Ucrânia surpreende a Rússia
Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, forças militares estrangeiras invadiram território russo
RESUMO
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GERADO EM: 02/09/2024 - 00:06
Ucrânia invade território russo desafiando Putin e expondo o Kremlin
Ucrânia surpreende a Rússia ao invadir território russo, desafiando Putin e expondo a fantasia do Kremlin. A operação em Kursk tem objetivos propagandísticos, militares e diplomáticos, envolvendo riscos e dilemas para os EUA. A tática militar busca desviar forças russas do Donbass e estabelecer uma zona-tampão. Diplomaticamente, Zelensky mira negociações e expõe a hesitação estratégica de Biden. A invasão ultrapassa limites, colocando em xeque a postura dos EUA.
Começou, à sombra da noite, nas primeiras horas de 6 de agosto. Ninguém sabia — nem as tropas mecanizadas envolvidas na operação, que receberam o aviso no último minuto, nem os Estados Unidos e os aliados europeus. As forças de elite da Ucrânia, cerca de 10 mil soldados, avançaram sobre a província russa de Kursk e, em duas semanas, ocuparam um saliente de mais de mil quilômetros quadrados e 92 povoados, inclusive a cidade de Sudja.
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A ofensiva surpreendente foi descrita por analistas em termos que oscilam entre uma genial manobra tática e uma aventura desesperada. A operação tem uma série de objetivos que podem ser rotulados como propagandísticos, militares e diplomáticos.
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Desde o fracasso da ofensiva ucraniana do verão de 2023, o conflito sedimentou-se como guerra de atrito ao longo de um extenso front no leste e no sul ucranianos. O atrito de artilharia pesada, com os incessantes bombardeios de mísseis e drones russos sobre cidades da Ucrânia, configurou uma narrativa de inevitabilidade de triunfo russo no horizonte de longo prazo. A ofensiva em Kursk desfigurou a narrativa predominante.
Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, forças militares estrangeiras invadiram território russo. O choque, expresso na evacuação de mais de 100 mil civis, desafia a retórica de Putin. O ditador proibiu o uso da palavra “guerra” na Rússia, substituída pelo eufemismo “operação militar especial”, e, temendo a quebra da coesão social no país, recusa-se até hoje a ordenar uma mobilização geral. A guerra, contudo, chegou a solo russo, expondo a fantasia do Kremlin.
Putin segue manufaturando eufemismos. A invasão ucraniana é descrita como “provocação” ou “atos de terrorismo”. Mas o rei, que ficou nu, foi obrigado a atribuir ao “Ocidente coletivo” a humilhação imposta pela Ucrânia.
Tática militar
São duas as metas militares da ofensiva em Kursk. De um lado, como mínimo, a Ucrânia almeja obrigar a Rússia a desviar suas forças que operam no Donbass para o novo front de Kursk. De outro, como máximo, imagina estabelecer uma zona-tampão dentro da Rússia, que protegeria a região ucraniana de Sumy.
A primeira meta ainda não foi alcançada. A Rússia enviou tropas secundárias para estabilizar o cenário no saliente invadido, sem comprometer suas melhores forças. O Kremlin faz de tudo para não desistir de seu esforço principal, o avanço acelerado na província de Donetsk antes da chegada do inverno.
A segunda meta depende da capacidade ucraniana de implantar linhas de defesa no saliente conquistado. Já existem sinais do estabelecimento de trincheiras e fortificações. A tentativa envolve riscos significativos, expondo as forças ucranianas à retaliação aérea russa. A distância entre manobra tática e aventura desesperada estreita-se com a passagem do tempo.
Desafio diplomático
O presidente ucraniano Zelensky aludiu à ideia de usar o saliente de Kursk como moeda de troca em hipotéticas negociações de paz. É pura especulação, destinada a ocultar uma operação diplomática sofisticada cujo alvo é o governo Biden.
Os Estados Unidos, principal fornecedor de equipamento bélico à Ucrânia, adotam uma política de “administração da guerra”, postergando a entrega de sistemas avançados de artilharia, mísseis antimísseis e aviões de combate. O blefe russo, expresso nas ameaças periódicas de escalada nuclear, definiu a hesitante postura estratégica do governo Biden.
Uma “linha vermelha” imposta por Washington é a proibição do uso de sistemas americanos contra alvos em território russo. O veto foi parcialmente flexibilizado diante da tática russa de usar o território do país como santuário para artilharia de longa distância e bombardeios de mísseis e drones. Hoje Washington permite atingir alvos na Rússia — mas apenas como “contrafogo”.
A invasão do saliente de Kursk, em que foram utilizadas armas americanas, ultrapassou a “linha vermelha” e criou um dilema para Biden. A Ucrânia está dizendo que a ofensiva é parte integral de uma guerra defensiva, algo óbvio para qualquer oficial militar. Como responderá o governo dos Estados Unidos?