Turbulência no ar: Conflitos globais redesenham rotas internacionais e desafiam aviação

Número de percursos comerciais seguros diminuiu nos últimos anos, congestionando vias menos eficientes, devido a guerras como as na Ucrânia e no Oriente Médio


Fumaça pesada é vista durante ataque aéreo israelense no sul de Beirute, adjacente à pista do aeroporto internacional, em meio à guerra contínua entre Israel e o Hezbollah IBRAHIM AMRO/ AFP/23-11-2024

RESUMO

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GERADO EM: 29/11/2024 - 18:38

Desafios na Aviação Global: Impactos de Conflitos e Segurança

A aviação global enfrenta desafios devido a zonas de conflito, redesenhando rotas e aumentando custos. Espaços aéreos fechados e riscos de mísseis elevam preocupações de segurança, impactando voos comerciais. Conflitos recentes provocam isolamento aéreo e redução significativa de operações, refletindo impactos geopolíticos nas viagens internacionais.

Ao comprar uma passagem de avião para um destino internacional, uma pessoa comum provavelmente levará em conta fatores como preço do bilhete, tempo de viagem e número de conexões, sem se importar com a rota do voo ou a nacionalidade da companhia aérea. Mas as dinâmicas geopolíticas têm afetado cada vez mais a indústria aeronáutica civil, ainda que os passageiros não se deem conta disso imediatamente. Enquanto a demanda retornou ao patamar do período pré-pandêmico, e se manteve alta, o número de rotas comerciais seguras diminuiu nos últimos anos, levando ao congestionamento de vias menos eficientes. A principal causa é o aumento de zonas de conflito ao redor do mundo e o consequente fechamento de espaços aéreos importantes, como os da Ucrânia e da Rússia, por onde trafegavam diariamente milhares de voos da Europa Ocidental para o Sudeste Asiático.

Desvios para o sul

O espaço aéreo da Ucrânia foi fechado pelo governo em 24 de fevereiro de 2022, logo após a invasão russa, por apresentar alto risco para a segurança. Quase um mês depois, a Rússia também fechou seu espaço aéreo, mas apenas para empresas da América do Norte e do continente europeu — as chinesas continuam circulando normalmente. A medida foi uma retaliação às sanções impostas pelo Ocidente, que incluíam a proibição do trânsito de transportadoras russas pelos céus de EUA, Canadá e Europa. Isso fez com que, da noite para o dia, rotas populares se tornassem impossíveis de trafegar. A solução foi traçar desvios para o sul do território russo.

— As companhias aéreas europeias estão tendo que fazer rotas mais sinuosas a caminho do nordeste e sudeste da Ásia, o que aumenta o tempo de voo e os custos com combustível e mão de obra, além de impactar no horário de retorno da aeronave para a próxima viagem — explica ao GLOBO John Grant, analista chefe da OAG, provedora global de dados de viagens aéreas, fundada em 1929 no Reino Unido. — Muitas companhias simplesmente saíram do mercado por não considerarem que vale a pena continuar voando para onde elas teriam essa distância extra para cobrir.

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Aviões abatidos

Não é a primeira vez que isso acontece. Conflitos globais também afetaram as viagens aéreas internacionais durante a Guerra Fria — um período no qual os céus não eram tão livres e incontestados como hoje. Mas esses deslocamentos ocorriam em uma escala muito menor que a atual: enquanto em 1990 cerca de 300 milhões de pessoas voaram para outros países, em 2019 esse número saltou para 1,9 bilhão

— As áreas nas quais é seguro operar uma aeronave comercial diminuíram [nos últimos anos]. O principal problema é que elas continuam a diminuir, e poderemos ficar sem espaço aéreo disponível nessas regiões se o conflito aumentar — afirma ao GLOBO Ian Petchenik, diretor de comunicação da FlightRadar24, empresa sueca de monitoramento em tempo real do tráfego aéreo global. — Neste momento, há praticamente uma rota norte e uma rota sul em torno do Oriente Médio. Se houver uma guerra regional mais ampla, digamos, entre Irã e Israel, ou se algo acontecer no Egito ou na Arábia Saudita, diariamente milhares de aeronaves não terão mais uma rota eficiente e segura para ir da Europa Ocidental para o Sudeste Asiático.

