Vinhos de Portugal
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Servirmo-nos do arroz-doce cremoso que chega à mesa ainda quente, acabado de fazer, num pequeno tacho individual, e o colocamos no prato onde alguém escreveu com canela a palavra “memória”.

Vinhos de Portugal em SP: a prova "Harmonização de vinhos do Dão", com os críticos Manuel Carvalho e Cecilia Aldaz e o chef Ricardo Lapeyre, do Le Bulô, será realizada neste sábado, às 21h. Os ingressos estão à venda no site: ingresse.com

Memória é também o nome do restaurante do Valverde Santar Hotel & Spa, aberto há cerca de um ano na vila de Santar, no Dão, centro de Portugal, e o que a sobremesa do chef Luís Almeida convoca é precisamente a memória daquele momento já perdido no tempo em que, encontrando a nossa avó distraída, conseguíamos raspar o final do tacho onde ela acabara de fazer o arroz-doce.

Estamos entre as serras da Estrela e do Caramulo, junto aos rios Mondego e Dão, numa casa senhorial do século XVII, a antiga Casa das Fidalgas, construída a mando de Domingos de Sampaio do Amaral e onde viveram três irmãs solteiras, conhecidas como as “fidalgas de Santar”.

Foi ainda propriedade de D. Pedro Brum da Silveira Pinto, monárquico que em 1975 a doou aos representantes da casa real portuguesa, D. Duarte Pio de Bragança, e o seu irmão, D. Miguel, duque de Viseu, que nela viveu até ser adquirida pelo grupo hoteleiro Valverde. Foram então iniciadas as obras que a transformaram no novo hotel cinco estrelas de Santar.

Chamada de “vila jardim”, Santar viveu nos últimos anos uma profunda transformação graças a um projeto único em Portugal, iniciativa de algumas das mais antigas famílias locais, proprietárias das grandes casas senhoriais, que decidiram unir-se para abrir os seus jardins aos visitantes.

Das duas janelas do nosso quarto, no último andar (um dos 21 quartos e suítes, todos diferentes, desse antigo solar, agora integrado na rede Relais & Châteaux), vemos o dia nascer iluminando o lago romântico rodeado por laranjeiras, no belíssimo jardim desenhado pelo arquiteto paisagista espanhol Fernando Caruncho e que inclui a elegante vinha ondulada da qual saem as uvas que fazem o Memórias de Santar, o vinho que acompanhou o nosso jantar na véspera.

O café da manhã nos espera agora na sala que dá para a varanda de granito, onde dá vontade de ficar, mas o fresco das manhãs neste início de primavera portuguesa nos faz optar pelo interior. Sentamos em uma mesa comprida, junto da estante que guarda centenas de livros da antiga biblioteca da Casa das Fidalgas, restaurados nas suas capas de couro com letras gravadas a dourado.

Faremos do hotel de Santar a nossa base para explorar a região do Dão durante dois dias, mas antes vamos conhecer o spa, localizado na antiga adega, onde é possível escolher entre a sauna, o banho turco ou uma ducha sensorial e um mergulho na piscina aquecida, antes de nos entregarmos a uma massagem relaxante. Agora sim, estamos prontos para a primeira visita do dia.

Queijaria Vale da Estrela

É Anabela Fraga quem nos recebe na queijaria Vale da Estrela, em Mangualde, onde todos os dias da semana, entre 10h e 12h, podemos ver como se faz o famoso Queijo Serra da Estrela DOP. Quando entramos na queijaria, perto das onze da manhã, já há muito chegaram, e foram devidamente analisados, os cerca de 750 litros de leite das ovelhas da raça bordaleira que os pastores fazem se alimentar da rica vegetação que cresce na Serra da Estrela, a mais alta de Portugal.

Ainda temos tempo de ver as mulheres trabalhando, despejando o leite, que coalhou com a ajuda da flor do cardo, também colhida na serra, para o interior de longos panos brancos, depois enrolados e espremidos à mão. O soro que resulta dessa operação serve para fazer o delicioso requeijão, que se pode comer com doce de abóbora, produzido também na Vale da Estrela durante os meses de verão, quando as ovelhas estão grávidas ou amamentando, razão pela qual não há leite para fazer queijo.

A pasta de leite coalhado que fica dentro do tecido é, em seguida, colocada dentro das formas (para cada quilo de queijo são necessários cinco litros de leite), prensada e, por fim, salgada para que se forme a casca. Ao fim de 120 dias de cura já temos um genuíno Serra da Estrela DOP, mas quem preferir pode esperar mais tempo — até dois anos — e comprar um queijo com maior maturação. Ou então consumir já hoje o cremoso requeijão.

Aldeia histórica de Linhares

Seguimos viagem e saímos (mas não nos afastamos muito) da região do Dão para ir visitar Linhares da Beira, uma das 12 Aldeias Históricas de Portugal, no sopé da Serra da Estrela. Aproveitamos para almoçar no restaurante Cova da Loba, onde nos deliciamos com uma sopa de perdiz coberta de massa folhada e conversamos com Paulo Mimoso, o proprietário, que nos conta como recuperou essa casa de família e decidiu, há 14 anos, abrir aqui o restaurante, ao lado do castelo medieval, aonde iremos a seguir.

