Militares veteranos de Israel relatam a jornal ordens para matar civis em Gaza; Exército israelense nega acusação
As fontes, ouvidas em anonimato, citaram ordens para matar pessoas desarmadas, táticas para forçar bombardeios e distorções sobre quem seria um alvo considerado 'terrorista'
Por O Globo, com agências internacionais — Gaza
RESUMO
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GERADO EM: 20/12/2024 - 12:55
Veteranos israelenses denunciam ordens de matar civis em Gaza, Exército nega
Veteranos israelenses denunciam ordens de matar civis em Gaza, Exército nega. Relatos chocantes de violações de direitos humanos e crimes de guerra. Militares afirmam execuções indiscriminadas e distorções de quem é considerado 'terrorista'. Exército israelense alega precisão em ataques e investigações sobre possíveis violações. General Yehuda Vach é acusado de introduzir práticas extremas. Conflito em Gaza gera polêmica internacional.
As Forças Armadas de Israel negaram nesta sexta-feira a veracidade de acusações feitas por militares israelenses sobre a matança indiscriminada de civis palestinos na região conhecida como Corredor de Netzarim, que divide o norte e o sul da Faixa de Gaza, da fronteira com o Estado judeu ao Mediterrâneo, e se transformou em um posto-chave para o controle militar no enclave. As denúncia foram publicadas pelo jornal israelense Haaretz na quinta-feira, com detalhes mórbidos sobre um cotidiano de violações de direitos humanos e potenciais crimes de guerra.
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A publicação israelense, crítica ao governo do premier Benjamin Netanyahu e recentemente alvo de sanções pela abordagem sobre o conflito em Gaza, repercutiu os relatos de militares que serviram no enclave palestino, incluindo soldados do serviço ativo, oficiais de carreira e reservistas, dando conta de uma rotina de arbitrariedades e incentivo à violência. As acusações mais sérias incluem a matança indiscriminada de palestinos, mesmo sem confirmação de que fazem parte de grupos terroristas ou qualquer evidência de que representassem risco iminente.
— A ordem era clara: Qualquer um cruzando a ponte para o corredor [Netzarim] levaria uma bala na cabeça — disse militar ouvido pelo Haaretz, que a publicação afirma ter servido na Divisão 252, recentemente substituída pela Divisão 99 no controle da passagem. — Uma vez, os guardas avistaram alguém se aproximando do sul. Nós respondemos como se fosse um grande ataque militante. Nós tomamos posições e simplesmente abrimos fogo. Estou falando de dezenas de balas, talvez mais. Por cerca de um ou dois minutos, nós apenas continuamos atirando no corpo. As pessoas ao meu redor estavam atirando e rindo.
Ainda de acordo com o relato do militar, o procedimento padrão foi seguido para este caso, com um oficial de inteligência se aproximando do corpo, fotografando seu rosto e enviando para análise. Ao fim, embora a identificação tenha sido de que a vítima não teria vinculação com nenhum movimento armado em Gaza, um comandante da divisão haveria parabenizado a tropa durante a noite por ter "matado um terrorista", exultando que "matassem mais 10" no dia seguinte.
— Quando alguém apontou que ele estava desarmado e parecia um civil, todos gritaram para que calasse a boca. O comandante disse: 'Qualquer um que cruze a linha é um terrorista, sem exceções, sem civis. Todo mundo é um terrorista — afirmou.
Os relatos são os mais variados, e incluem uma série de indícios de constrangimentos de superiores hierárquicos para que militares de menor patente executem ordens de eliminação de alvos, mesmo sem sinal de ameaça, e de desproporcionalidade em ações. Os casos narrados incluem execuções de pessoas aparentemente inofensivas, algumas acompanhadas por crianças, sendo alvejadas por disparos de tanque e até mesmo por fogo de um helicóptero.
Em uma resposta à acusação nesta sexta-feira, o Exército israelense afirmou que "só ataca alvos militares e atua com precisão", em um comunicado enviado à agência de notícias francesa AFP, e acrescentou que "inúmeras medidas são tomadas" antes da realização de bombardeios para limitar o "risco de vítimas civis". Em uma manifestação na quinta-feira, citada pelo Haaretz, as Forças Armadas já haviam dito que incidentes suspeitos de ferirem as ordens e linhas estabelecidas pelo comando militar eram alvo de investigação e julgadas em conformidade.
O Exército também rejeitou acusações feitas pelos veteranos de que a cadeia de comando haveria sido flexibilizada desde o início do conflito, com a passagem da tomada de decisões aos oficiais de campo.
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"Todas as operações na Faixa de Gaza, inclusive no Corredor Netzarim, seguem procedimentos de combate e ordens aprovadas no mais alto nível da hierarquia", manifestou-se a instituição no comunicado.
A reportagem do Haaretz também cita uma figura que teria tido um papel-chave nas violações relatadas pelos veteranos da Divisão 252: o general Yehuda Vach. Nascido em um assentamento judaico na Cisjordânia, o militar de 45 anos assumiu a divisão neste ano, e teria sido o responsável por introduzir conceitos que levaram a ações extremas no campo de batalha.
— Toda mulher é uma olheira, ou um homem disfarçado — disse um oficial. — Vach até decidiu que qualquer um em uma bicicleta poderia ser morto, alegando que os ciclistas eram colaboradores dos terroristas.
O oficial também estaria por trás de uma prática que teria ficado conhecida entre as fileiras como "procedimento flash". Em resumo, quando um alvo de ataque aéreo indicado pela divisão não era aprovado pelo procedimento regular, que necessita do aceite da cadeia de comando, Vach teria instruído a solicitação de apoio aéreo sob um outro regramento, não sujeito ao mesmo rigor de avaliação quanto ao alvo, utilizado exclusivamente para a retirada de feridos ou para responder quando as tropas estão sob fogo inimigo.
As Forças Armadas também negaram as declarações atribuídas a Vach, dizendo que o Exército "está operando há vários meses na área" contra o Hamas e "realizando intensa atividade operacional", e que todas as atividades e operações "são realizadas de acordo com os procedimentos de comando estabelecidos, com planos aprovados e ordens operacionais dadas pelo mais alto nível de comando". (Com AFP)