Uma estrada de cerca de 6,4 quilômetros divide a Faixa de Gaza em duas metades, estendendo-se da fronteira de Israel até o Mar Mediterrâneo. Trata-se do Corredor de Netzarim, localizado poucos quilômetros ao sul da Cidade de Gaza e que tem sido fortificado pelas tropas israelenses com a construção de bases, a ocupação de estruturas civis e a demolição de casas, de acordo com imagens de satélite e outras evidências visuais verificadas pelo jornal americano Washington Post. A ação, afirmam analistas militares, faz parte dos planos de Israel para o pós-guerra, cujo objetivo seria consolidar a presença militar na região e remodelar o enclave palestino.
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Segundo a reportagem, desde março, quando a estrada atingiu a costa do Mediterrâneo, já foram criadas três bases operacionais avançadas, conforme mostram imagens de satélite examinadas pelo jornal. Do lado do mar, o corredor leva a um novo ponto de descarga próximo aum píer flutuante de um projeto americano destinado a trazer mais ajuda humanitária para Gaza.
Demolições e barreiras
As tropas israelenses também tomaram estruturas civis, diz o jornal, como uma antiga escola na vila de Juhor ad Dik, perto da fronteira, e um hospital abandonado na região, transformando-as em postos militares. Segundo observações por satélite, barreiras de areia protetoras surgiram no local onde ficava a escola entre 15 e 30 de março, e o restante da vila foi destruído.
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Segundo o especialista em dados geográficos Adi Ben-Nun, da Universidade Hebraica, ao menos 750 prédios já foram destruídos para criar uma “zona de segurança” de cerca de 450 metros de cada lado da estrada, e outros 250 edifícios foram demolidos na área do cais no Mediterrâneo.
Já a área liberada ao redor do corredor e do cais abrange ao menos 10 quilômetros quadrados, segundo Ben-Nun. Os danos a edifícios e terras agrícolas se estendem além dessa área, com tudo ao longo do caminho “completamente demolido”, disse ele ao WP.
Ter o controle do corredor permite ao Exército israelense uma rápida mobilidade e a fiscalização do fluxo de ajuda e do movimento dos palestinos deslocados, o que Israel considera fundamental para impedir o reagrupamento dos combatentes do grupo terrorista Hamas.
Futuro do território
Em guerra com Israel há pouco mais de sete meses, o Hamas tem exigido a retirada das tropas israelenses dessa área como uma condição central nas negociações de cessar-fogo, que ainda não saíram do papel. Sem um acordo, porém, as forças israelenses têm se estabelecido firmemente na região.
Embora Israel afirme que não pretende reocupar Gaza permanentemente — o país retirou tropas e colonos do enclave unilateralmente em 2005 —, a construção recente de estradas, postos avançados e zonas de segurança sugere um papel militar crescente de Israel no enclave, à medida que outras soluções para o pós-guerra do território não se concretizam.
Até o momento, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, divulgou poucos planos concretos para o futuro de Gaza, mas prometeu manter controle de segurança por tempo “indefinido” sobre o enclave e afirmou que as tropas israelenses podem precisar “estar dentro” de Gaza para desmilitarizar o Hamas.
Batizado em referência ao antigo assentamento israelense de Netzarim em Gaza, o corredor em questão cruza a Estrada Salaheddin, uma das principais vias norte-sul do enclave, sendo um cruzamento estratégico. Além disso, também se conecta à Estrada al-Rashid, que corre ao longo da costa do Mediterrâneo.
O “eixo Netzarim”, segundo a reportagem, fazia parte da estratégia do ex-premier israelense Ariel Sharon (2001-2006) de dividir Gaza em segmentos sob controle de segurança israelense. Embora o plano não tenha sido totalmente implementado após a retirada das tropas em 2005, o corredor foi restabelecido após o ataque do Hamas em 7 de outubro — que matou cerca de 1.200 pessoas em território israelense e deixou aproximadamente 240 reféns, levando à retaliação de Israel em Gaza, onde mais de 35 mil pessoas já foram mortas.
— Não é surpresa que Israel tenha voltado e estabelecido isso como um novo corredor — disse ao WP o tenente-coronel Jonathan Conricus, membro da Fundação para a Defesa de Democracias e ex-porta-voz do Exército israelense. — O terreno é o mais favorável lá e atende aos propósitos militares.
'Zonas de segurança'
Em janeiro, uma reportagem do New York Times já mostrava os planos de Israel de demolir edifícios palestinos próximos à fronteira para criar uma “zona de segurança”, segundo autoridades anônimas israelenses. Na época, as fontes afirmaram que o objetivo era criar uma zona-tampão de quase um quilômetro de largura ao longo de toda a fronteira com Gaza, reduzindo o enclave palestino em 58 quilômetros quadrados, cerca de um sexto do território, onde vivem mais de 2,3 milhões de pessoas.
A ideia de uma zona-tampão já era presente no discurso israelense desde os primeiros meses do conflito, levando o Departamento de Estado dos EUA a se manifestar contra o plano, em dezembro, exceto em caso temporário para o retorno de reféns.
A maioria dos edifícios em Gaza foi danificada durante a guerra, segundo estimativas da ONU. Balakrishnan Rajagopal, relator da ONU para moradia adequada, afirmou que a demolição sistemática de casas na fronteira palestina poderia constituir um crime de guerra, já que essas casas não representam uma ameaça imediata a Israel.
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