O bilionário Jeff Bezos defendeu na segunda-feira a decisão do jornal Washington Post, do qual é proprietário, de não apoiar um candidato nas eleições presidenciais americanas. A decisão, argumentou em raro artigo de opinião publicado no jornal, foi "baseada em princípios". Antes do veto anunciado na sexta-feira, o jornal havia elaborado um editorial para endossar a vice-presidente Kamala Harris. A rede de rádio NPR informou que o Washington Post (WP) perdeu mais de 200 mil assinantes (8% do seu total) até meio-dia de segunda-feira, e pelo menos um terço do seu conselho editorial renunciou em protesto.
No artigo intitulado "A dura verdade: os americanos não confiam nos meios de comunicação", Bezos defende que "os endossos presidenciais não fazem nada para inclinar a balança de uma eleição". E continua: "Nenhum eleitor indeciso na Pensilvânia vai dizer: 'Vou com o endosso do Jornal A'. Nenhum. O que os endossos presidenciais realmente fazem é criar uma percepção de parcialidade. Uma percepção de não independência. Acabar com eles é uma decisão baseada em princípios, e é a correta."
Os comentários do bilionário, que é fundador da Amazom, foram publicados após três membros do conselho editorial do WP terem renunciado ao cargo na segunda. São eles: Molly Roberts, David E. Hoffman, e Mili Mitra. Segundo a CNN, eles permanecem no jornal. Robert Kagan, colunista e editor de opinião do Post, renunciou ainda na sexta-feira.
— Não posso mais ficar aqui no conselho editorial escrevendo esses editoriais enquanto nós mesmos cedemos ao silêncio — disse Hoffman, que ganhou o Prêmio Pulitzer de Redação Editorial de 2024, citado pela CNN. — Nós enfrentamos uma escolha terrível, terrível, eu acredito, uma autocracia iminente. Eu não quero ficar em silêncio sobre isso. Eu não quero que o Post fique em silêncio sobre isso, e o fato de que não vamos endossar é um grau de silêncio que eu não suporto.
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O editor da página editorial do jornal, David Shipley, disse à equipe de opinião que Bezos tinha expressado dúvidas pela primeira vez sobre um possível endosso em setembro, mas que a decisão do veto, segundo uma fonte com conhecimento do assunto, só foi tomanda na semana passada. De acordo com a fonte, Shipley disse à equipe que tentou convencer o bilionário a concordar com o endosso. "Falhei", teria afirmado o editor aos colegas durante a reunião.
A CNN informou que os funcionários questionaram Shipley sobre uma reunião entre o ex-presidente Donald Trump na sexta-feira, mesmo dia do veto, com executivos da empresa espacial Blue Origin, também fundada por Bezos. Segundo ele, Bezos disse que não sabia da reunião.
O próprio Bezos confirmou no artigo que não sabia do encontro de antemão. Disse ter "suspirado" quando descobriu sobre a reunião entre Trump e os empresários porque sabia "que daria munição para aqueles que gostariam de enquadrar isso como algo diferente de uma decisão baseada em princípios." O bilionário também reconheceu o erro em relação ao momento em que a decisão foi anunciada, a poucos dias da eleição. No artigo, disse ter sido "um planejamento inadequado e não uma estratégia intencional."
O segundo homem mais rico do mundo — atrás apenas de Elon Musk, que apoia Donald Trump —, também reconhece que seu trabalho na Amazon e na Blue Origin tem sido um "um fator de complexificação para o Post", em relação a possíveis conflitos de interesse. Mas destacou que sua fortuna opera como "um baluarte contra a intimidação" no sentido de estar imune à manipulações, distorções e favores políticos para obter ganhos pessoais.
A rivalidade entre Bezos e Trump remonta a quase uma década, quando o bilionário tuitou de forma provocativa que daria a Trump um assento em um dos foguetes de sua empresa de exploração espacial. O republicano tentou minimizar qualquer história crítica escrita sobre ele no Post, ligando o jornal ao seu proprietário rico.
Bezos inicialmente encarou as críticas de Trump como um distintivo de honra e atacou abertamente o candidato durante a campanha de 2016, acusando-o de "corroer a nossa democracia." As críticas foram um pouco abafadas depois que Trump foi eleito e os comentários do presidente influenciaram o preço das ações da Amazon e a própria riqueza do bilionário.
Logo após o anúncio na sexta-feira, funcionários de alto escalão do jornal também manifestaram publicamente seu descontentamento sobre como a situação foi tratada e levantaram questões sobre a decisão de última hora. O veto foi classificado pelo ex-editor executivo do jornal Marty Baron como "covardia", em uma tentativa de apaziguar os ânimos do candidato republicano em um eventual retorno à Casa Branca no ano que vem.
A mudança adotada por Bezos é significativa para o Post, que revelou o escândalo Watergate que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, e tem uma longa história de resistência aos poderosos, ganhando mais de 70 prêmios Pulitzer com essa trajetória. Também quebra uma tradição do seu influente conselho editorial, que apoiou candidatos durante grande parte das últimas quatro décadas — todos democratas — antes de decidir ficar de fora nestas eleições, as mais polarizadas da História recente dos EUA.
A decisão segue uma medida semelhante do Los Angeles Times, outro importante jornal americano. O New York Times, por sua vez, anunciou em agosto que encerraria os endossos para eleições estaduais, mas continuaria a apoiar candidatos presidenciais, declarando apoio a Kamala em setembro.