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Entenda a sangrenta guerra às drogas que já matou milhares nas Filipinas

Mais de 12 mil foram assassinados em 18 meses do polêmico governo Duterte, dizem ONGs
Parentes de homem morto em operação da polícia contra traficantes e usuários de drogas choram durante funeral em Manila Foto: Reuters
Parentes de homem morto em operação da polícia contra traficantes e usuários de drogas choram durante funeral em Manila Foto: Reuters

MANILA — O presidente da Filipinas, Rodrigo Duterte, trava uma sangrenta guerra contra as drogas em seu país desde que assumiu o governo em junho de 2016. As sistemáticas violações de direitos humanos alarmam a comunidade internacional, enquanto estima-se que 12 mil pessoas — sobretudo, narcotraficantes ou usuários de drogas — já tenham sido mortas em operações policiais ou alvo de execuções extrajudiciais em condições não esclarecidas. Polêmico e sem papas na língua, o presidente não economiza em palavras de baixo escalão para insultar líderes estrangeiros, como o  ex-presidente dos EUA Barack Obama, e até mesmo o Papa Francisco. E também já revelou que matou uma pessoa a facadas quando tinha apenas 16 anos.

Enquanto as críticas internacionais vêm de todos os lados contra Duterte, o presidente parece, no entanto, ter cultivado uma amizade improvável: o presidente dos EUA, Donald Trump. Todos os abusos contra civis não foram mencionadas durante a visita do chefe da Casa Branca às Filipinas, cerca de um ano e meio após Duterte ter assumido a Presidência. Num encontro bilateral entre os dois líderes, Trump elogiou a hospitalidade o seu homólogo filipino, a organização da cúpula em que se encontravam e até a temperatura de Manila. Mas se calou e não abordou o desrespeito aos direitos humanos e a repressão violenta às drogas realizada pelo governo filipino.

A guerra de Duterte contra as drogas alarmou os grupos de defesa aos direitos humanos pelo mundo após o presidente permitir que policiais e guardas façam justiça com as próprias mãos. Autoridades estimam que quase 4 mil pessoas, a maioria usuários e vendedores de drogas, morreram durante a repressão. Porém, grupos de direitos humanos acreditam que o número seja bem maior. Segundo a Anista Internacional, mais de 12.500 pessoas já foram assassinadas.

Os assassinatos são padronizados. Autoridades filipinas ligam para o usuário de drogas pedindo que ele entre na reabilitação. Se ele não obedecer, policiais à paisana vão à sua casa, mas a operação para prendê-lo quase sempre termina com sua morte. Cerca de 97% das vezes que um policial aborda um usuário ou vendedor de drogas, eles são assassinados, segundo a Reuters. O ato tem até uma explicação oficial: "legítima defesa". Junto ao corpo, quase sempre são encontrados dois elementos: um revólver calibre 38 e um pacote de drogas.

Segundo um relatório da Human Rights Watch, a polícia filipina executou vários suspeitos de tráfico e depois alegou legítima defesa, plantando armas, munições e pacotes de drogas no corpo das vítimas. A ONG afirma ainda que atiradores mascarados parecem trabalhar junto com a polícia, levantando dúvidas sobre as alegações do governo de que se tratam de justiceiros ou guerra entre grupos de traficantes.

Parentes de pessoas mortas durante guerra às drogas participam de um protesto em Manila Foto: NOEL CELIS / AFP
Parentes de pessoas mortas durante guerra às drogas participam de um protesto em Manila Foto: NOEL CELIS / AFP

Em alguns casos extremos, a Human Rights Watch relata casos de pessoas que foram levadas sob custódia da polícia e depois encontrados mortos, sendo classificados como “corpos encontrados” ou “mortes sob investigação”. Até o momento, ninguém foi investigado ou processado por mortes relacionadas à guerra às drogas.

Para a Anistia Internacional, um oficial de polícia explicou que os agentes são pagos por cada pessoa que matam. Então, torna-se mais vantajoso matar do que prender:

— Somos pagos sempre por encontro... Os valores variam de 8 mil pesos (R$ 505) a 15 mil pesos (R$ 950)... esse é o valor por cabeça. Portanto, se a operação for contra quatro pessoas, ela vale 32 mil pesos (R$ 2.020)... Somos pagos em dinheiro, secretamente, por quartéis-generais.. As prisões não são incentivadas. Não recebemos nada [por elas] — admitiu o policial.

