Diante da seca de estreias no streaming nas últimas semanas, fui vasculhar os catálogos em busca de séries mais antigas. E esbarrei na australiana “The clearing”, no Star+ (dentro da Disney+). Lançada em 2023, ela fisga no primeiro episódio (são oito) e merece a sua atenção.
O enredo se baseia no best-seller “In the clearing”, de J.P. Pomare. O livro, por sua vez, trata com algumas doses de ficção a história real de A Família, uma seita que floresceu numa região perto de Melbourne, nos anos 1970. O grupo era liderado por Anne Hamilton-Byrne. Cruel, ela se autoproclamava “mãe” de 28 crianças que mantinha cativas com falsos atestados de adoção. Elas eram submetidas a rituais de apagamento de identidade e a muita vigilância. Usavam uniformes e seus cabelos eram descoloridos. A rotina de castigos eventualmente vinha acompanhada de ingestão de LSD. Anne cooptava também adultos e eles faziam doações milionárias. Com o dinheiro, ela conseguiu se manter longe da polícia por mais de uma década. Em 1987, o esquema foi desbaratado.
Tudo isso está na série, com os personagens rebatizados (antes de cada episódio há um letreiro avisando da inspiração em fatos reais).
Ser uma história real ajuda na credibilidade dos acontecimentos, que, muitas vezes, parecem absurdos.
Duas figuras centrais puxam a história. A ótima Miranda Otto vive Adrienne Beaufort, a fundadora da seita. E Teresa Palmer interpreta Freya Heywood, vítima dela na infância e agora uma adulta complicada, mãe de um menino pequeno. Segue ligada à vilã por razões neuróticas.
A trama começa com o sequestro de uma menina de 8 anos, Sara (Lily LaTorre), numa área rural. O crime acontece no passado e, por causa dele, começa uma investigação policial que atravessa muitos capítulos. Entramos também no dia a dia da seita, na rotina das crianças, nas punições, nos rituais a que são submetidas, e nas loucuras de Adrienne.
No tempo presente, há o cotidiano de Freya, que luta para criar o filho sem ajuda do pai. Ela vive assombrada pelas lembranças de sua infância. E mantém um vínculo estreito com o detetive Saad (Hazem Shammas ), que, entendemos, ficou responsável pelo caso quando o culto foi descoberto.
As várias cronologias se revezam e se entrelaçam. O recurso deveria servir para montar um painel amplo e oferecer ao espectador uma história completa. Entretanto, o resultado é confuso. A fragmentação entre o passado e o presente se embaralha tanto que o espectador até demora a notar que o roteiro está andando para a frente e para trás. O ambiente de fábula que a direção adota agrava isso. E a caracterização não colabora: o envelhecimento dos personagens de vez em quando é quase imperceptível. Apesar dessas fragilidades, “The clearing” é uma produção envolvente, tem ótimo elenco e a realização é inspirada.