Ainda temos tempo de visitar Maria da Conceição Mimoso, a irmã de Paulo, que encontramos no balcão da Loja da Ti Amélia, homenagem à mãe de ambos. Essa pequena mercearia, onde aproveitamos para comprar mel, é ponto de encontro na pacata aldeia e local privilegiado para dois dedos de prosa com a anfitriã, que sabe todas as histórias de Linhares e nos dá os melhores conselhos para irmos desbravarmos as ruas estreitas e as casas encaixadas nas redondas pedras graníticas nesta paisagem serrana.

Linhares da Beira, uma das 12 aldeias históricas de Portugal — Foto: Divulgação
Linhares da Beira, uma das 12 aldeias históricas de Portugal — Foto: Divulgação

Se tivéssemos mais dias, faríamos, a pé ou de bicicleta, os 567 quilômetros do percurso circular da Grande Rota das Aldeias Históricas de Portugal. Mas isso ficará para a próxima visita, prometemos quando nos despedimos dos irmãos Mimoso.

Flora

O restaurante do português João Guedes Ferreira e da alemã Anna Ortner já despertava a atenção de quem visitava Viseu desde que abriu portas no final de 2020. Mas foi em fevereiro de 2024 que, de repente, o Flora se tornou um pequeno fenômeno local, com o telefone tocando como nunca e os pedidos de reserva disparando.

O que mudou? O Guia Michelin Portugal (desde 2024 o país passou a ter uma edição separada da da Espanha) distinguiu o Flora Food & Wine com um Bib Gourmand, a categoria atribuída a restaurantes com uma boa relação qualidade/preço (até 45 €). E o projeto sonhado por João e Anna durante a pandemia — não estavam muitos certos de que daria certo, confessam — ganhou asas.

No Flora, a carta de vinhos tem uma seleção de rótulos naturais, biodinâmicos e/ou de baixa intervenção — Foto: Divulgação
No Flora, a carta de vinhos tem uma seleção de rótulos naturais, biodinâmicos e/ou de baixa intervenção — Foto: Divulgação

João, hoje com 39 anos, passou por vários restaurantes em Londres, do Chiltern Firehouse (com o chef português Nuno Mendes) ao Tata Eatery e ao Sager+Wilde, até regressar a Viseu, onde nasceu, e, devido aos confinamentos da pandemia, ter tempo para pensar no que queria fazer. Anna, que é tradutora, foi se interessando cada vez mais por vinhos e é ela quem está na sala do Flora e nos sugere o que escolher entre a seleção de vinhos naturais, biodinâmicos e/ou de baixa intervenção que têm na carta.

Na cozinha aberta, João trabalha os produtos locais, quase todos orgânicos, num menu que vai variando conforme o que há, mas que explora as fermentações (sempre com uma razão de ser, “não fermentamos por fermentar”, sublinha) ou os garuns (a técnica do famoso molho de peixe dos romanos), numa cozinha criativa apresentada num espaço simples e despojado, mas ao mesmo tempo acolhedor.

Há menu degustação (um de seis e outro de oito momentos) e também um outro à la carte— mas não deixem de provar o pão e a manteiga feitos na casa e o imperdível snack de polenta ligeiramente picante com um creme de azeitonas caramelizadas, picles de funcho e sal de framboesa.

Ecopista do Dão

Terminamos o nosso passeio com uma caminhada — dez quilômetros dos 49 que compõem a Ecopista do Dão, que une Viseu a Santa Comba Dão, ao longo de uma antiga linha ferroviária desativada nos anos 1980.

A Ecopista do Dão une Viseu a Santa Comba Dão, ao longo de uma antiga linha ferroviária desativada nos anos 1980 — Foto: Divulgação
A Ecopista do Dão une Viseu a Santa Comba Dão, ao longo de uma antiga linha ferroviária desativada nos anos 1980 — Foto: Divulgação

Começamos ao entardecer, com o sol já se pondo, tornando o céu vermelho e dourado. Quando fazemos o caminho de volta, por entre os muros de granito onde o musgo cresce, os corredores de arvoredo e as casas com as suas pequenas vinhas, a lua cheia já se ergueu no céu, e é tempo de voltar ao nosso hotel de Santar.

O Vinhos de Portugal tem preços a partir de R$ 157,30, e assinantes do GLOBO e do Valor Econômico têm 20% de desconto no valor dos ingressos. Para mais informações, acesse: vinhosdeportugal.oglobo.com.br

O Vinhos de Portugal 2024 é uma realização dos jornais O Globo, Valor Econômico e Público, em parceria com a ViniPortugal, com a participação do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto; apoio das Comissões de Vinho de Alentejo, Beira Interior, Dão, Lisboa, Península de Setúbal, Tejo, Vinhos Verdes e da Agência Regional de Promoção Turística Centro de Portugal, Turismo de Portugal, Tap Air Portugal, AB Gotland Volvo e Shopping Leblon; água oficial Águas Prata, hotel oficial Fairmont Rio (RJ), local oficial Jockey Club Brasileiro (RJ), loja oficial Porto Divino, rádio oficial CBN e curadoria Out of Paper. A edição de São Paulo conta ainda com a Cidade de São Paulo como cidade anfitriã e SP Negócios como apoio institucional.

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