Mesmo a quilômetros de altura, os conflitos travados em terra continuam reverberando. No mês passado, um vídeo de um passageiro do voo EK146 da Emirates, que ia de Amsterdã para Dubai, viralizou nas redes sociais. As imagens registraram o momento exato em que o avião dividiu os céus com uma barragem de mísseis iranianos disparados contra Israel, em 1º de outubro. Apesar da distância aparentemente segura entre a aeronave e os projéteis, a filmagem suscitou debates sobre os riscos de um avião ser inadvertidamente abatido. Há dois precedentes bem conhecidos na História recente da aviação.

Em 2014, o voo MH17 da Malaysia Airlines foi abatido no leste da Ucrânia por milícias pró-Rússia em meio à invasão da Crimeia. O incidente levou à criação do Sistema de Alerta de Zona de Conflito da União Europeia, que, desde 2016, distribui boletins e alertas com informações de inteligência sobre riscos para a aviação civil em zonas de conflitos. Apesar disso, em 2020, o voo PS752 da Ukranian Airlines foi abatido por forças do Irã, que o confundiram com um míssil inimigo, logo após a decolagem em Teerã.

De acordo com a empresa de segurança da aviação Osprey Flight Solutions, o número de mísseis balísticos e de cruzeiro cruzando o Oriente Médio aumentou consideravelmente desde o início da guerra entre Israel e o Hamas: uma média de 162 mísseis foram disparados por mês em 2024, em comparação com 10 em 2023.

Isolamento aéreo

Mísseis balísticos atingem um ápice muito acima da altitude de um avião comercial, mas representam um grande risco durante a subida e a descida. Já os mísseis de cruzeiro costumam voar em altitudes mais baixas, colocando as aeronaves em perigo ao decolar e pousar. Sistemas de defesa também podem confundir aeronaves comerciais com mísseis inimigos. A contagem da Osprey não inclui mísseis não guiados, morteiros, fogo de artilharia e drones, que podem colocar um voo em risco.

Zonas de conflito tendem a causar “isolamentos aéreos”. Desde o início da guerra na Faixa de Gaza, que se espalhou para outros territórios, as ofertas de voos para Israel diminuíram consideravelmente. A Wizz Air (Hungria) apresentou uma redução de 79,5%, enquanto a Lufthansa (Alemanha) diminuiu em 62,1% seus voos, e a Air France (França) em 59,3%, segundo levantamento exclusivo feito pela ForwardKeys, empresa líder em análise de viagens, a pedido do GLOBO.

Hoje, só 15 companhias aéreas estrangeiras voam para Israel, em comparação com as mais de 100 que operavam na região antes da guerra. A expectativa é de que a maioria não retome suas operações antes de março, apesar de o governo israelense ter anunciado, na semana passada, um cessar-fogo com o Hezbollah, o que reacendeu as esperanças de que um acordo semelhante possa ser alcançado com o Hamas em Gaza.

Segundo a ForwardKeys, as chegadas de passageiros internacionais por via aérea a Israel caiu mais de 50% no período da guerra, enquanto a queda no Líbano foi de cerca de 25%.

Há também riscos para a infraestrutura aeroportuária. Ataques entre Israel e o Hezbollah têm regularmente atingido áreas próximas a aeroportos, incluindo o bombardeio israelense que matou o líder do grupo Hassan Nasrallah, em setembro, em um bunker a menos de dois quilômetros do aeroporto de Beirute.

Do mesmo modo, conflitos internos também podem provocar o fechamento ou a limitação de um espaço aéreo, como ocorre atualmente em Líbia, Somália, Síria, Afeganistão, Sudão e Sudão do Sul. Em meados de novembro, a Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA, na sigla original) proibiu as companhias aéreas do país de voar a menos de 10 mil pés no espaço aéreo do Haiti depois que três jatos comerciais foram atingidos por tiros ao tentar aterrissar na capital.

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