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GERADO EM: 07/10/2024 - 04:30

Guerra em Gaza: Desastre Humanitário e Reconstrução Incerta

Guerra em Gaza causa desastre humanitário com 42 mil mortos e 100 mil feridos. Reconstrução incerta após destruição massiva. ONU pede fim da ocupação israelense. População enfrenta fome, saúde precária e trauma. Radicalização de jovens representa desafio futuro. Reconstruir não é apenas prédios, mas vidas. Impacto duradouro e incerto no Oriente Médio.

“Perda de capacidades humanas e institucionais, fome e desnutrição, educação perdida, serviços de saúde dizimados, higiene e saneamento inadequados, deslocamento forçado e más condições de moradia já atrasaram o desenvolvimento humano em mais de duas décadas”, declarou, em maio, um relatório do Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud), sobre as sombrias perspectivas para o futuro da Faixa de Gaza.

Sob bombardeios desde outubro de 2023, que deixaram 41,6 mil mortos e 100 mil feridos, o enclave tem diante de si um dos maiores desafios de reconstrução da História recente, que inclui, além da destruição física, impactos humanos difíceis de serem reparados.

Segundo a UNRWA, a agência da ONU para os palestinos, 1,9 milhão de pessoas deixaram suas casas, bairros e cidades desde outubro de 2023, quando Israel invadiu a Faixa da Gaza após o ataque do grupo terrorista Hamas. Isso corresponde a quase 90% da população do enclave. Mesmo se os combates fosse interrompidos imediatamente, o que parece longe de acontecer, a maior parte não teria para onde retornar — cerca de 80% das estruturas em Gaza foram destruídas, incluindo casas, usinas de dessalinização de água e geradores de energia. Para centenas de milhares de pessoas, tendas improvisadas em bolsões cada vez mais reduzidos são e serão seus lares por um período incerto.

Um levantamento da ONU, de agosto, mostrou que há cerca de 42 milhões de toneladas de escombros no território, suficiente para formar uma linha de caminhões carregados que se estenderia do Rio de Janeiro até Nova Délhi. Além de não terem para onde retornar, os moradores de Gaza viram suas fontes de alimentação evaporarem: a entrada de suprimentos foi bruscamente reduzida através dos postos de controle de Israel, e uma análise de imagens de satélite feita pela rede al-Jazeera mostra que até 60% das terras agricultáveis foram devastadas, assim como poços (46%), estufas (33%) e painéis solares (65%). A fome extrema atinge cerca de 22% da população, apontou relatório da ONU, em junho.

— O máximo que ficamos sem comer foi cerca de uma semana. Comíamos porções extremamente pequenas, e eu as guardava para as crianças. Eu consigo suportar a fome, mas tenho que cuidar delas; juro que elas dormiram todos os dias com o estômago vazio. Fiquei arrasada ao ver meus filhos daquele jeito — disse Shaimaa, uma moradora de Gaza que hoje está no Egito com os dois filhos, citada pela ONG Refugees International.

Pessoas caminham sobre escombros de uma torre destruída durante ataque aéreo israelense na cidade de Gaza, em 7 de outubro de 2023 — Foto: Mohammed ABED / AFP
Pessoas caminham sobre escombros de uma torre destruída durante ataque aéreo israelense na cidade de Gaza, em 7 de outubro de 2023 — Foto: Mohammed ABED / AFP

Uma população faminta e debilitada. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de julho apontou que um quarto dos feridos na guerra, cerca de 22 mil pessoas, “provavelmente terão necessidades agudas e contínuas de reabilitação, incluindo pacientes com lesões nas extremidades, amputações, lesões na cabeça e na medula espinhal e queimaduras”. Segundo o documento, são até 17 mil lesões em membros, até quatro mil amputações e dois mil ferimentos na cabeça e coluna.

Hoje, aponta a OMS, não há meios para tratar tantas pessoas ao mesmo tempo, uma vez que menos da metade dos hospitais em Gaza funcionam de maneira parcial, e centros menores de saúde estão fechados ou têm as atividades suspensas regularmente. Ao menos 39 fisioterapeutas morreram durante a guerra, e serviços de prótese não conseguem mais atender a demanda crescente.

— O enorme aumento nas necessidades de reabilitação ocorre em paralelo com a dizimação contínua do sistema de saúde— disse Richard Peeperkorn, representante da OMS para Gaza. — Os pacientes não conseguem o cuidado de que precisam. Os serviços de reabilitação aguda são severamente interrompidos e o cuidado especializado para ferimentos complexos não está disponível, colocando as vidas dos pacientes em risco. Suporte imediato e de longo prazo é urgentemente necessário para atender às enormes necessidades de reabilitação.

