenvolvimento, onde muitos créditos são gerados. Os críticos temem que, se mal estabelecidos, esses esquemas possam prejudicar os esforços do mundo para conter o aquecimento global. Também temem que os sistemas possam permitir aos países comercializarem reduções de emissões duvidosas que encobrem seu fracasso em diminuir rde fato as emissões de gases de efeito estufa.
Marina Silva: 'não se resolveu ainda o essencial'
Em entrevista coletiva em Baku, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, celebrou a conquista e disse que o Brasil continuará "trabalhando para que o processo seja transparente com a máxima tranquilidade". Mas destacou que a conferência permanece "em situação de impasse" em decorrência de fatores como os países só terem tido acesso "ontem [sexta-feira]" a um texto proposto para o financiamento.
— Não que [outros assuntos] não sejam importantes. [Mas] precisamos pensar no que é essencial — afirmou a ministra, argumentando que o financiamento "não" é "um benefício" aos países mais vulneráveis, mas algo necessário para implementar a transição energética e afins.
Uma minuta do texto final vista pela AFP propõe que as nações ricas aumentem para US$ 300 bilhões por ano até 2035 seu compromisso com os países mais pobres para combater as mudanças climáticas. O valor é superior aos US$ 100 bilhões atualmente fornecidos pelas nações ricas sob um compromisso que está prestes a expirar — e aos US$ 250 bilhões propostos em uma minuta na sexta-feira.
Ainda assim, a oferta foi considerada ofensivamente baixa pelos países em desenvolvimento, que exigiram pelo menos US$ 500 bilhões para criar resistência contra as mudanças climáticas e reduzir as emissões. Neste sábado, nações insulares ameaçadas pela elevação dos mares e estados africanos empobrecidos saíram furiosos de uma reunião para se definir o valor, argumentando que suas preocupações haviam sido ignoradas. A retirada interrompeu as discussões.
A ministra também observou que o impasse pode estar centrado em uma questão de "não ter também um esforço de liderança", mas salientado que não se tratava de "uma questão da presidência", hoje ocupada pelo Azerbaijão. Observou que a COP é "construída em colaboração", mas destacou que os financiadores deveriam se debruçar sobre a questão principal.
Um eventual fracasso da COP29 pode respingar na COP30, que será realizada no Brasil, em Belém, no ano que vem. Nesse sentido, Marina disse que o Brasil foi a Baku de "coração aberto" e com uma "NDC (contribuições nacionalmente determinadas) ambiciosa", alinhada com a meta do Acordo de Paris. Ela também pediu que os países apresentassem compromissos sólidos antes do prazo final de fevereiro para o evento no Pará, ênfase feita durante seu discurso na primeira plenária de encerramento neste sábado. A COP 29 estava programada para encerrar seus trabalhos na sexta-feira, mas foi estendida por mais um dia pelo impasse sobre o financiamento.
Fontes brasileiras presentes em Baku informaram que circulava extraoficialmente na plenária um rascunho de proposta de piso de financiamento de US$ 300 bilhões anuais ate 2035 para países menos desenvolvidos e ilhas em risco e o lançamento de um programa de trabalho Baku-Belem para se chegar, no evento no Brasil no ano que vem, a US$ 1.3 trilhao. A decisão pode sair até a madrugada no Azerbaijão, começo da noite de sábado no Brasil, mas não se descarta mais um dia de discussões devido ao impasse.
Arábia Saudita é acusada de modificar texto oficial da COP29
De acordo com o jornal britânico Guardian, um delegado da Arábia Saudita foi acusado de ter feito alterações em um documento oficial que ainda estava em negociação na cúpula. Nas COPs, todas as decisões são aprovadas de forma consensual.
Os documentos produzidos nas conferências são tradicionalmente compartilhados em formato PDF não editável. A ideia é que os envolvidos se inteirem das versões para que possam discutir eventuais mudanças. Para a Arábia Saudita, no entanto, a presidência da COP29, do Azerbaijão, teria liberado acesso para edição. A Arábia Saudita, uma das maiores produtoras de petróleo do planeta, atuou para vetar menções a medidas de reducão de combustíveis fósseis nas decisões finais da conferência.
