Degelo na Groenlândia aumenta calor no Sul do planeta e afeta Brasil
Sistema de correntes oceânicas que funciona como termostato do planeta perde força em ritmo mais intenso e acelerado
RESUMO
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GERADO EM: 21/12/2024 - 15:17
Degelo na Groenlândia: Impactos no Hemisfério Sul
Degelo intenso na Groenlândia enfraquece correntes oceânicas, elevando calor no Hemisfério Sul, inclusive no Brasil. Estudo liderado por cientista brasileiro destaca impactos, como aumento de temperatura acima do previsto. Amoc enfraquecida pode trazer extremos de calor, alertando para necessidade de redução das emissões de gases-estufa.
O degelo é na Groenlândia e nas geleiras canadenses no Ártico, mas quem paga a conta em mais calor é o Hemisfério Sul. Sobretudo a América do Sul e a África. Publicado na revista Nature Geoscience e liderado por um cientista brasileiro, um novo estudo indica que o “Termostato da Terra” — apelido da Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (mais conhecida pela sigla em inglês, Amoc) — perde força num ritmo mais intenso e acelerado do que se previa pelos modelos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Impacto no Brasil
O resultado da perda de força da Amoc é uma maior concentração de calor no Hemisfério Sul e a amenização de efeitos do aquecimento global no Norte. Mas países do Sul Global, como o Brasil, já podem estar sofrendo o impacto em alguma medida e esquentando acima do previsto, afirma o cientista brasileiro Gabriel Pontes, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, primeiro autor do estudo.
— Para os países do Hemisfério Norte, o enfraquecimento da Amoc pode até ter o efeito de mitigar, em parte, o aquecimento global. Mas no Sul, o efeito é amplificar o calor — frisa Pontes, ressaltando que o derretimento recorde de gelo observado na Groenlândia desde a segunda metade do século XX tem desequilibrado a Amoc.
O estudo prevê que o sistema de correntes poderá ficar 30% mais fraco até 2040, mantidas as atuais emissões de gases do efeito estufa, que aumentam o aquecimento global e as perdas de gelo nas regiões polares. E, quanto mais fraca ela for, mais calor fica retido no Sul.
A Amoc está mais fraca agora do que em qualquer momento dos últimos mil anos, segundo a pesquisa. Seus modelos matemáticos sugerem que ela desacelera a uma taxa de 0,46 sverdrups por década desde 1950 — cada sverdrup equivale a um milhão de metros cúbicos de água por segundo.
— Isso pode, sim, já estar tendo impacto na elevação da temperatura em alguns países, como o Brasil, acima do que já esquentaria devido ao aquecimento global — diz Pontes.
No Brasil, as regiões Sudeste e Sul seriam mais afetadas devido ao avanço da Corrente do Brasil — parte do sistema da Amoc — que carrega águas quentes. A Amoc transporta água quente e superficial das águas tropicais do Sul para o Atlântico Norte. Uma vez lá, ela esfria, torna-se mais salgada e afunda, devido à mudança de densidade. Ela recircula e leva então a água fria da Groenlândia até o extremo-sul do continente sul-americano.
O aquecimento global enfraquece a Amoc de forma indireta, ao fazer com que mais gelo derreta no Círculo Ártico, região que esquentou quatro vezes mais que a média do planeta nas últimas duas décadas.
Desde 2002, a Groenlândia perdeu 5,9 trilhões de toneladas de gelo, o suficiente para cobrir praticamente todo o estado do Mato Grosso com uma camada de oito metros de espessura de gelo. O degelo aumenta o volume de água doce e reduz a salinidade ao sul da Groenlândia. A corrente toda vai perdendo força, em cadeia.
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— É como se fosse uma roda. O degelo da Groenlândia trava a roda e faz o calor recircular, ficar retido ao sul do Equador — explica Pontes.
Para fazer o estudo, ele e Laurie Menviel modelaram o impacto do derretimento do gelo das geleiras terrestres da Groenlândia e do Canadá sobre os fluxos das correntes.
— Quando levamos isso em conta nas simulações, usando um modelo do sistema terrestre e um modelo oceânico de alta resolução, vimos que a desaceleração da circulação oceânica refletia a realidade. Acreditamos que o cálculo do degelo é a peça que faltava nos estudos considerados pelo IPCC para projetar mudanças na Amoc — explica.
Um amanhã diferente
O Brasil ainda não dispõe de sistemas de simulação poderosos o suficiente para processar tamanho volume de dados, lamenta Pontes. A iniciativa em curso no país é capitaneada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mas ainda não está pronta.
O colapso da Amoc continua sendo considerado improvável até o fim deste século. Ele é um dos chamados pontos sem retorno do clima. E se celebrizou ao causar uma catástrofe planetária no filme “O dia depois de amanhã”, de 2004, quando entra em colapso e congela o Hemisfério Norte. Só que em tempo de aquecimento global, será uma catástrofe de calor e não de frio.
Se a Amoc entrar em colapso, o calor se intensificará e se concentrará maciçamente, mas no Sul. A Amazônia secará. O Hemisfério Norte poderia até ter algum alívio do calor associado à subida da temperatura global causada pelo efeito estufa. E o nível do mar poderá subir um metro além do previsto. Mesmo sem colapso total, uma Amoc fraca é sinal de extremos intoleráveis de calor. Seu enfraquecimento pode levar a uma elevação da temperatura média de até 1oC acima das máximas projetadas pelo IPCC devido às mudanças no clima.
Projeções subestimadas
Esse não é o primeiro estudo a alertar para o enfraquecimento da Amoc. No primeiro semestre deste ano, uma pesquisa liderada por René van Westen, da Universidade de Utrecht, na Holanda, propôs que a Amoc poderia entrar em colapso entre 2037 e 2064, com base principalmente em modelagens de dados de salinidade. Essa previsão não tem consenso na comunidade científica.
Mas Van Westen disse à New Scientist concordar que o IPCC precisa atualizar suas projeções, que subestimam os riscos do enfraquecimento da Amoc. Opinião semelhante tem Stefan Rahmstorf, do Instituto de Pesquisa sobre Impacto Climático de Potsdam, na Alemanha. Ele observa que o estudo de Pontes confirma o que se suspeitava, mas não havia sido ainda modelado.
— O fato é que a Amoc não precisa entrar em colapso para termos ainda mais calor. Ela já está mais fraca, e esse processo tem se acentuado à medida que o mundo esquenta e o gelo da Groenlândia derrete. O futuro é calor e precisamos reduzir drasticamente as emissões de gases-estufa para impedir que fique ainda pior — afirma Pontes.