O policial contou, ainda, que alguns oficiais montaram um esquema ilegal com funerárias, que os recompensam para cada corpo levado a elas. Testemunhas também relataram à Anistia que a polícia também enriquece roubando objetos das casas das vítimas. No mesmo relatório, dois matadores de aluguel relataram à Anistia que recebem ordens de um policial que paga a eles 5 mil pesos (R$ 315) para cada usuário de drogas morto, e de 10 a 15 mil pesos (R$ 630 a R$ 940) para cada traficante morto.

Antes de Duterte assumir, segundo os matadores de aluguel, eles tinham dois "trabalhos" por mês. Agora, eles têm três ou quatro por semana. Os alvos costumam vir de listas não confirmadas, elaboradas por autoridades locais, de pessoas suspeitas de usar ou vender drogas. Não importa há quanto tempo a pessoa usou drogas ou quanto ela usou ou vendeu, o nome dela pode ser acrescentado às listas.

PRESIDENTE DEFENDE VIOLÊNCIA

Desde que tomou posse em junho de 2016, Duterte defende vigorosamente a violência e se vangloria de participar dela. No final do mesmo ano, o presidente filipino se gabou de que ele pessoalmente puxou o gatilho e matou três pessoas quando era prefeito da cidade de Davao. E, em visita ao Vietnã para uma cúpula internacional, afirmou ter matado uma pessoa a facadas quando era adolescente.

— Quando eu era adolescente, entrava e saía da prisão, por brigas —  afirmou o mandatário filipino, em discurso em Danang, onde também estão presentes os presidentes americano, Donald Trump,e chinês, Xi Jinping. — Com 16 anos, matei alguém. Uma pessoa de verdade, em uma briga, a punhaladas. Eu tinha apenas 16 anos. Foi por causa de um simples olhar.

Com alta popularidade no país, Duterte defende seu estilo franco, e a equipe de Duterte pede à imprensa com frequência que não leve ao pé da letra o que o presidente diz, garantindo que ele gosta de fazer brincadeiras. Segundo seus representantes, o presidente é um vigoroso adepto da "hipérbole". Seu novo porta-voz, Harry Roque, disse que suas últimas declarações podem ter sido exageradas.

O presidente foi eleito em 2016, prometendo erradicar o tráfico de drogas. Desde então, a polícia anunciou ter matado 3.967 pessoas, enquanto milícias teriam executado outros 2.290 suspeitos em casos de drogas. Milhares de outras pessoas foram abatidas em circunstâncias não esclarecidas, ainda segundo números da polícia. Muitos filipinos estimam que a segurança melhorou, mas seus opositores, nas Filipinas ou no exterior, o acusam de orquestrar execuções extrajudiciais em massa, cometidos por policiais corruptos e milicianos.

Com 100 milhões de habitantes, o país têm 1,8 milhão de usuários de drogas, segundo dados oficiais, mas o presidente afirma que são 4 milhões. Duterte nega incitar os policiais a cometerem assassinatos, mas regularmente faz declarações públicas altamente agressivas e violentas. Em 2016, afirmou que ficaria feliz em matar três milhões de dependentes químicos. O presidente prometeu mandar matar seu próprio filho se uma acusação de tráfico contra ele for verdade. Paolo Duterte é suspeito de ter ajudado a contrabandear metanfetamina em um carregamento de origem chinesa. O genro de Duterte, Manases Carpio, também estaria no esquema.

— Eu disse antes da ordem: 'Se eu tiver filhos que estão envolvidos com drogas, matem-nos para que as pessoas não tenham o que dizer'. Então eu disse a Pulong (Paolo): 'Minha ordem é de te matar se você for pego' — recordou Duterte em discurso diante de trabalhadores filipinos.

Mas Trump mostrou pouco interesse em pressionar Duterte sobre o controle da violência nas Filipinas, e ao invés disso, o elogiou durante uma conversa por telefone em maio. O americano aproveitou para criticar Obama durante a ligação, dizendo que seu antecessor não entendia o problema com as drogas que as Filipinas enfrentam.

"Eu apenas queria parabenizá-lo porque tenho ouvido sobre o incrível trabalho que vocês estão fazendo sobre o problema das drogas", disse Trump, segundo um documento vazado. "Muitos países têm este problema, nós temos um problema, mas que trabalho incrível você está fazendo. Eu apenas queria te ligar e dizer isso".