O jogo da taça levantada não é o começo e nem o meio da caminhada. É o fim, quando a história já foi escrita e para ela falta apenas o ponto final, feliz ou triste. Em tempos de pandemia do novo coronavírus e abstinência futebolística, O GLOBO resgata seis partidas que ajudam a entender a história do Vasco. Não se trata de mais uma lista para apenas relembrar os principais títulos do clube. Mas sim a possibilidade de entender como o clube se tornou o que é.
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Botafogo 3 x 6 Vasco
Finalmente a espera estava acabando e a última partida antes de uma nova era, óbvio, tinha de acontecer na Zona Sul do Rio, mesmo lugar de onde veio todas as pressões sobre os jogadores negros, sobre a falta de um estádio próprio para comandar seus jogos – como se o aluguel que o Flamengo pagava à família Guinle para atuar na Rua Paissandu fizesse dos rubro-negros os donos do estádio.
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Mas tudo bem, que fosse feita a vontade dos rivais mais antigos nesse tal de "football". O estádio estava pronto, seria inaugurado 11 dias depois, e antes havia o último jogo como visitante. Vasco e Botafogo em General Severiano. Aos pés do Cristo Redentor, o time que estava prestes a se tornar da Colina foi impiedoso no amistoso, venceu por 6 a 3 e contrariou quem pensou que o adversário alvinegro conseguiria dar o troco da derrota por 5 a 4, duas semanas antes.
Foi com duas vitórias na casa do rival que o Vasco se preparou para impor definitivamente sua grandeza ao se mudar para São Januário, então o maior estádio da América do Sul. Estava resolvido, nunca mais o clube cruz-maltino se sentiria acuado pelos adversários da Zona Sul novamente.
Vasco 0 x 0 River Plate
No caminho para adquirir cada vez mais luz própria, o Vasco cruzou o continente em direção ao Chile. Já era o melhor time do Brasil, mas ainda precisava lidar com um certo vira-latismo do futebol nacional em termos internacionais - fazia 26 anos que a seleção não vencia um título sul-americano e nunca uma equipe do país, fosse time ou seleção, havia conquistado uma competição fora do Brasil.
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Contra outras seis equipes, incluindo o todo-poderoso River Plate, os cariocas brilharam. Na última rodada da competição, em que todos dos times se enfrentaram em turno único, teve o rival argentino pela frente, cujo principal jogador era um argentino chamado Alfredo Di Stéfano.
O empate em 0 a 0 garantiu o título e nunca mais se pensou que o futebol brasileiro estava limitado à própria fronteira para alcançar conquistas internacionais. Ficou definido ali também um padrão na história das partidas contra o River: o Vasco entra como o azarão, mas sai com o troféu. A Libertadores de 1998 e a Mercosul de 2000 que o digam.
Vasco 2 x 1 Botafogo
Existe a ideia de que, nos anos dourados do futebol brasileiro, todo jogo decisivo no Maracanã era motivo para o estádio receber de 100 mil torcedores para cima. Ledo engano. Uma das partidas mais importantes da história do Vasco, valendo título, foi acompanhada por 59 mil pessoas, público apenas mediano para a época.
Explica-se: era uma quinta-feira quando a equipe entrou em campo para enfrentar o Botafogo, pela penúltima rodada do Estadual, e poucas vezes o time viu sua torcida tão sem esperanças quanto naquela época. Eram 12 anos sem títulos, enquanto que seus principais rivais colecionavam taças e jogadores na seleção brasileira. Naquela noite mesmo, o Botafogo entraria em campo com o ataque formado por Jairzinho e Paulo César Caju.
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Sem astros, sem quase nada, o Vasco venceu e, também sem saber, permitiu para que seu principal ídolo saísse da base para o profissional sem a estigma da derrota. Isso fez toda diferença. Dinamite explodiu e o Vasco voltou a ser protagonista por muitos anos seguintes.
Sport 0 x 0 Vasco
Provavelmente trata-se do gol mais longo da história do futebol - levou três anos e oito meses para sair. Ele começou a ser marcado quando o time de São Januário foi enfrentar o Sport em Recife, pelo Brasileiro.
Sem grandes ambições na competição, a partida serviu mais para os dirigentes cariocas verem de perto seu principal alvo para a próxima janela de transferências. Leonardo, atacante rápido e goleador, cairia bem para formar dupla de ataque com Valdir Bigode, pensavam. Denner havia morrido meses antes e a lacuna seguia aberta.
O jogo terminou 0 a 0, mas mesmo assim a decisão da contratação veio. De última hora, colocaram um jovem na negociação, que também participou da partida: Juninho. Foi a primeira contratação na montagem do time que se tornaria o mais vitorioso da história vascaína. Três anos e oito meses depois, veio o gol monumental.
Vasco 7 x 1 no São Paulo
Quando o Vasco entrou em campo para enfrentar o São Paulo, pela penúltima rodada do Campeonato Brasileiro, não tinha mais chances de classificação para a fase de playoffs. Não tinha isso e mais uma série de coisas que havia se acostumado a ter.
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Sem o dinheiro que permitiu a montagem dos superelencos entre 1997 e 2000, viu os craques debandarem, um a um. O clima era de ressaca, fim de festa, e as cobranças de salários na Justiça começavam a surgir. Sobraram os dois últimos astros dos melhores dias, justamente a dupla de ataque, Euller e Romário.
Em uma tarde ensolarada em São Januário, eles só não fizeram chover. Meses antes, já haviam sido implacáveis em uma partida contra o Botafogo – 7 a 0 no Maracanã. Eram as últimas manifestações de um Vasco poderoso como ele nunca mais voltaria a ser.
Vasco 2 x 1 Ceará
O jogo que resume o Vasco nos últimos dez anos. Primeiro, a torcida: presente, mas insatisfeita. Na última rodada do Série B, o time enfrentou o Ceará precisando empatar para subir sem depender de outros resultados. Por apoio, a diretoria transferiu a partida para o Maracanã. O vascaíno, como sempre, compareceu, mas deixou seu recado. Vaiou o time, vaiou a diretoria, deixou o estádio mais chateado do que feliz.
Segundo, o time: mesmo diante de um adversário bem inferior, diante de uma torcida que expressa sua grandeza, o Vasco se apequenou. Jogou mal e ainda conseguiu sair atrás no placar. Enquanto jogava, viu a torcida comemorar o gol na outra partida que interessava na rodada, que garantiria o acesso à Primeira Divisão mesmo com uma derrota.
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Terceiro, Thalles: autor dos gols que garantiram a virada, o atacante comemorou chorando. A mistura de alívio e frustração sintetiza os sentimentos do vascaíno na última década, quase sempre aliviado pela vitória apertada ou frustrado pelo novo revés acumulado. Revelado como grande promessa, falecido aos 24 anos em um acidente de moto, em 2019, foi o retrato do potencial desperdiçado em que o clube se transformou na década.