Certos perfis documentais conseguem fazer mais do que o mero retrato de um personagem. Eles abrem uma janela pra o espectador enxergar um contexto mais amplo. “O retorno de Simone Biles”, série lançada ontem pela Netflix, opera uma mágica ainda mais poderosa. Tudo porque Simone Biles é um universo em si. Sua trajetória reflete todo um imenso contexto. A produção se concentra nela e, por consequência natural, acaba contando a evolução do esporte profissional nas últimas décadas.
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São dois episódios que merecem toda a sua atenção.
Trata-se de uma atleta tão única, que transformou regras e padrões profundamente estabelecidos. Biles pautou a ginástica artística ao furar recordes considerados insuperáveis. E botou a saúde mental — antes um tema tabu — no mapa. E mais: como uma prioridade. Ela realocou fronteiras e estabeleceu novos paradigmas tanto para seus colegas atletas como para os treinadores. É muita coisa.
Como todo mundo sabe, a esportista abandonou a Olimpíada de Tóquio de 2020. Ela fez várias apresentações brilhantes. Plateias lotadas prendiam a respiração com suas piruetas hipnotizantes. Até que caiu em um dos saltos, um incidente inédito em sua carreira até ali. E ela, sem ter sofrido qualquer tipo de lesão, resolveu deixar a competição. Fez uma declaração pública em que afirmou que sua decisão se devia a razões de saúde mental. A série mergulha nesse momento e o explora de diversos pontos de vista. Simone expõe o que sentiu. Relembra a pressão e o massacre sofrido nas redes sociais. Conta que desativou os comentários no seu Instagram e saiu do (então) Twitter. A paixão avassaladora do público rapidamente se transformou num linchamento de igual intensidade.
O documentário ouve jornalistas especializados que estavam no Japão, os treinadores dela e colegas. Há muitas imagens de arquivo.
A fartura de registros, aliás, é outro ponto forte. A série exibe filmes dela criança em competições. A atleta abre a casa que construiu com o marido em Houston (no Texas), o jogador de futebol americano Jonathan Owens. Seus pais dão entrevista e falam sobre a adoção. Simone é neta biológica de seu pai adotivo. A mãe dela, dependente química, perdeu a sua guarda e a dos irmãos. “Nunca vou esquecer de onde eu vim”, comenta ela, num dos (muitos) momentos emocionantes.
A série discute os padrões de beleza no esporte, especialmente na ginástica. Atletas de cabelo louro eram muito valorizadas até o início dos anos 2000. Quando a negra Gabby Douglas ganhou o ouro em 2011, rompeu essa barreira. Tornou-se uma inspiração para quem veio depois. Simone, por sua vez, vai estar na Olimpíada de Paris. É uma volta por cima e tanto. Para entender a dimensão de sua coragem, vale conferir essa produção.
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