Saiba por que 'Vale o escrito', do Globoplay, é imperdível. Cotação: 5 estrelas (ótima)
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Estreia do Globoplay, “Vale o escrito” expõe a forma como os bicheiros usaram as escolas de samba para, através desse estratagema, serem aceitos pela sociedade. Talvez o que tenha passado despercebido na criação do roteiro é que a produção acaba por ser um desdobramento desse mesmo estratagema ao narrar a vida de seus personagens de forma novelesca. Paradoxalmente, no entanto, esse também é seu maior mérito. A série é, sem sombra de dúvida, a melhor novela em cartaz hoje, uma novela sem heróis, só com vilões.
São sete episódios levados por drama familiar, mortes, traições de tragédia grega, infidelidades conjugais e outros conflitos pesados. O documentário criado por Fellipe Awi e codirigido e roteirizado por Ricardo Calil tem supervisão artística de Pedro Bial. Ele também narra, o que acrescenta uma camada de legitimidade ao resultado. Vale conferir nem que seja para tentar entender a evolução do crime no Rio desde os anos 1970. Digo “tentar” porque a missão é complexa, como sabemos.
Os primeiros episódios se concentram nas décadas em que o jogo do bicho surgiu e na cartelização da atividade. Mas, à medida em que o painel se abre na direção dos dias atuais, essa história chega à milícia que aterroriza a cidade hoje e ao assassinato ainda não elucidado da vereadora Marielle Franco. O roteiro mostra uma grande sensibilidade para as dúvidas que possam ocorrer ao espectador quando a trama se torna intrincada.
A preocupação com o didatismo, vista na reiteração e nas explicações detalhadas, é bem-vinda. Análises de jornalistas, policiais e pessoas que conviveram com aquelas figuras ajudam a construir esse roteiro já tão habilmente concebido. E o trabalho de pesquisa (Iúri Barcelos) é profundo.
Pessoas centrais dão entrevista e se desnudam sem pudor, vergonha ou subterfúgio. É um feito da série. Há longos testemunhos de Sabrina Garcia, ex-mulher do bicheiro Maninho; de suas filhas, as gêmeas e inimigas Shanna (na foto que ilustra esse texto) e Tamara; da viúva dele, Ana Paula; de Bernardo Bello, ex-marido de Tamara, que teria tomado todos os negócios de Maninho; do Capitão Guimarães, em prisão domiciliar em Niterói; do nonagenário Piruinha, o decano da cúpula do bicho, ainda em atividade; Fabrício Queiroz, envolvido na “rachadinha” de Flávio Bolsonaro, e Júlia Lotufo, viúva do ex-PM e matador Adriano da Nóbrega. A falta de compostura e a vulgaridade de alguns desses depoimentos é chocante, de embrulhar o estômago.
Os bandidos se acusam mutuamente para a câmera e confessam sem cerimônia as contravenções que praticaram e que continuam praticando. Fica no ar uma pergunta: depois desse documentário, o que a polícia vai fazer?