Tatiana Furtado
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Tatiana Furtado

Formada em jornalismo pela Uerj, trabalha no GLOBO desde 2004. Há 15 anos, atua no jornalismo esportivo, tendo participado da cobertura de três Copas do Mundo.

Por Tatiana Furtado — Doha

Nas arquibancadas, nas ruas, na fan fest, no metrô, na cobertura da imprensa. Para qualquer lugar que se olhe, a sensação é a mesma: onde estão as mulheres?

Dos mais de 1,2 milhão de estrangeiros que vieram para a Copa do Mundo do Catar, segundo estimativas dos organizadores, não se sabe quantas são mulheres. A Fifa só divulga os números gerais.

Mas a percepção é clara. Ao menos para o olhar feminino. Pela visão dos homens, talvez esteja tudo normal como sempre. É um campeonato de futebol, ambiente masculino e um país com choques culturais que afetam mais a nós.

Já são sete estádios visitados e muitos quilômetros rodados nesses 15 dias pelos arredores das arenas em busca de histórias. Há poucas mulheres para contar as suas. E quando elas estão presentes, há quase sempre um homem ao lado. Alguns até falam por elas, como no caso de algumas iranianas e sauditas.

Grupos de mulheres ou torcedoras solitárias que saíram de seus países para viver a experiência de acompanhar uma Copa são raridades. Grupos de amigos viajando de férias que atravessaram o continente para seguir suas seleções têm aos montes. Algumas apontam o medo de vir a um país tão diferente do seu e não saber como seriam recebidas.

Mulheres etíopes caminham por Doha durante a Copa do Mundo: uma cena rara no Mundial do Catar — Foto: Miguel Medina / AFP
Mulheres etíopes caminham por Doha durante a Copa do Mundo: uma cena rara no Mundial do Catar — Foto: Miguel Medina / AFP

A ausência feminina também se faz presente no dia a dia da cidade. A qualquer hora do dia, é possível fazer o seguinte teste: entre no metrô, o principal meio de transporte durante a Copa, e conte quantas mulheres há neles. Não foram poucas vezes em que era a única. Ou podia contar nos dedos todas elas em um vagão lotado, fossem turistas ou locais.

A demografia do país explica em parte. Ao contrário do Brasil, onde as mulheres são maioria da população, no Catar a relação é praticamente de três homens para uma mulher. Não é uma questão genética catari. Mais uma vez, uma questão de oportunidades. Num país carregado pelos imigrantes do Sudeste e Sul da Ásia e norte dá África, as vagas de trabalho, sobretudo na construção civil, são ocupadas por eles.

Não é apenas o baixo contingente feminino que chama a atenção. Há uma divisão clara social e de gênero na rotina da cidade. As cataris, que seguem à risca o código conservador, são pouco vistas nos espaços públicos — os nativos mais ricos do país andam de carro, metrô é para imigrantes. Sozinhas, menos ainda. Ou estão em família, com marido e filhos, ou entre amigas em restaurantes. Encontrar uma catari sentada num café, solitária, é algo raro.

A fé também é professada separadamente. Nos locais de oração, há a indicação da sala para as mulheres. É possível ver dezenas de homens correndo em direção a esses locais, num dos horários de reza, deixando seus calçados do lado de fora e entrando para fazer sua prece. Sem mulheres.

Assim é nos metrôs e nos estádios, onde há salas privadas de orações separadas por gêneros como banheiros.

Há um cuidado extremo em não tocar no corpo feminino. Ou mesmo se aproximar muito. Nas inspeções de segurança dos estádios e do centro de mídia, há filas separadas. E apenas as mulheres da força de segurança podem fazer a revista em outras. Tudo certo não fosse o detalhe de que são usados detectores de metal e não há qualquer contato físico.

Talvez apenas nesse ambiente Fifa (seguranças, voluntariado, limpeza e produção) tenha havido a preocupação com a equidade de gênero, ainda que seja apenas em números.

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