Mulher chora sobre o corpo de um dos mortos em ataque israelense a mesquita em Deir al-Balah, na Faixa de Gaza — Foto: BASHAR TALEB / AFP
Mulher chora sobre o corpo de um dos mortos em ataque israelense a mesquita em Deir al-Balah, na Faixa de Gaza — Foto: BASHAR TALEB / AFP

Planos para a reconstrução de locais que enfrentaram guerras de grande porte precisam reunir uma série de fatores para dar certo — o mais bem sucedido deles, o Plano Marshall, após a Segunda Guerra Mundial, combinou bilhões de dólares, compartilhamento de conhecimento e, mais importante, acordos políticos e de segurança, no início da Guerra Fria. No Japão, o processo também passou pela ocupação do território pelos americanos. Na União Soviética, o período após os combates com os nazistas incluiu a industrialização e a anexação de territórios no Leste Europeu, além de estabelecer regimes aliados (ou satélites) na região.

No caso de Gaza, um ano após o início da guerra, há uma série de ideias sobre a mesa, mas nenhuma com a substância necessária. Há divergências sobre quem comandará o enclave, quem custeará a reconstrução e, no momento, como o conflito vai terminar.

— Qualquer proposta de reconstrução de Gaza deve se iniciar pelo cessar-fogo, no mínimo, e na retirada das forças israelenses do território — afirmou ao GLOBO Isabela Agostinelli, professora de Relações Internacionais da PUC-SP, lembrando que esse processo provavelmente levará décadas até ser concluído.

Mais do que erguer prédios e estradas, qualquer proposta para o pós-guerra deverá priorizar a reconstrução da população do enclave caso queira dar certo. Hoje, 1,9 milhão de civis estão longe de suas casas, sem renda (o desemprego beira os 80%), sem acesso a tratamentos de saúde, inclusive para os que sofreram ferimentos e amputações e sujeitos a um trauma psicológico poucas vezes visto. O número elevado de mortes de crianças e jovens ressalta que o impacto da guerra será sentido nesta e nas próximas gerações.

— Além de lidar com um trauma físico e psicológico sem precedentes, visto que mais de 900 famílias inteiras foram assassinadas em Gaza, a região necessitará de ajuda financeira e humanitária internacional para ser reconstruída fisicamente. Também podemos falar de uma reconstrução da humanidade e das instituições internacionais, que até o momento têm se mostrado ineficientes — disse Isabela.

Em entrevista à Bloomberg, Daniel Egel, da consultoria RAND. Segundo ele, caso sejam incluídos na conta da reconstrução os custos “ocultos”, que levam em conta o fator humano, o valor para reerguer Gaza pode passar de US$ 80 bilhões. Mas os números, apontam ele, pouco significam diante do desastre humanitário.

— Você pode reconstruir um prédio, mas como reconstruir as vidas de um milhão de crianças? — questionou Egel.

Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, dos quase 42 mil mortos na guerra, cerca de 16,5 mil são crianças. No mês passado, o órgão divulgou um relatório de 649 páginas com os nomes de todos os que morreram desde outubro de 2023: nas primeiras 14 páginas, todas as vítimas tinham menos de um ano de idade.

Crianças palestinas carregam água por rua da Cidade de Gaza — Foto: Omar AL-QATTAA / AFP
Crianças palestinas carregam água por rua da Cidade de Gaza — Foto: Omar AL-QATTAA / AFP

A reconstrução traz um outro desafio igualmente complexo. Diante dos bombardeios e morte de parentes e amigos, e com uma sociedade devastada, a radicalização foi e deve ser o caminho para muitos jovens, como ocorreu em países como Iraque, Moçambique e Síria, para citar alguns exemplos. Mesmo se o Hamas como organização for desmantelado, o pós-Hamas pode ser ainda pior, com potenciais efeitos em todo o Oriente Médio. Para Isabela Agostinelli, a contenção do radicalismo futuro em Gaza passa, além do lado econômico, também por um caminho político.

— A única forma de impedir uma radicalização da resistência é a garantia do direito de autodeterminação nacional dos palestinos e dos seus direitos humanos — afirmou. — Caso Israel continue sua ocupação e dominação colonial sobre os territórios palestinos, qualquer possibilidade de criação de um Estado palestino fica inviável. Vimos isso nos Acordos de Oslo (1993-95), que foram uma farsa desde seu início, visto que não houve a criação de um Estado palestino com controle sobre seu próprio território, recursos e população.

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