Informações da coluna
Martín Fernandez
Pedrinho x 777: As lições que as divergências no Vasco trazem para quem quiser virar SAF no futuro
Quem atinge o ponto de precisar ser salvo de si próprio — como o Vasco precisava —só consegue fazê-lo quando aceita abrir mão do controle
A exposição das divergências entre Pedrinho, presidente do Vasco, e a 777 Partners, empresa que controla o futebol do clube, é pedagógica em muitos sentidos. Numa rara entrevista coletiva, o ex-jogador e ídolo cruz-maltino queixou-se da "relação fria" com os investidores, deixou claro que gostaria de ser mais ouvido, disse estar angustiado.
- Carlos Eduardo Mansur: A voz solitária de Vinícius Júnior
- Rodrigo Capelo: Precisamos ter cuidado com a 'neymarização' de Endrick
À primeira vista parece incompreensível a decisão da 777 de manter à margem das tomadas de decisão alguém que tem duas qualidades muito importantes para estar em tal posição. 1) Pedrinho obviamente quer bem ao Vasco, e nem seus maiores críticos — se é que ele tem algum — ousam duvidar disso; 2) Pedrinho é muito capacitado, e sua bem-sucedida carreira como comentarista é só a face pública desse fato. O problema é que Pedrinho não cumpre o principal requisito, o único realmente necessário: não é dono do Vasco.
Junto com Botafogo e Cruzeiro, o Vasco faz parte da primeira onda de clubes que se transformaram em SAF (Sociedade Anônima do Futebol). Não é uma coincidência. Os três foram levados à beira da destruição por seguidas administrações que, com muita benevolência, podem ser definidas como muito incompetentes (Pedrinho não participou de nenhuma delas, mas este não é o ponto). Se havia alguma solução diferente para estas três instituições fundamentais do futebol brasileiro, não houve quem as apresentasse. Respeitadas as diferenças entre cada um, há semelhanças mais importantes. Em todos os casos, o dinheiro agora tem dono.
Sem ignorar problemas e tropeços, é obrigatório reconhecer que Vasco, Cruzeiro e Botafogo estão hoje em situação muito melhor do que estavam quando foram comprados. Quem atinge o ponto de precisar ser salvo de si próprio —como o Vasco precisava, conforme reconheceram o Conselho e os sócios do clube ao aprovar a venda —só consegue fazê-lo quando aceita abrir mão do controle. Não há poder de barganha para quem está no fundo do poço.
É esta a principal lição a ser absorvida deste caso. Quem quiser se transformar em SAF e manter alguma influência no futuro, não pode se permitir chegar à mesa de negociação em posição tão frágil. A entrevista coletiva de Pedrinho deixou evidente o quanto o contrato entre Vasco e 777 limita a ação da associação. O dirigente teve que repetir nove vezes a expressão “não posso falar” como maneira de ilustrar cláusulas de confidencialidade. O Vasco paga o preço de um duplo pioneirismo: foi dos primeiros a virar SAF, e é o primeiro a ter um presidente de clube que é “oposição” à SAF. Esse cenário apenas se ensaiou no Cruzeiro, mas não se concretizou.
No caso específico do Vasco, existe o complicador de que a 777 não tem um rosto facilmente reconhecível, como Ronaldo ou John Textor. Tal distanciamento leva naturalmente os torcedores a identificarem Pedrinho como a solução para os problemas do futebol do Vasco — o que ele não é, como já se sabia desde sempre, e ficou ainda mais evidente nesta semana. O impasse pode ter uma solução a partir de uma reunião que Pedrinho pediu para ter com os sócios da 777. Seria saudável se investidores e o dirigente se aproximassem, respeitados os limites do contrato em vigência. Os dois lados têm a ganhar, e a torcida do Vasco merece essa boa notícia.