Procuradas pelo Guardian, a presidência da COP29 e a delegação saudita não comentaram sobre a revelação da reportagem.
Entenda: como funcionará o mercado do carbono?
Os créditos de carbono são gerados por atividades que reduzem ou evitam as emissões de gases de efeito estufa que aquecem o planeta, como o plantio de árvores, protegendo os sumidouros de carbono existentes ou substituindo o carvão poluente por alternativas de energia limpa. Até o momento, esses créditos eram negociados principalmente por empresas em um mercado não regulamentado e marcado por escândalos.
Mas o Acordo de Paris, de 2015, previa que os países também poderiam participar de um comércio transfronteiriço de reduções de carbono. A ideia geral é que os países — especialmente os poluidores ricos — comprem créditos de carbono de outras nações que estejam se saindo melhor em suas próprias metas de redução de emissões.
A iniciativa, conhecida como Artigo 6, inclui tanto o comércio direto entre países quanto um mercado separado apoiado pela ONU. Ela tem se mostrado popular tanto entre os países em desenvolvimento que buscam financiamento internacional quanto entre as nações mais ricas, ansiosas por encontrar novas maneiras de cumprir metas rígidas de redução de emissões.
Juntamente com esse sistema descentralizado, de estado para estado, haverá outro sistema administrado pela ONU para o comércio de créditos de carbono, aberto tanto para Estados quanto para empresas.
A União Europeia (UE) e os Estados Unidos pressionaram por um acordo na COP29 e muitas nações em desenvolvimento, especialmente na Ásia e na África, já se inscreveram para projetos específicos.
Até o início deste mês, mais de 90 acordos já haviam sido firmados entre nações para mais de 140 projetos-piloto, de acordo com a ONU. Mas, até o momento, apenas uma negociação foi realizada entre os países, envolvendo a Suíça na compra de créditos vinculados a uma nova frota de ônibus elétricos na capital da Tailândia, Bangcoc.
A Suíça tem outros acordos agendados com Vanuatu e Gana, enquanto outros países compradores incluem Cingapura, Japão e Noruega.
'Ameaça ao acordo de Paris'
O Climate Action Tracker, think tank britânico, alertou, no entanto, que a falta de transparência da Suíça sobre seus próprios cortes de emissões corre o risco de "estabelecer um mau precedente".
Niklas Hohne, do NewClimate Institute, um dos grupos por trás do projeto, alertou que há uma preocupação de que o mercado crie um incentivo para que os países em desenvolvimento não prometam cortes de emissões em seus próprios planos nacionais, para que possam vender créditos de quaisquer reduções que ultrapassem esse nível.
— Há uma grande motivação de ambos os lados para fazer as coisas de forma errada — disse.
Injy Johnstone, pesquisadora especializada em neutralidade de carbono da Universidade de Oxford, disse à AFP que o fato de as nações poderem estabelecer seus próprios padrões nesses acordos entre países era uma grande preocupação. Ela observou que, de modo geral, o risco de "greenwashing" (um discurso vazio) torna o Artigo 6 "a maior ameaça ao Acordo de Paris".
No dia de abertura da COP29, as nações concordaram com uma série de regras básicas cruciais para colocar em movimento esse mercado administrado pela ONU, após quase uma década de discussões complexas.
— Há muitos projetos esperando [pelo mercado] — disse à AFP Andrea Bonzanni, da Associação Internacional de Comércio de Emissões IETA, que tem mais de 300 membros, incluindo gigantes do setor de energia como a BP.
Apesar desses sinais positivos, alguns especialistas expressaram dúvidas de que a qualidade dos créditos de carbono negociados no mercado regulamentado seja muito melhor do que os anteriores.
Erika Lennon, do Center for International Environmental Law, disse que seria necessário garantir que esses mercados não criassem "ainda mais problemas e mais escândalos do que os mercados voluntários de carbono".
Esses mercados "voluntários" foram abalados por escândalos nos últimos anos, em meio a acusações de que alguns créditos vendidos não reduziam as emissões conforme prometido ou de que os projetos exploravam as comunidades locais. (Com AFP)
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